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O cansaço dominou meu corpo rapidamente, e mesmo que eu tivesse tido uma noite de sono considerada razoável, foi impossível não adormecer quando as dores em meu corpo já haviam amenizado bastante, além de estar finalmente alimentada e hidratada. Eu só sabia que Aric e Artemys estavam de olho na flor, cuidando dela durante o tempo inteiro com medo de que a qualquer minuto ela pudesse desaparecer em um passe de mágica. Se isso acontecesse, eu não sei o que iríamos realmente fazer, eu ainda sentia a presença do mal pairando no ar, não que tivesse alguém em nossa equipe que fosse talvez um traidor. Mas era uma energia pesada, e que atormentava meus sonhos como estava fazendo nesse momento. Eu ouvia vozes do lado de fora, mas só conseguia apenas remexer meu corpo enquanto sentia a claridade do sol estampada em meu rosto, mas aquilo era algo que não estava nem fazendo diferença já que eu também não conseguia abrir os olhos. Era como se..eu estivesse em uma espécie de transe, ou algo que fosse parecido. Eu já tinha ouvido os médicos do vilarejo falando sobre alguma coisa relacionada ao sono, em que não conseguíamos mover um músculo sequer mas conseguíamos ouvir e ver tudo o que acontecia a nossa volta, a diferença era que nem sequer enxergar eu estava conseguindo.

Passos..

Barulhos de folhas caindo..

Meus sentidos estavam apurados e eu conseguia ouvir tudo, mas aqueles passos...era como se eu tivesse uma capacidade de analisar de quem era, e não pertencia a ninguém do grupo. Não, eram passos lentos e despreocupados..mas estavam longes, então como seria possível eu os ouvir daqui?

Olhei para meu corpo deitado no chão como se fosse algo banal, até perceber que era realmente eu ali caída no chão adormecida, meu peito subindo e descendo lentamente devido a respiração mais tranquila que estava no momento. Como isso seria possível?

Estiquei minhas mãos em frente ao meu corpo, eu poderia ter de alguma forma morrido e não ter percebido? Não, não seria possível, eu mesma me vi respirando a menos de um minuto atrás. Eu não brilhava, como em algumas histórias que eu já li, era meu corpo normal mas como se eu estivesse em um outro plano astral. Eu conseguia ouvir e sentir tudo, eu sentia as folhas que caiam lentamente das árvores, e pairavam sobre o chão, aonde as formigas caminhavam prontas para mais um dia de suas vidas, eu ouvia a água, e sentia a turbulência da correnteza forte, como se correr fosse realmente necessário. A brisa que batia nos corpos de todas as pessoas, causando um ambiente agradável e disponibilizando um pouco de ar fresco. Eu sentia tudo, e aquilo era uma sensação definitivamente maravilhosa. Meu olhar focou nos guardas, alguns fazendo rondas ao redor da onde estávamos, outros sentados conversando. Aric e Artemys estavam em um canto com alguns, e a flor que eu tinha encontrado pairava agora ao lado do meu corpo adormecido, como se fosse eu a responsável para cuidar daquilo. Talvez se...

Um pensamento absurdo passou por minha mente, mas tudo aquilo já era estranho o suficiente. Me aproximei mais do meu corpo, tentando usar todo o meu foco para pegar a flor que estava ali, enquanto olhava ao redor apenas para garantir que ninguém estaria vendo uma flor flutuante sozinha. Eu não sabia o que fazer, mas sentia que no fundo eu me guiaria sozinha.

Comecei a andar, eu estava descalça mas não era como se as pedras afiadas machucassem meus pés, eu sentia que pertencia a tudo aquilo e nada de sua natureza poderia me machucar a menos que eu pedisse por aquilo. Eu estava segura, meu olhar se dirigiu ao céu ensolarado, palavras ressoavam em minha mente como se eu tivesse as escutado em algum momento. Alguém estava me protegendo, eu sentia isso, mas quem?

Adentrando a floresta, tudo parecia estar em sincronia comigo. Meus passos eram certeiros para onde eu estava indo, mas dessa vez tinha algo diferente. Era um caminho simples, mas em cada parte havia uma rosa vermelha parada em uma pedra, como se me ajudasse se o caminho que eu estava indo era o certo. Meu olhar focou em uma cabana na minha frente, e quando pisquei novamente o caminho atrás de mim já havia mudado completamente. Aquilo tudo era estranho, como um truque de mágica, e os mágicos nunca querem ser descobertos nisso. Virei a maçaneta e entrei na cabana, era a mesma em que a amiga ou conhecida da minha avó morava, a mesma cabana que eu estive há um tempo atrás. Meu olhar focou na senhora que estava parada em um canto da cozinha, completamente alheia ao meu aparecimento. Só era possível notar seus cabelos brancos que eram o destaque dela, e mesmo que eu não conseguisse ver, eu sempre me impressionava com o olho violeta da mulher.

— Olá. — Minha voz saiu quase como uma melodia, algo diferente do que eu estava a ouvir. A senhora se virou com uma expressão apavorada, quase como se visse um fantasma em sua frente, e eu realmente me sentia como um no momento.

— Como isso é possível..? — A voz dela saiu mais para si mesma do que para mim, encostada na pia da cozinha enquanto me olhava, uma de suas mãos parada sobre o peito, como se tivesse medo de que tudo aquilo fosse um delírio de sua imaginação. Eu estiquei a flor para a mesma, indicando que havia conseguido antes mesmo dos três dias que havia me dado, e agora eu poderia finalmente ter a ajuda que precisava.

— Nosso acordo. Eu consegui sua flor, agora eu preciso da minha ajuda. — Não havia espaço para conversas ali, para debater algo ou para que ela tentasse me enganar. A mulher já tinha visto do que eu era capaz, mesmo que nem eu conseguisse compreender a grandiosidade do poder que estava em meu domínio. Ela apenas pegou a flor e verificou, com seus lábios meio abertos e surpresa com aquilo, como se acreditasse que eu nao fosse conseguir no fim das contas. Um sorriso brotou em sua face, satisfeita que havia provado meu valor. Ela caminhou com um pouco de dificuldade para a sala, enquanto pegava um pergaminho que estava enrolado e recitava algumas palavras que pra mim eram desconhecidas.

— Natasha, ouça-me atentamente. Para desvendar o destino que te aguarda, deves atravessar os três reinos: ar, água e terra. Em cada um, uma semente esconde-se, mas somente enfrentando desafios provarás teu valor. No reino do ar, a tempestade testará tua coragem. Na água, a profundidade revelará tua resistência. E na terra, a montanha desafiará tua força. Quando as sementes estiverem em tuas mãos, terás que despertar cada reino. Só então compreenderás o verdadeiro propósito. Mas, Natasha, lembra-te que também deves despertar as memórias do teu passado, pois nelas reside a chave para compreender o que está em jogo. Enfrente teus medos, estou te dando um mapa que ajudará a lhe guiar para cada um desses reinos, e quando você chegar no último lugar, nenhum mapa será mais necessário, mas caso precise..alguém irá te ajudar e te guiar, tenho certeza disso.

A mulher entregou o pergaminho, que agora adquiria algumas linhas formando um mapa em minha mão, e em cada canto era possível notar o símbolo do elemento indicando que era ali onde iríamos para o reino, eu não fazia ideia se seria um portal ou algo do tipo, mas sabia que tínhamos muito caminho pela frente e não iríamos poder desistir já.

— E lembre-se, não desista. Você é mais forte do que acredita, dentro de você.. há muito mais.

Foram as últimas palavras dela antes que eu sentisse um puxão em minha alma, me levando de volta para meu corpo adormecido e deixando o mapa ao meu lado, aonde eu iria acordar após algumas horas e talvez me lembrar do que tinha acontecido.

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