CAPÍTULO 15 As caricaturas roubadas

32 7 60
                                    

 Assim como tantos filhos e filhas únicos, passei um considerável tempo de minha primeira infância a lidar com a solidão

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.

 Assim como tantos filhos e filhas únicos, passei um considerável tempo de minha primeira infância a lidar com a solidão. Sendo uma das poucas brincadeiras para uma criança que não era necessário companhia, desenhar era a minha forma favorita de passar o tempo. Valéria, na melhor das intenções, fazia os mais entusiásticos elogios a cada uma de minhas obras, sem notar o tédio a engolir-me como uma baleia azul... Até hoje, não sei dizer ao certo se nasci com tal dom, ou se fora a prática a verdadeira responsável por levar-me a desenvolvê-lo (provavelmente um pouco dos dois).

Sempre tive um etéreo fascínio em reproduzir expressivos rostos além de poder me entreter por horas a criar ideias de personagens para desenhos animados. Nesse último ano, descobri um novo interesse, fosse este de origem etérea ou profana, em criar caricaturas. Usando os alunos de minha classe como modelos (sem que estes soubessem, !), comecei pelos que se destacavam por sua personalidade e atitudes grotescas, distorcendo seus rostos na mesma proporção de asquerosidade que revelavam-se merecedores. Diverti-me tanto com a coisa toda que, quando dei por mim, já havia criado uma caricatura para cada um dos alunos em minha turma (além de uma para o professor Pedro, a única na qual a cabeça era menor do que o corpo...).

Novembro chegou com o tempo parecendo acelerar-se à medida que o final de meu último ano letivo se aproximava de modo que eu chegava na escola, a cada novo dia, um pouquinho mais em cima da hora para o primeiro sinal.

Numa quinta-feira, quando enfim cheguei um minuto atrasada para a primeira aula, fui, no instante em que adentrei a classe, surpreendida pela maioria esmagadora dos alunos de minha turma a encarar-me furiosamente; entre eles, poucas carinhas pasmadas levando um segundo a mais para finalmente mirar os seus indignados olhares na minha direção.

Estando certa de um grande mal-entendido estar acontecendo, num primeiro momento, não me permiti ser dominada pela sensação de ameaça. Minha negação sendo jogada ao chão junto comigo pelo empurrão de Daiane que, sem esperar eu me levantar, deu-se por rasgar uma folha de papel bem sobre a minha cabeça.

Reconheci então meus traços em alguns dos pedaços que catei do chão; amarguradamente constatando que aquilo tratava-se de uma cópia em xerox da caricatura que fiz da própria Daiane, enfatizando sua personalidade agressiva ao transformá-la numa espécie de híbrido humano-dragão, sem esquecer de pintar fogo avermelhado saindo se duas narinas. E desviando o meu olhar das narinas da Daiane Dragão para as narinas dilatadas da Daiane real, eu enfim entendi: em algum momento dentre as minhas últimas manhãs na escola, eu tivera a minha bolsa bisbilhotada...

Quão "extasiadas" Marcia e Carol não devem ter ficado ao descobrir o meu caderno de desenhos, e, numa de suas primeiras páginas, a caricatura que fiz das duas com os seus troncos conectados numa levemente perturbadora versão humana de "CatDog" (animação da Nickelodeon)?! Extasiadas o bastante para se acharem no direito de surrupiar meu caderno e revelar todo o seu conteúdo para toda a turma!

Minha bela assinatura presente em cada página servindo como prova incontestável de ser minha a responsabilidade pela existência de tais ilustrações (esse povo nunca ouviu falar em assinaturas forjadas?), mas não por sua exposição. Tais esboços JAMAIS viriam a público pela minha própria ação! Um pequeno, porém, importantíssimo detalhe que, por ora, ninguém manifestava a menor disposição em considerar.

AlienadaOnde histórias criam vida. Descubra agora