CAPÍTULO 14 GAME ON

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 Nessa mesma noite às 21 horas, como de costume, já deitada em minha cama, eu perdia-me em pensamentos a equilibrar um lápis deitado no dorso do meu nariz (meus óculos de leitura a postos garantindo a segurança de meus olhos) fazendo-o "dançar" gi...

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 Nessa mesma noite às 21 horas, como de costume, já deitada em minha cama, eu perdia-me em pensamentos a equilibrar um lápis deitado no dorso do meu nariz (meus óculos de leitura a postos garantindo a segurança de meus olhos) fazendo-o "dançar" girando uma ponta de cada vez ao mover o meu nariz para a esquerda e para a direita como a bruxa Samantha na série "A Feiticeira" (o nível de ridículo que o tédio extremo pode fazer o comportamento humano chegar...), quando ocorreu-me que dois meses seguidos haviam se completado sem que Tina me enviasse sinal de vida.

A verdade a qual eu até então, totalmente em negação, tentava evitar, é que foi minha a vez de enviar uma carta em resposta à sua última. Nos meses anteriores, a cada nova carta de Tina, limitava-me a respondê-la de mal grado sem poupar tinta ao carregar minhas "cartas resposta" com todo o peso do meu derrotismo; bem no fundo, ainda nutrindo uma forte mágoa pelo equivocado sentimento de ter sido deixada para trás. Era óbvio que a Tina, mais cedo ou mais tarde, desistiria de se corresponder com a vampira psíquica que eu havia me tornado, e para evitar tal decepção imaginei-me rasgando a carta que já começava a escrever em pensamento.

Queria muito falar com a Tina pessoalmente. Pensei em ligar, mas simplesmente não conseguia vencer o meu orgulho. Comecei então a reler algumas de suas primeiras cartas; numa delas Tina mencionava ter criado uma conta no facebook convidando-me a fazer o mesmo.

Nunca tive interesse por redes sociais, ou redes infernais, como gosto de chamá-las, mas nesse momento a curiosidade falou mais alto obrigando-me a criar uma conta apenas para descobrir o que encontraria no perfil de minha amiga. Bastou achar seu nome para descobrir, por sua foto de perfil, o quanto ela havia mudado, e após uma rápida olhada na sua linha do tempo mal pude acreditar que estava no perfil certo.

Haviam várias fotos da Tina junto de seus novos amigos numa espécie de camping. Elas deslizavam pela tela do meu notebook enquanto eu lembrava de como Tina e eu costumávamos falar sobre um dia acamparmos juntas num lugar como esse. Nas mesmas fotos, ela sorria ao lado de adolescentes totalmente diferentes de mim. A própria Tina parecia uma nova pessoa, com seu cabelo alisado além de seu peso levemente reduzido... ela estava usando shorts! A Tina detestava shorts!

Agora era oficial. Eu havia perdido a minha amiga para sempre. Nunca mais voltaríamos a nos falar. Ela enfim seguira em frente na companhia de amizades muito melhores do que a minha e uma vida muito melhor do que eu tinha.

Mais tarde, quando finalmente peguei no sono, tive os pesadelos mais insanos. O único do qual ainda recordo foi um, perturbadoramente vívido, no qual eu era uma velhinha vivendo como o Samuel: sozinha e rodeada por gatos, só que diferentemente dele eu morava numa casa caindo aos pedaços, com paredes de madeira apodrecida enquanto os gatos eram tantos que subiam pelos móveis repletos de poeira e teias de aranha a rosnar uns para os outros loucamente. Apesar de tudo isso, a coisa mais estranha nesse sonho era a profunda angústia que eu sentia por estar sozinha, sabendo que logo morreria e ninguém se lamentaria disso. Ninguém sentiria a minha falta ou simplesmente guardaria qualquer boa lembrança de mim.

AlienadaOnde histórias criam vida. Descubra agora