Capítulo 15: Inquietude

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O retorno à Campinas foi regado de um sentimento de inquietação que tirou minha paz durante dias.

O pensamento em Lauren sempre me fazia tirar a carteira de habilitação dela da minha bolsa, e olhar para aquela foto sem graça e injusta com a beleza dela, como toda foto de documento, e me lembrar da sua expressão ao dizer que eu não enxergava o óbvio. O que seria o óbvio que minha intransigência não permitia que eu enxergasse?

Voltei ao Hospital visivelmente cansada, o que logicamente não passou despercebido por Virginia.

- Bom dia doutora! Nossa a senhora não sabe quanta falta fez!

- Bom dia Virginia. – Respondi apática.

- Dias difíceis? A senhora parece exausta.

- Foram dias cheios...

- Então vou cuidar para que ninguém a importune sem necessidade.

- Obrigada doutora Virginia, mas... melhor que eu ocupe minha cabeça com trabalho...

- Já que é assim... Tenho um relatório do trabalho do grupo enquanto a senhora esteve fora... As consultas de reavaliação já começam amanhã, temos a agenda lotada até o final do mês.

- Conseguiram contatar todos os pacientes?

- Sim, todos.

- Inclusive a doutora Lauren?

- Bem, ela não, porque a senhora me disse por telefone que faria isso...

- Ah... Verdade... Vou tentar providenciar então...

Virginia sem dúvida era a pesquisadora mais empolgada que conheci, apesar de afobada e efusiva a considerava uma das mais promissoras entre as residentes, às vezes sua bajulação comigo me incomodava, mas naquele momento, era exatamente do que eu precisava, eu me sentia sozinha depois da briga com Harry.

Depois dos atendimentos, no final do dia, quando me preparava para voltar para casa, pensando que a solidão traria mais uma vez o pensamento em Lauren, Virginia me procurou no consultório, com o seu sorriso e vivacidade típicos:

- Missão cumprida, doutora! Vai poder descansar finalmente.

- Pois é... Vou para casa...

Apertei os olhos com uma expressão de insatisfação. Astuta e atenta como era, Virginia propôs:

- O dia foi puxado, acho que merecemos uma bebida, aceita dar uma esticada?

Não pensei duas vezes, levantei da cadeira, peguei minha bolsa, joguei o jaleco sobre a poltrona e disse:

- Já é!

Virginia me guiou, novata na cidade, mas nem parecia. Ela me levou a um bar afastado do centro, com decoração rústica, cheia de elementos artesanais, e trilha sonora de Zeca Balero dando ao lugar um clima alternativo e novo para mim. A morena me trouxe uma caneca de chopp, e me convidou para um brinde:

- À deliciosa liberdade de beber no meio da semana...

Consenti o brinde, sorri e sorvi um gole da bebida, deixando o colarinho do chopp nos meus lábios, sem a menor timidez e com a sensualidade implícita, Virginia desenhou meus lábios com seus dedos os livrando do bigode branco de espuma. Arrepiei. Como se ignorasse o clima íntimo do gesto, Virginia me encarou com ar inocente e perguntou:

- Aqui tem uns bolinhos de bacalhau deliciosos, você gosta?

- Ahan.

Com as bochechas quentes ainda sob efeito do toque de Virginia nos meus lábios disfarcei sorvendo mais um gole da cerveja. Chegaram os bolinhos, e muitos outros chopps, e a cada tulipa Virginia me parecia mais interessante com seu jeito devotado de me tratar, entretanto, um comentário fez com que meu pensamento mais constante voltasse.

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