CAPÍTULO 10 Um zero à esquerda!

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 Ao final da última semana de fevereiro, recebi a primeira carta de Tina, e só então lembrei que nem sequer havia tentado começar a minha

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 Ao final da última semana de fevereiro, recebi a primeira carta de Tina, e só então lembrei que nem sequer havia tentado começar a minha. Nós tínhamos combinado que trocar cartas seria uma forma divertida de nos comunicarmos; todo mês enviaríamos uma carta para a outra, e assim ao final de cada novo mês, teríamos algo bom pelo que esperar.

Em sua carta, Tina contava o quanto sua mãe estava feliz com o seu novo emprego, como a escola em que estava era boa, e como a nova cidade era limpa, bonita e agradável. Ao que parecia, tudo ia às mil maravilhas para ela, e eu, é claro, não poderia ter outra reação, a não ser a de me extasiar na mais empática euforia pelas boas novas que minha mais querida amiga compartilhava comigo com tanto entusiasmo. No entanto, dentre toda a pluralidade de pensamentos e sentimentos positivos, que, com toda a sinceridade do meu coração, eram-lhe dirigidos, uma persistente vozinha maquiavélica se destacava, insistindo em lembrar-me que era a Tina e NÃO EU, a primeira a ser afortunada com a oportunidade de se mudar para uma cidade melhor, infeccionando a minha mente com a irracional certeza de que eu jamais conseguiria seguir o seu exemplo.

Comecei a escrever minha carta em resposta, querendo transparecer menos possível, o péssimo estado de espírito no qual eu me encontrava, mas já na terceira linha, a minha mão pareceu ganhar vida própria ao regurgitar em forma de palavras escritas em péssima caligrafia, num grotesco desabafo, e sem emitir uma vírgula sequer, toda a frustação que eu mantivera entalada em minha garganta nos últimos episódios de minha vida desde a sua partida.

***

Março começou trazendo consigo uma lenta diluição de minhas esperanças de que tio Júlio e vô Luís fossem embora tão cedo, mas elas voltaram a sua forma concentrada no instante em que ouvi as seguintes palavras: "Já encontrei um lugar!"

Na cozinha, Valéria e eu tomávamos o café de fim de tarde, quando vô Luís chegou com a notícia; quase me engasguei com o queijo derretido no meu pão, enquanto minha mãe encarava Luís sem piscar.

"A casa ainda vai precisar de algumas reformas... Quem sabe o Paulo não possa me dar uma mãozinha?", declarou vô Luís com seu rotineiro entusiasmo. Meu queixo caiu; conhecendo meu pai e meu avô como eu conhecia, soube na hora que o efeito de colocá-los trabalhando juntos, equivalia a colocar bala Mentos dentro de uma garrafa de refrigerante...

"Mas isso não vai dar muito trabalho? Acho que posso te ajudar a encontrar uma casa que não precise de reforma!...", Valéria já começava a gaguejar também contrariada com tal ideia.

"Ora, não se preocupe com isso! Garanto que vai dar tudo certo!", bradou Luís então lançando-me uma piscadela.

Duas semanas depois, recebi mais uma carta de Tina. Estava, por incrível que pareça, sentada no asqueroso sofá da sala, prestes a abrir o envelope, quando uma rouca voz me interrompeu: "Jovens ainda recebem cartas? Acho que o mundo não está tão perdido quanto eu pensava...", brincou vô Luís impertinente como sempre.

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