— Mas o que você acha, Ching? Devo confiar nele? — pergunto, enquanto jogo peças de roupa em cima da cama.
O dia estava quase terminando, as barracas estavam todas montadas nas ruas e as pessoas logo começariam a chegar. O festival não era só uma forma de tentar fazer com que a economia da vila voltasse a crescer, mas também para mostrar aos Mogwai que a população não tinha mais medo. Era arriscado? Talvez, mas tenho certeza de que a essa altura não há nada que não pudéssemos superar. Além do mais, eu já tinha tido muito trabalho para ajudar a organizar o evento, agora tudo que eu preciso fazer é acalmar os ânimos e escolher uma roupa descente.
— Ah Pucca... Eu sempre achei que... você e o Garu... formariam um lindo casal... mas hoje em dia... eu percebo que ele era bem cruel com você... — ela responde pausadamente, tentando passar a máscara de cílios sem borrar. Ching finalmente termina e olha na minha direção — Não sei quem está falando a verdade, mas acho que seria legal dar um voto de confiança, afinal, o que o Tobe ganharia mentindo?
Eu já estava totalmente inclinada a acreditar em Tobe, principalmente depois de tudo o que ele fez para me ajudar. E Garu, por mais que eu não quisesse olhar na cara dele tão cedo eu quero ouvir a versão dele. Sem desculpas ou enigmas desta vez, eu mereço a verdade.
— Acho que pode ser... Essa história está me deixando maluca. Sei que não devo confiar totalmente no Garu... — passo a mão pelo cabelo sentindo minhas mãos trêmulas.
— Bom, seguindo essa lógica você também não devia confiar totalmente em um certo outro ninja — Ching vem para o meu lado e começa a separar algumas peças — Me conta essa história direito, vocês dormiram aonde?
— Na sala! — repito pela oitava vez — Não aconteceu nada, Ching!
— Ah, nem mesmo um selinho? — ela parece decepcionada.
— Não!
— Dormiram de conchinha pelo menos?
— NÃO!
— Ai tá bom, não precisa ficar nervosa, só estou curiosa. Nunca imaginei que você e o Tobe... — ela ergue as sobrancelhas de modo sugestivo.
— Não tem nada para imaginar, somos apenas amigos! — desconverso, finalmente pegando uma calça e uma blusa. Vou em direção ao banheiro para tomar banho mas Ching entra na minha frente.
— Ah qual é, cadê a Pucca que eu conheço? Se declara logo pra ele, se ele não estiver afim, bom, azar o dele!
— Me declarar? Que conselho é esse? Você acabou de falar para eu não confiar totalmente nele!
— É mas desde quando você faz o que os outros sugerem? — ela começa a rir como se fosse uma piada, e eu finalmente me dou conta do quanto aquele assunto havia mexido comigo.
Respiro fundo, tentando me acalmar e tentando controlar o rubor nas bochechas. Eu tenho que retomar o controle da situação, não posso me deixar levar pelas minhas emoções tão facilmente.
— Eu não sinto nada por ninja nenhum, na verdade, eu não vou entrar em um relacionamento ou me envolver com mais nenhum outro ninja, ouviu bem? Chega de ninjas!
— Ok... — Ching finalmente me deixa passar.
Eu suspiro, indo em direção ao banheiro, quando a ouço dizer baixinho:
— Que bom que Tobe não é mais um ninja...
Fecho a porta com certa força, e apesar de aparentar estar com raiva, eu não estou. Eu só não sei o que pensar ou o que sentir, apenas quero acreditar em cada palavra que eu acabei de dizer. O fato de Tobe ter parado de ser um "problema" para a vila há anos não significa que ele deixou de ser um ninja, não exatamente. Talvez a história de ser um pescador seja apenas uma fachada, talvez ele continuasse mesmo sendo um ninja, afinal... Ah céus, por que eu estou pensando nisso?
Ligo o chuveiro e deixo que a torrente de água fria caia sobre mim. Por que subitamente estou tentando encontrar empecilhos para uma questão que não existe? Ching está errada e eu vou provar isso. Meu coração acelerado finalmente dá uma trégua e eu posso tomar banho em paz. Algum tempo depois eu saio do banheiro, já devidamente vestida. Ching observava seu reflexo e nossos olhos se encontram pelo espelho.
— Me diz que você não vai vestir isso, aí? — ela aponta para mim.
— O que tem de errado? — olho para o meu jeans e minha blusa folgada.
— É um festival, você tem que se vestir pra impressionar, pra deixar ele vidrado em você! — ela incentiva, animada e de bom humor.
— Eu nem sei se ele vai estar lá... — sento na cama me sentindo frustrada até que me dou conta do que eu acabei de dizer.
Cubro o rosto com a almofada mais próxima para abafar o grito mais dramático que já tive na vida. Ouço Ching rir baixinho, mas o riso é breve e ela logo vem se sentar ao meu lado.
— Isso não pode estar acontecendo... — é tudo o que eu consigo dizer.
— Tá tudo bem, você não precisa admitir nada agora, e também não tem que ser difícil. Tem que ser prazeroso e divertido, legal e emocionante! Não precisa lutar contra isso. Olha, eu prometo que não vou mais perturbar você e a sua negação, mas eu te conheço desde que tínhamos dez anos, você não pode esconder nada mim.
Apenas consigo esboçar um sorriso fraco, que em pouco tempo se transforma em uma risada nervosa e boba. Mesmo acidentalmente admitindo minha expectativa pela vinda do ninja ao festival, eu sabia que não podia depositar todas as minhas esperanças nisso. Já era trágico o suficiente estar esperando que ele viesse, e a última coisa de que eu preciso agora é uma outra obsessão por um ninja.
— Vem, vamos mudar essa roupa de ir na padaria e vestir algo apropriado para uma festa.
Mesmo hesitante, eu acabo indo atrás dela, afinal das contas, ela tinha razão. Era uma festa e eu precisava me vestir de acordo com a ocasião. Eu separo algumas opções de trajes, desde os mais descontraídos aos mais tradicionais. Ching estava com um vestido longo e esvoaçante, mas nada muito chamativo. A cor roxa caia muito bem nela. Embora eu também quisesse usar a minha cor favorita, Ching insiste mil vezes para que eu fosse com o vestido azul. Era até parecido com o dela, mangas curtas, tecido leve, tom de azul claro. Era delicado e charmoso, um tanto diferente do que eu tinha em mente.
Ela me ajuda com a maquiagem, e eu confio totalmente nela pois para mim é difícil acertar a quantidade de corretivo. Um pouco de blush e batom vermelho foi o suficiente para destacar meu rosto. Apesar de ser um evento noturno, decidimos manter tudo simples. Ching ajuda também com o penteado, optando por prender apenas algumas mechas frontais com grampo e adicionar uns enfeites dourados em forma de flores.
— Ah, Pucca... — ela se afasta de mim, me dando espaço para que eu me levante — Você tá tão linda!
Tenho vontade de morder os lábios para conter o sorriso, mas não consigo evitar. Agradeço ao poder da maquiagem por esconder o rubor insistente no meu rosto. Eu me sentia bonita, e o vestido caiu muito bem. Não me imaginava vestindo azul hoje mas imagino que seja uma boa ocasião para isso.
— Tobe vai adorar ver você vestindo a cor favorita dele... — Ching parece ler meus pensamentos.
— Essa não é a... — franzo o cenho — Espera como você... Foi por isso que sugeriu esse? — lembro do uniforme azul de seu clã.
— Pelo menos uma vez você me ouviu — ela joga um xale semitransparente por cima dos meus ombros — Ué, o que foi? Ele sempre usou essa cor então eu imaginei que...
— Ai, que seja — encerro o assunto, não querendo pensar sobre isso — Muito obrigada.
— Não há de quê — ela sorri.
Eu a abraço, mais feliz do que poderia estar. Um sentimento bom me invade, e meu bom humor estava tão bom que nem mesmo os Mogwai poderiam estragá-lo. Eu estava pronta e com centenas de expectativas para esta noite. O sol lá fora já tinha ido embora, as luzes das barracas já estavam acessas e a música começava a tocar. Era a hora.
— Trouxe sua espada? — ergo a sobrancelha, tínhamos que estar preparadas para tudo hoje em dia.
— Sabe que eu não saio de casa sem ela — Ching toca o cabo da katana presa a cintura.
Sorrindo uma para a outra, nós damos as mãos para descermos juntas.
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Corações Não Mentem
FanfictionApós dez anos fora de casa, Pucca retorna à pacífica vila Sooga, mas sua volta é marcada pela invasão de uma gangue mercenária. Ela busca seu antigo amor, Garu, mas ao ser rejeitada, lembra que existe outro ninja experiente e dedicado para ajudá-la...