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A noite havia chegado com uma velocidade indescritível, Elena já havia voltado pra casa tinha algum tempo, enquanto eu terminava de preparar minha janta para depois poder deitar. Havia uma regra na cidade que a partir das 19h ninguém mais podia sair de casa sem ter um bom motivo, não sabia quando isso havia começado exatamente mas boatos circulavam o local, sempre boatos. O que eu sabia era que os soldados do rei ficavam caminhando pela cidade fazendo uma vigia a procura de alguma atividade suspeita, ninguém nunca havia sido pego e levado até o julgamento, todos levavam isso bem a sério, todos menos eu.

– O manjericão acabou, droga. – Me xinguei por ter sido burra e esquecido, deixei a panela no fogo enquanto terminava de cozinhar o conteúdo dentro e peguei uma faca para caso precisasse me defender. Abri a porta de casa e saí, eu morava quase em frente a floresta dali o que causava ainda mais rumores ao meu respeito, era engraçado pensar nas coisas que as pessoas mesmo inventavam, a criatividade delas era surpreendente. Possuía uma pequena hortinha do lado da minha casa, aonde eu cultivava meus próprios legumes, verduras e temperos, havia também algumas frutas porém eram mais complicadas de serem cultivadas do que o restante. Caminhei até lá procurando o manjericão com os olhos até achar, me agachei perto e pedi licença antes de começar puxar as pequenas folhinhas, pegando a quantidade suficiente para utilizar, em seguida agradeci e me levantei, limpando as folhinhas e começando a sair da horta.

Parei bruscamente, eu sentia algo ali as espreitas. Havia uma presença sombria no recinto e ela sabia que eu já havia sentido ela ali. Talvez fosse esse o motivo da regra que antes eu julgava boba? Não, não poderia ser, se fosse os soldados já estariam à caça disso há muito tempo. Era outra coisa...algo mais antigo e sombrio, eu sentia a coisa me observando e podia ouvir sua respiração lentamente e controlada, eu estava congelada no lugar pensando se isso me atacaria ali mesmo; talvez minha morte fosse nesse momento, meu karma por ter brincado em relação às regras da cidade e ter apostado minha própria sorte. Eu não tinha coragem de me virar, eu queria olhar o que era e enfrentar aquilo, mas não conseguia.
Sua presença era fria e congelante, diminuía a temperatura do lugar como se uma rainha do gelo tivesse passado congelando tudo no puro ódio. Eu sentia isso, sentia o ódio que emanava da criatura sombria, sentia seu desejo por sangue e a vontade da vingança.

– O que você está fazendo aí parada garota? – Ouvi alguém gritar e virei rapidamente para olhar um soldado vindo em minha direção, a criatura iria atacar, eu sabia disso. Foi no minuto exato em que pisquei meus olhos e o soldado já não estava mais lá, sua cabeça havia sido decepada e o sangue dominava aquela parte em que ele se encontrava caído no chão. A presença do bicho havia sumido fazendo com que a temperatura voltasse, eu soltei um grito estridente de puro terror percebendo a cena por completo. Como aquilo havia sido capaz de causar tudo isso em menos de segundos? E não havia nem sua presença no lugar, eu corri pro lugar em que o soldado se encontrava e comecei a chorar permitindo que o medo se liberasse do meu corpo. Havia um inocente morto ali, morto por minha causa, por que eu fui uma estúpida que achou que as regras eram idiotice e decidiu se aventurar do lado de sua casa. As pessoas começaram a sair das casas ao ouvir o grito e me encontraram caída no chão ao lado do corpo já sem vida, minhas mãos cheias de sangue por conta da minha tentativa de usar meus poderes e curar ele, mas não adiantava mais, não havia mais jeito.

Os cochichos eram incessantes, as pessoas me olhavam acusadores como se eu tivesse feito aquilo, de certa forma eu realmente havia causado, mas não havia sido proposital. Minhas mãos tremiam e eu tentava me acalmar, mas era impossível, eu sabia que seria presa agora, por um crime que não havia sido meu. Não teria ninguém para me salvar ou me defender, ninguém para testemunhar ao meu favor.

– Afastem todos. – Uma voz grave falou enquanto as pessoas começavam a dar espaço, um homem surgiu a minha frente vestindo uma armadura e tendo uma espada ao lado. Seus cabelos eram escuros e na altura do ombro, a barba recém feita dava um charme a ele. Ele olhou como se eu fosse um monstro, mãos me agarraram por trás me prendendo, impedindo qualquer movimento ou ataque, o que quer que eles estivessem pensando.

– Levem ela pra prisão, irei com o príncipe a interroga-la logo. – Foi seu último comando antes de começarem a me puxar, me fazendo caminhar em direção ao meu destino cruel. Eu não conseguia pensar direito, não conseguia entender a situação a qual havia me metido. Até o começo da manhã eu era apenas odiada pela cidade toda, mas vivia minha vida em paz, e agora todos me odiavam, eu seria acusada de assassinato e iria para a forca, aonde me matariam na frente de todos como aviso aos rebeldes sem causa.

– Minha..casa, a panela no fogão...desligue a ou vai pegar fogo em tudo..– Foi a única coisa em que consegui falar ao homem a distância da qual estava. Minha voz fraquejando ao falar, abaixei a cabeça e continuei andando.

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