Ainda me lembrava das histórias que me contavam quando era criança, sobre como falavam das profecias que eram recitadas em relação a um mal eminente, achava que talvez fosse apenas contos para que as crianças sentissem medo e fossem para cama mais cedo do que o esperado, ou quando não obedeciam e diziam que o bicho feio iriam pega-las. Porém agora eu começava a acreditar em tudo o que haviam me falado um dia.
Não tinha como negar os boatos que circulavam pela cidade, comentavam sobre como o rei estava envelhecendo e o príncipe ainda não havia escolhido ninguém para casar e poder assumir o trono, ou em relação às tropas de guerras que estavam se juntando cada vez mais como se estivessem preparando para um ataque, e talvez estivessem mesmo. Eu ainda me lembrava do nome dele, o nome do monstro mau das canções e contos, mas passei a temer falar em voz alta, quase como se fosse uma maldição realmente.
Não é como se tivesse medo, mas isso não queria dizer que eu me arriscaria falar nomes em vão, palavras tinham poder e eu mais do que ninguém sabia disso. Elyria era conhecida por ser bem receptiva em relação às pessoas que moravam lá e as que chegavam, falavam que não tinham nenhum tipo de preconceito mas assim que alguém saia do padrão, aquilo já se tornava algo inadmissível. Talvez fosse por isso que era considerada a bruxa má da vila, uma piada na minha humilde opinião me comparar a uma bruxa que fosse realmente má, mas eles não deveriam conhecer o mal pra chegar achando que eu era terrível. Eu não era, só fugia do padrão deles e dos gostos, e da aparência, e talvez de tudo relacionado a eles, meus cabelos ruivos eram um destaque da vila me fazendo ser mais chamativa ainda, se não era bruxa má me comparavam com o próprio diabo, assimilando coisas do cabelo ser a cor dele e asneiras quaisquer. Eles não estavam errados em relação a eu ser uma bruxa, naquele universo todos seguiam algo, ou eram algo, nascidos de uma forma específica, sabia que haviam os reinos das fadas, dos elfos, e até mesmo anões, havia diversos outros seres além dos humanos, entretanto quando se pensa em humano a maioria acredita que seja um ser fraco, mas ali não era exatamente assim. Assim que completavam 15 anos de idade e eram considerados capazes, cada um recebia um dom em específico que o ajudaria futuramente, podendo você mesmo escolher se iria querer usar isso ou apenas ignorar. E foi exatamente em relação a isso que eu me ferrei.
Havia me mudado com minha avó quando era muito nova, não me lembrava de como era a vida antes de morar aqui, apenas flashes de memória que não haviam sentido, mesmo nova eu ainda sofria por estar naquele lugar e sabia que era um erro, minha avó me ensinava tudo o que eu precisava saber em relação a feitiços, ervas, e todas as coisas que me seriam úteis algum dia, me ensinou a detectar ervas medicinais e as que não poderiam ser ingeridas, da mesma forma que os frutos. Quando as crianças completavam a idade de receber os dons, o reino fazia uma verdadeira festa em comemoração a isso, e foi em uma dessas que todos passaram a me odiar verdadeiramente.[ Corria até a entrada aonde a festa já estava acontecendo, tenrando apressar minha vó para que andasse depressa para não perdemos o recebimento, estava feliz pois também estava fazendo aniversário naquele exato dia e ficava imaginando como seria legal receber um dom, infelizmente isso acontecia apenas com humanos, seres de outras raças como as fadas, as bruxas e os elfos não tinham esse direito, de acordo com os manuscritos antigos isso acontecia porque já éramos capazes o suficiente de nos defender sem precisar de um dom extra.
Assim que me posicionei na frente de forma que eu conseguisse ver, me animei vendo as crianças já paradas alinhadas prontas para começar. Uma moça esperou todos se acalmarem e começou a falar– Sejam bem vindos, hoje é mais um dia de felicidades e festanças, pois temos novos amigos no recebimento.
Todos começaram a aplaudir e assobiar no momento em que ela parou de falar.
– Sem mais delongas, vamos começar.
Ela se afastou pegando uma espécie de cetro que a cidade havia recebido de um rei a milhares de séculos atrás. Passou pela cabeça das crianças esperando que algo acontecesse, como mágica na mesma hora as crianças falaram o que cada um sentia, eu me lembrava de uma menina loirinha dizendo que era veloz, e um menino de cabelo grande dizendo que era inteligente e forte, mas antes mesmo que a próxima criança pudesse falar, como se algo na minha mente despertasse eu mesma falei em voz alta sobre mim, sem esperar ninguém
– Eu tenho o fogo.
Todos olharam pra mim surpresos, os olhares demonstrando raiva, medo e talvez pena. Eu não entendia na época o que isso significava, mas conforme cresci foi evidente o que aquilo causara na cidade toda. ]
Despertei de meus pensamentos assim que ouvi a voz da minha única amiga falando.
– Fiquei sabendo que o príncipe vai dar uma festa no Palácio, e todos vão poder ir. E a gente definitivamente vai, e você vai se arrumar entendeu? A gente já está na idade de se casar e se alguém não começar a demonstrar interesse, vamos ficar mal faladas e definitivamente velhas rabugentas. Ah Nana, eu não quero ficar como aquelas fofoqueiras que ficam encostadas nas janelas sabendo da vida de cada um, pois nunca tiveram um pretendente sequer. Eu prefiro a morte do que isso. – Elena fala dramatizando me fazendo rir com aquilo, isso era algo da qual eu não me importava já que querendo ou não, isso aconteceria comigo. Todos ali me odiavam e tinham medo de mim, era impossível surgir um interesse repentino, além de que naquela cidade ninguém chamava a minha atenção.
– Va você, não gosto dessas festas e não sou bem vinda, você sabe disso. – Falei enquanto me ajeitava no banco, o sol já estava se pondo marcando o fim da tarde. Suspirei sabendo que ela insistiria até o fim, não adiantaria eu negar. Antes que ela pudesse abrir a boca e começar a falar em disparada, eu continuei. – Só dessa vez, ok? E você vai ficar me devendo uma.
Elena concordou animadamente e começou a dizer que haviam diversos lugares que elas poderiam comprar um vestido e diferentes tipos de penteados, e sobre como elas seriam a sensação da noite. A verdade era que eu não estava nem um pouco interessada em ter que ir em lojas para comprar um vestido e gastar minhas economias todas em algo tão fútil quanto isso, muito menos em gastar horas em frente ao espelho tentando ajeitar o cabelo de forma que agradasse aos outros e não a mim. Eu não era uma dama da alta sociedade, nem a realeza, nem mesmo um cidadão qualquer, eu era uma guerreira e sobrevivente, e eu pensava seriamente que se tivesse realmente um mal eminente, eu seria a única capaz de derrotar aquilo.
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Coração de Bruxa
FantasyE quando a guerra se aproxima e o inimigo se fortalece, a única escolha que resta é se juntarem. Natasha, Artemys e Aric devem seguir um caminho em busca dos elementos para poderem derrotar o mal. Mas o que fazer quando tudo se torna um verdadeiro c...