CAPÍTULO 2 Perdidos e salvos

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 Desde minha insignificante chegada a este pequeno planeta perdido no espaço, eu venho levando uma vida simples nesta pacata cidadezinha, pequena demais para que todos os meus vizinhos estejam a par tanto a respeito das vidas uns dos outros quanto...

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 Desde minha insignificante chegada a este pequeno planeta perdido no espaço, eu venho levando uma vida simples nesta pacata cidadezinha, pequena demais para que todos os meus vizinhos estejam a par tanto a respeito das vidas uns dos outros quanto da minha¹, e grande o suficiente para caber tantas línguas compridas.

Tudo aqui é tão clichê que a cidade poderia se chamar "Clichêlandia", e para expressar minhas opiniões sobre ela com maior liberdade e sinceridade sem correr o risco de vir a ofender qualquer leitor que a habite e não compartilhe das mesmas impressões, é assim que irei retratá-la daqui em diante.

Na cidade de Clichêlandia existem apenas duas estações por ano: inverno e inferno, cerca de 20 mil habitantes, nenhum shopping-center (o mais próximo daqui fica a 57 km de distância, forçando-me a passar uma hora dentro de um ônibus sempre que quero ir ao cinema ou simplesmente vaguear dentro de um lugar com ar-condicionado observando coisas que não posso comprar) e toda sua população é basicamente dividida entre dois grupos: o dos "perdidos" e o dos "salvos".

[1] O que, contando que nunca faço nada de interessante, não é muita coisa. Nada melhor do que trollar seus vizinhos sendo a pessoa com a vida mais sem graça da cidade. Toma essa, vizinhos trouxas! Do que vão falar agora? HAHAHA! Não fosse por isso eu, COM TODA CERTEZA, estaria curtindo a vida adoidado...

 Os "perdidos"

É lamentável o modo como sobrevivem os "perdidos" adultos; sem ambições maiores para sua existência do que esperar pelas noites de sexta feira e, mais uma vez, entregarem-se ao antiquíssimo ritual de afogar suas desilusões ingerindo quantidades desmedidas de ilusão líquida engarrafada. São como máquinas movidas a cerveja; não demonstrando o menor interesse em outros meios de entretenimento, além, é claro, do ato de assistir aos jogos de futebol – quando retrocedem toda a evolução humana em milhões de anos ao emitir sons animalescos provavelmente muito semelhantes aos que os seus antepassados homens das cavernas deviam emitir após uma caçada bem sucedida.

Não esquecendo os "perdidos" mais jovens, facilmente identificáveis pela sua mais marcante característica: o acentuado orgulho que compartilham por se encaixarem no mais perfeito estereótipo. Autodenominados como "vida louca", tendem a ostentar a própria ignorância sendo que, em sua mentalidade míope, quanto mais burro alguém demonstra ser, mais "legal" ele parecerá. É como se, desde muito cedo, a crueza de suas realidades tivesse-lhes roubado algo de valor inestimável... Algo como um senso de dignidade ou a esperança de um futuro melhor. "A ignorância é um prato que se come cru."

Os "salvos"

Também conhecidos como fanáticos. Caso você faça o tipo cético² convicto e compartilhe do meu baixo nível de experiência social, precisa saber que ao cruzar com um "salvo" em seu caminho, sendo por ele pego numa inocente conversa, deve guardar PARA SI cada uma de suas ideias, resistindo a todo custo ao impulso de dizer o que realmente pensa sobre a religião que a pessoa em questão esteja seguindo ou mesmo sobre qualquer aspecto da existência em si. Acredite em mim, ainda que resista, os "salvos" serão persistentes em tentar arrancar a verdade de si; seu sensível escâner de fé sendo capaz de detectar o menor resquício de dúvida quanto ao nível de religiosidade em um ser humano, de modo que se suas habilidades persuasivas de blefe forem tão nulas quanto às minhas levando-o a ter a nulidade de sua fé desmascarada por um "salvo", a única coisa a fazer é correr e se proteger da melhor forma que puder; pois, aparentemente, o nível EXORBITANTE de fé que os "salvos" acreditam possuir não é autossuficiente, muitos deles tomando como ofensa pessoal qualquer oposição às suas crenças. Prepare-se para ser desprezado, ou, no mínimo, imediatamente rotulado como um integrante do grupo dos "perdidos". "O pensamento antiquado é um prato que se come estragado."

AlienadaOnde histórias criam vida. Descubra agora