PROMESSA

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— Se quer mesmo partir ainda hoje, precisa se aprontar rápido. — A princesa se dirigiu até a maçaneta da porta. Melias a acompanhou. Hitori olhava de relance para ambos; era notável a falta de qualquer expressão em seus rostos. Os seus cargos exigiam a repressão de seus sentimentos, e o pequeno tinha noção disso, contudo não foi capaz de engolir a decisão de seu primo. Em seu primeiro ato de revolta, Hitori se deslocou até Melias em passos brutos, até que ficou de frente ao rapaz, impedindo-o de continuar o trajeto.

— Eu vou também, Melias! — Proclamou em voz alta, cruzando os seus braços quase que automaticamente.

— Me deixe passar. — Respondeu em tom seco.

— Só se me levar! — Forçou as sobrancelhas.

A tensão rapidamente tomou conta daquele pequeno espaço, Nicha não conseguiu deixar de reparar na postura ameaçadora de Melias, que se aproximou do pequeno Hitori em um passo.

— Você sabe o quanto é desesperador não ter ninguém! Estava lá! — Hitori também se aproximou — Acordar sozinho em um lugar onde no dia anterior tinham muitas pessoas! — Aumentou ainda mais o seu tom de voz ao mesmo tempo em que afundou a ponta de seu dedo indicador no ombro de Melias — Também passou por isso... então, por quê? — E então deixou sua voz hesitar — Por que temos que ficar sozinhos de novo? — até que a emoção presa em sua garganta o impediu de continuar. Não que precisasse, pois em resposta Melias abraçou-o com toda a força que pôde.

Nada mais precisou ser dito; aquele caloroso abraçou expôs tudo o que o pequeno imaginava de Melias em seu inconsciente. "Eu vou sozinho porque tenho medo de que possa se ferir, Hitori"

Não havia como Melias evitar a imensa preocupação que sentia por seu primo naquele momento. Se encontravam perdidos em uma densa neblina de dúvidas, medo e solidão, mas apesar disso, mesmo que estivessem separados, ainda seriam os guerreiros prezando pelo retorno de seu lar. O rapaz se isentou de qualquer discurso ou desabafo, pois tudo o que podia ser afirmado converteu-se no olhar que demonstrou a Hitori; suas pupilas trêmulas representavam a incerteza do que vinha pela frente, contudo mais do que isso diziam "sei que posso contar contigo".

Ergueu seu corpo novamente e seguiu adiante pelo corredor ao lado da princesa. Hitori os acompanhou com uma certa distância, pois ainda mantinha-se abalado pela partida de seu primo. Melias compreendia a imaturidade do garoto, portanto não procurou deixa-lo ainda mais chateado com toda aquela situação.

Três dias após a destruição de WaterHill, e ninguém senão os seus próprios aliados e guerreiros se preocupavam em entender o que de fato havia ocorrido. Abaixo dos degraus de pedras alaranjados pela intensa luz do pôr do sol, uma carroça de madeira robusta e coberta por uma espessa lona dourada e branca, a qual servia para proteger o veículo do sol escaldante, aguardava o homem que se responsabilizou em encontrar todas as respostas do infeliz incidente. O crepúsculo reluzia sobre as rodas de aço, juntamente às ferraduras dos serenos cavalos negros que aguardavam o sinal do condutor.

— Espero te ver em breve. — Com um sorriso convencido, Nicha se despediu de seu amigo e colega. O sentimento que predominava sobre ambos era a esperança de que tudo seria reestabelecido, e em seu próximo encontro tudo seria limitado somente a comemorações.

Já em partida, os cavalos marcharam pela avenida ladrilhada de Astarel rumo à saída principal do reino, as últimas luzes do dia criavam uma aura sobre os cabelos negros do rapaz, e Hitori, tomando pela angustia de ver o seu primo se distanciado pelo horizonte, desceu as escadas da entrada do castelo de maneira inconsequente e correu até sentir que Melias o escutaria.

— Melias, eu prometo me tornar mais forte! Da próxima vez que nos vermos, serei eu quem vai te proteger! — Hitori acenava de longe, por conta da movimentação desajeitada, as lágrimas saltavam dos olhos do garoto. Em contraste ao mau humor de anteriormente, o menino preenchia a sua despedida com o sorriso doce que sempre teve. Mesmo que não pudesse ver devido à distância, Melias olhou para trás de relance e respondeu com um sorriso de canto.

A silhueta do rapaz se misturou com as restantes do horizonte, até que não fosse mais possível distingui-lo. Hitori limpou o seu rosto com a manga do casaco, e, com soluços de choro e o rosto coberto pelo braço, prometeu para si mesmo que não se deixaria levar pela tristeza. Assim como o seu primo, precisava seguir em frente mesmo com todas as desavenças. Apesar de tudo, eles lutavam pelo mesmo objetivo, então Hitori não podia ficar para trás.

Alguns dias depois...

O pequeno abriu os seus olhos lentamente. Uma escrivaninha era a primeira visão que teve assim que acordou, a qual acima da mesma estava uma pequena escultura de um ancião vestido com um manto. O quarto estava preenchido por um delicioso cheiro de comida fresca, mesmo que de antemão não soubesse identificar com clareza de qual alimento se tratava, um intenso apetite era tudo o que o garoto conseguia sentir naquele momento, então, se ausentando de qualquer plano, levantou o seu tronco para se dirigir a origem do aroma, contudo, antes que pudesse efetivamente se levantar, a ponta de uma lâmina atravessou o travesseiro que antes estava deitado sobre. No meio tempo em que tentou entender o que havia acontecido, foi surpreendido com uma investida contra a cabeceira da cama.

— Você morrerá hoje, Hitori Mizuhikari, e não há ninguém que possa te proteger agora. — Nicha declarou em um frio tom de ameaça.

Alma BruxaOnde histórias criam vida. Descubra agora