Uma vez eu conheci uma menina com o coração partido.
O primeiro caco surgiu quando ela era bem pequena, quando ela nem sabia soletrar, quando ela ainda nem entendia o que era amar.
O primeiro caco foi feito por um chacoalhão, um pequeno pedaço caiu sem cola de seu coração, um minúsculo fragmento que ficou ali, esperando que o restante desmoronasse com o tempo.
A menina com o coração partido foi crescendo e coisas foram mudando, tudo sempre muda, o tempo todo. A menina com o coração partido demorou para entender isso, demorou para perceber o quanto é verdade e, quando ela aceitou isso, ela se tornou quase uma viciada em mudar. Mas isso é algo para abordar mais para frente.
A menina com coração partido teve seu primeiro caco reencontrado e, por uma cola de promessas perdidas, ele reencontrou seu coração. E então, logo depois, caiu mais uma vez. A cola não era forte o suficiente e mais dois cacos se perderam junto a ele, deixando o buraco um pouco maior.
A menina com o coração partido percebeu que colas talvez nunca fossem consertar nada. Seu coração partido implorava para ser remendado, mas as mudanças aconteciam e as pessoas iam embora. Uma de cada vez. Como se ninguém quisesse realmente cumprir a pequena promessa de ficar.
A menina com o coração partido foi crescendo e foi criando seu próprio escudo, escondendo bem lá no fundo seus primeiros cacos, esquecendo que o restante de seu coração ainda estava ali, esquecendo que era só um minúsculo buraco em um enorme coração inteiro.
Mas afinal, se alguém que deveria ter ficado foi embora tão cedo... Se alguém que deveria ter ficado a deixou quando era apenas uma menininha tentando aprender a andar de bicicleta... Se alguém que tinha seu sangue, tinha a deixado de lado, como se não fosse nada, como se fosse culpa dela, como se ela tivesse o afastado enquanto era somente uma garotinha... Uma criança. Quem mais poderia aparecer e dizer a verdade sobre querer ficar?
A menina do coração partido sabia que tudo isso era um trauma. Ela também sabia que era uma mentira, um drama, uma paranóia. Ela me disse uma vez que sabia que estava se fechando, que sabia que não permitia ninguém se aproximar, ela sabia que o problema ali era sua natureza de afastamento, ela sabia que era ela que tinha que mudar.
E ela mudou. Ela mudou bastante.
A menina com o coração partido foi deixando sua armadura cair aos poucos, testando uma coisa ou outra, finalmente deixando as pessoas vê-la.
Ela colocou um bandaid no pequeno buraco onde deveriam estar os primeiros cacos caídos de seu coração e deixou o escudo de lado. Ela sabia que podia ser diferente, teve um gostinho do que era ser vista. Até que essa confiança se tornou tão grande que ela perdeu o escudo, nunca mais o viu e cada sentimento que ela sentiu em seguida estava sendo enxergado, muito mais do que ela podia controlar.
A menina com o coração partido, quando era uma pessoa um pouco mais confiante, ela achava que tinha certeza, ela estava bem. Ela ainda era ansiosa e um pouco tímida, mas ela sabia o que ela queria, então ela foi atrás. A menina com o coração partido que se sentia pronta e sabia exatamente do que queria e quando queria, não é?
Ah, a menina que me faz pensar e pensar e pensar. A menina que me deixa perplexa por horas, analisando se qualquer pessoa no mundo realmente tem certeza do que está fazendo. Analisando o quanto ela só queria estar bem consigo mesma. E as vezes ela está. As vezes não. Analisando se, na verdade, a vida não é exatamente isso: um conjunto de momentos que mudam sua perspectiva a cada segundo.
A menina com o coração partido chegou a conclusão de que nunca vai ter certeza de que as pessoas realmente tem certeza das coisas. Talvez isso seja a prova de que elas nunca tem. Talvez só finjam que tenham e, em algum momento, fingiram tanto a certeza que se tornou uma verdade. Talvez isso seja uma análise sem sentido e inútil que não vai mudar em nada a vida da menina com o coração partido, já que o mundo é egoísta demais para ler e analisar junto com ela uma resposta.