Capítulo 31: Lauren, minha paciente

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Evitei falar com Virginia sobre nossa noite anterior. No hospital chequei pessoalmente a equipe que operaria Lauren, escolhi a dedo os melhores profissionais, estava nervosa, especialmente depois de entrar na sala dos residentes e ouvir sobre um bolão de apostas que ocorria entre eles:

-- Gente a mulher era uma bomba relógio, a finada e milagreira Dra. Natalie Portman operou um milagre no caso dela! Aposto que é essa a paciente que vai complicar, aqui meus cem reais Cacá!

Cruzei os braços e apertei os olhos e parei diante deles que assustados com minha presença emudeceram.

-- Então é assim que vocês tratam com humanidade nossos pacientes? Fazendo bolsa de apostas?

-- Doutora Camila não é nada demais, surgiu meio que na brincadeira, até agora nenhum de nossos pacientes apresentou complicação e em todas as pesquisas que lemos, sempre há um paciente que representa o 1% que impediu os 100% da amostra sem intercorrências.

-- Ah claro! Uma brincadeira! Nada demais! Doutora Cristina a grande questão é que não estamos lidando com ratos de laboratório, essas pessoas que vocês transformaram em porcentagem, são seres humanos com família, com sentimentos, sonhos e principalmente com vontade de viver e nossa obrigação é fazer com que eles saiam daqui vivos, não porque são nossa amostra, mas porque são nossos pacientes!

-- Camila calma, ninguém aqui deixou de cumprir as obrigações com nossos pacientes por causa disso... – Virginia falou baixo.

-- Doutora Camila! Doutora Virginia, é Doutora Camila! Quem está nesse bolão de apostas?

-- Alguns de nós e dos médicos assistentes...

-- Quero a lista aqui na minha mão.

Fiz sinal para que a residente me entregasse, Cristina me entregou com receio, o clima na sala era tenso, fui passando os olhos naquela lista furiosa e decepcionada com meus pesquisadores, inclusive Virginia que estava no bolão.

-- Muito bem, os apostadores estão fora do caso da Lauren Jauregui, Doutor Tarcísio só restou o senhor para acompanhar a mim e ao Dr. Lucas. Venha comigo nós temos que preparar a paciente.

Saí da sala pisando firme, Virginia me seguiu e disse indignada:

-- Camila! Como assim me tirou do caso? Eu pesquisei a fundo os dados clínicos, fiz todos os exames, e eu nem apostei na Lauren!

-- …Doutora Camila! E sim, você está fora do caso, assim como os outros que apostaram.

Continuei andando sem olhar para Virginia que prosseguiu:

-- O Tarcísio só não apostou porque estava sem grana!

-- Doutora Virginia, vá para o laboratório agora e só me apareça com no mínimo conteúdo para três artigos! Sem discussão, se não quiser receber uma advertência escrita no seu histórico!

-- Isso tudo é porque se trata dela, não é?

Perdi a paciência pela primeira vez com Virginia, segurei seu braço forte, a afastei do seu colega e disse com tom incisivo:

-- Seja profissional e acate as minhas ordens antes que eu use você como exemplo para uma punição administrativa Virginia, em casa vamos discutir seu comportamento lamentável!

Eu me afastei apressada em direção ao quarto de Lauren, ainda mais tensa, no nosso meio de pesquisas experimentais com seres humanos era quase uma regra ter o paciente 1%, mas como chefe da pesquisa e do serviço não poderia permitir especulações, muito menos aposta com esse fato, fosse com Lauren ou qualquer outro paciente.

Entrei no quarto e dei de cara com Pietra, respirei fundo, usei de todo equilíbrio que eu não tinha naquele momento para agir imparcialmente:

-- Bom dia. Lauren esse é o Dr. Tarcísio, membro da equipe de pesquisa e residente de neurocirurgia, vai participar com o Dr. Lucas do procedimento.

-- Você não vai participar? – Lauren perguntou com tom de receio.

-- Eu não participo das cirurgias Lauren.

Tarcísio começou a explicar como seria o procedimento, enquanto eu conferia os dados no prontuário, mesmo assim não pude deixar de perceber seus olhos sobre mim.

-- Alguma dúvida Dra. Lauren? – Perguntou Tarcísio.

-- Gostaria de conversar com a Dra. Camila, a sós seria possível?

Franzi a testa estranhando o pedido, Pietra subiu nos cascos relutando em sair do quarto.

-- Pietra, por favor. – Lauren indicou a porta.

Ficamos a sós enfim, depois de Pietra sair bufando.

-- Lauren se você vai falar sobre ontem, não acho a hora nem o local apropriado...

-- Entre na cirurgia, por favor. – Lauren interrompeu.

-- Mas, Lauren eu não sou neurocirurgiã...

-- Entre e fique perto de mim, Camila.

Os olhos marejados de Lauren me trouxeram de volta a lembrança da mulher que eu amava. Não me contive, segurei sua mão e perguntei:

-- Você está com medo, não é?

Lauren balançou a cabeça positivamente e uma lágrima percorreu seu rosto. Não sei explicar qual sentimento me tomou se compaixão ou se era o amor latente que insistia em se mostrar. Sentei ao seu lado no leito, apertei sua mão e disse:

-- Estarei ao seu lado todo tempo na cirurgia e serei a primeira pessoa que você vai ver assim que acordar fique tranquila, vai dar tudo certo.

Trocamos um olhar desarmado, reconheci a Lauren que amava, mas, ela era um mistério para mim. Como era possível ela me transmitir tanto amor e agir como uma leviana, traidora e insensível? Num rompante de sensatez me levantei e anunciei:

-- Daqui a pouco a enfermeira vem te levar para o centro cirúrgico.

-- Camila espere. Não sei o que vai acontecer nessa cirurgia, estou com uma sensação ruim, e não posso morrer sem te perguntar uma coisa.

-- Não fala bobagem! Você não vai morrer! Lauren é um procedimento simples.

-- Camila você sabe que no meu caso não é tão simples assim. Mas, me responde: Por que você jogou nossa história fora, desistiu de nós tão fácil?

-- Do que você está falando Lauren? Você foi quem jogou tudo fora me traindo com a Pietra, deve ser mais forte do que você o apelo à traição, não é?

-- Camila você foi correndo para os braços da Megan, depois sumiu enquanto eu esperava uma resposta sua, agora você me censura, me acusa de traição? Você me traiu primeiro! Entendi que você não me perdoou pela droga de aposta que fiz com Harry, a prova foi que você viajou em lua de mel com a Megan me deixando a ver navios...

-- Eu o que? Lauren não te traí coisa nenhuma! Eu não viajei com Megan, eu passei o final de semana no velório e sepultamento do vô Elias!

-- O quê? O que você foi fazer então na casa de Megan quando brigamos?

-- Não fui na casa da Megan, fui ao bar, o que se faz em um bar que não seja beber?

Pietra entrou no quarto sem avisar, interrompendo nossa conversa. O clima tenso no quarto deixou claro que a conversa entre mim e Lauren não era só profissional. Com cara de quem tinha culpa no cartório, Pietra perguntou:

-- Está tudo bem minha querida?

Estava confusa com aquela discussão, e Lauren também. A enfermeira entrou nesse momento para preparar Lauren para a cirurgia. Saí do quarto atordoada. De onde surgiram aquelas acusações de Lauren? Era óbvio que alguém a envenenou contra mim, com mentiras. Mas, o que a fez acreditar nisso? Comecei a acreditar na tese de Virginia de que havia mesmo algo estranho na amizade da sua prima com Megan e poderia sim ter armação para nos separar.

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