CAPÍTULO 4 Reflexões melodramáticas de uma noite de réveillon

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Quão cruel é o destino reservado à humanidade: nascer submersa na mais ofuscante luz de sua própria inocência, só para testemunhá-la apagar-se pouco a pouco sob as sombras de todas as decepções sucedidas ao longo de seu curto tempo em vida

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Quão cruel é o destino reservado à humanidade: nascer submersa na mais ofuscante luz de sua própria inocência, só para testemunhá-la apagar-se pouco a pouco sob as sombras de todas as decepções sucedidas ao longo de seu curto tempo em vida.

Ah, a infância... A aurora da vida! O auge da existência humana. Quando a mente, ainda alheia à insuperável consciência de sua mortalidade – apenas uma ideia distante, praticamente impossível de ser concebida –, impulsiona o incólume espírito a liberdade da crença na beleza e magia de todas as coisas. Quando sonhamos os mais mirabolantes sonhos. Quando pular, gritar, correr, tropeçar, cair e recomeçar como se nada tivesse acontecido, é perfeitamente aceitável. E quando questionamos tudo ao nosso redor; tão insaciáveis em nossa sede pelo conhecimento, tão imprudentes em nossa imatura curiosidade, tão presunçosamente certos de que as respostas, assim que obtidas, serão satisfatórias, agradáveis, ou, ao menos, refletirão o menor átomo de sentido.

Tão breve instante de deslumbramento antes que nos descubramos vivendo num mundo onde o valor da infância se perdeu no tempo – se é que algum dia já existiu. Um lugar obscuro e doentio que segue sendo contaminado por perversidades sem limites à medida que a inocência torna-se cada vez menos popular. Onde crianças são, desde muito cedo, manipuladas a enxergar a infância, e tudo o que ela envolve, como sinônimo de inferioridade; chegando ao cúmulo de ridicularizarem uma adolescente só porque ela carrega uma mochila de pelúcia do Snoopy – não que isso já tenha acontecido comigo... Ok, ok, eu admito! Não precisa franzir os olhos desse jeito, senhor ceticismo!

Quão nostálgicas são as recordações dos tempos quando um pacote de bolachas e desenhos com fortes protagonistas femininos passando na tevê garantiam minha dose diária de alegria. Lembro-me perfeitamente bem da estranheza que os adultos me provocavam... Obseváva-os sem poder alcançar as razões por trás do seu absoluto estado de insatisfação e aborrecimento. Tive tanta certeza de que nunca me tornaria tão ranzinza quanto qualquer um deles, e veja como estou agora: nem cheguei a completar dezessete anos de idade e já sofro o mau humor de setenta e um...

Fazer o quê? É inevitável, não é mesmo? As colheradas de Biotômico Fontoura que nossas mães nos forçavam a engolir logo são substituídas pelas colheradas desse amargo xarope chamado "realidade" que a vida nos empurra goela abaixo, e, mais cedo do que imaginávamos, somos altos demais para receber afagos no topo de nossas cabeças. Devemos então cortar as asas de nossa imaginação e assistir em silêncio a fatal queda de cada um dos mágicos seres que tanto costumavam nos encantar – uma divindade como única exceção. É quando passamos a sofrer todo tipo de pressão externa para que sigamos "crescendo" quando, na verdade, só seguimos "diminuindo"; sufocando nossas emoções com o "travesseiro da dignidade social", até que enfim desistamos de nossos sonhos, iniciemos uma busca sem sentido pelo emprego mais rentável e constituamos uma família.

Ah, se eu pudesse ser como os verdadeiros sonhadores... Sim, os VERDADEIROS, porque de iludidos o mundo já está cheio. Toda essa gente que apenas sonha sem jamais agir! Não, não como os falsos sonhadores, são esses raros seres de espírito livre que, contrariamente ao senso comum, revelam-se como os cidadãos verdadeiramente maduros entre nós. Somente eles compreendem num nível mais profundo que a maturidade real consiste em nunca crescer. São almas superiores, espíritos iluminados que não perdem o seu brilho nem mesmo diante da mais cega escuridão alheia. Enquanto o mundo ri de suas atitudes apontando-os como loucos, eles respondem com gargalhadas ainda mais agudas. Ah, se eu também pudesse brilhar...

Mas não, não e NÃO! Não passo de uma sonhadora fajuta. Um raro e contraditório caso no qual a covardia de uma personalidade nula em atitude mescla-se a uma predisposição aos sonhos mais ambiciosos.

Protegida em minha zona de conforto, uma zona tão perturbadora e obscura quanto "The Twilight Zone", adaptei-me a viver alheia ao mundo real, aprisionada numa bolha existencial, agarrando com unhas e dentes cada um dos meus ideais, dia após dia, persistindo na difícil escolha de "desistir dos outros" para não "desistir de mim". Desde sempre, tão consciente dessa ser a única maneira de descobrir quem realmente sou sem ninguém tentando me convencer a seguir o rebanho... Sempre a esquivar-me da fúria alheia contra todos aqueles que são fiéis apenas a si mesmos...

Contudo, em dias como este, não posso deixar de me perguntar se, daqui a alguns anos, não terei minha alma fisgada pelo remorso – de todo esse tempo de vida não vivido plenamente – sendo enfim içada para além das profundezas de minha alienação. Também me pergunto se essa suposta obrigação adolescente em aproveitar a vida ao máximo não é tão ilusória quanto à ideia que tantos jovens compartilham sobre o quê de fato significa viver plenamente.

Se for pra eu curtir a vida precisa ser algo REAL!

É isso o que eu espero para o próximo ano: quebrar a máscara que oculta o meu verdadeiro eu – mesmo que o odeiem –, parar de evitar a todos e, enfim, viver "algo real".

Amanhã é o novo dia de um novo tempo, e, desta vez, vou fazer diferente! Serei a mudança que espero do mundo e, assim, minha vida também mudará... Eu mal posso esperar!

 Eu mal posso esperar!

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