Uma vez conheci uma menina que chorava todos os dias.
Todos os dias, quando ia dormir, ela fechava os olhos e planejava exatamente cada passo que daria no dia seguinte. Ela deitava com o cabelo jogado pra cima no travesseiro e as costas encostadas na parede gelada, a única parte que ficava para fora do cobertor.
Com os olhos fechados com força, ela descrevia para si mesma o que faria no outro dia. Ela acordaria, levantaria e respiraria por alguns segundos, ainda sentada na cama. Iria, de olhos ainda fechados, até o banheiro, lavaria o rosto e escovaria os dentes. Depois voltaria para o quarto, abriria a janela com cuidado e olharia o clima do lado de fora.
Se estivesse frio, ela colocaria uma calça jeans azul, sua preferida, a blusa do uniforme da escola e por cima deixaria o moletom cinza escuro que a fazia se sentir embaixo do cobertor de novo. Se estivesse calor, ela manteria a calça jeans, porque a cidade ainda era fresca de qualquer forma, e tiraria o moletom.
Depois de olhar o clima, ela se vestiria, iria para a sala e encontraria sua mãe sentada na mesa, ao lado da cadeira onde estava sua mochila. Estaria tudo silencioso, já que seu irmão ainda estava dormindo em um dos quartos. Ela diria que não precisava comer, mesmo sabendo que precisava, só não gostava da sensação de precisar comer.
Ela pegaria a mochila preta na cadeira, colocaria nas costas e sairia com sua mãe para ir até a escola. No meio do caminho, seu coração aceleraria e ela olharia pela janela, sentindo os braços tremerem. Ela teria vontade de chorar, mas não choraria dentro do carro, não naquele momento.
Ela chegaria na escola e soltaria um "bom dia", bem baixinho para o porteiro. Ele sorriria pra ela e ela se sentiria um pouco melhor.
A menina que chorava todos os dias entraria na escola e veria todas aquelas pessoas vivendo suas vidas. Observaria cada uma delas com cuidado, como se ela conhecesse cada um, mas na verdade, eram poucos os que realmente lembrariam dela depois que a aula acabasse.
Ela subiria as escadas da escola e entraria na sala, ignorando todos que sentavam na frente e indo para a última carteira, no canto da sala, ao lado da parede. Ela deixaria a mochila encostada em seus pés e olharia para o lado, com um sorriso fraco.
Sua melhor amiga estaria rindo com o garoto sentado na frente dela. Ela se sentiria por fora de tudo. Ela se sentiria um pequeno inseto a observar. Ela olharia para a própria mesa e veria, talhado com um lápis de ponta fina, as palavras "sentimos sua falta" junto com seu nome. Ela havia faltado no dia anterior.
A garota que chorava todo dia sentiria seus braços tremerem sempre que via algo novo acontecer. Tinha sua barriga cheia de arranhões porque aliviava estresse. Choraria trancada no banheiro sem saber exatamente o motivo, sem saber porque não conseguia só estar presente no momento. Ela escreveria contos durante a aula, fingindo que fazia parte de alguma coisa.
Ela choraria se perguntando se tudo ficaria melhor quando a escola acabasse. E tudo ficou.
Será que te verei de novo garota que chorava todos os dias? Será que você ainda chora todos os dias? Será que suas mãos ainda tremem quando te fazem uma pergunta? Será que você ainda escreve aquelas histórias sobre sentimentos e pessoas que queria se aproximar na hora do intervalo da faculdade? Eu sei a resposta disso tudo, porque você era eu.
