Alma Bruxa

ARCANJOS

Alguns dias depois, no palácio de Astarel...

Dois homens trajados com sobretudo adentraram o quarto onde Nicha repousava. Em meio ao rosto coberto por faixas brancas, um olhar não tão receptivo vindo da princesa foi lançado contra eles. Ela os analisou dos pés à cabeça, e não demorou muito para concluir que nunca os tinha visto.

— Me perdoe entrar assim de repente,  vossa alteza. — Ainda próximo à porta fez uma reverência. A expressão calma do homem instigava Nicha profundamente. — Me chamo Miguel, sou um investigador da Guarda Continental. — ainda em pose, retirou de dentro das vestes um distintivo. — E este é o meu assistente Azazel.  — E então referiu-se com a mão para o homem ao seu lado, a qual também estava com o distintivo a mostra, mas com o olhar desviado para a janela.

— "Assistente" uma ova. —  Resmungou. Ao contrário de Miguel, não compartilhava de nenhuma calma ou neutralidade, sendo um homem bem expressivo para o seu cargo.

— Sei bem dos eventos que aconteceram, mas a Guarda Continental comparecer até Astarel é algo que eu não esperava. — Nicha encarava uma direção aleatória. — Vieram fazer perguntas? Então andem logo.

— Temo que não saiba exatamente, princesa. — Sem que fosse solicitado, Miguel pegou a cadeira próxima a escrivaninha e a posicionou na frente da cama. — Não viemos para cá porque simplesmente a torre do seu palácio explodiu... — disse em um tom irônico após se sentar.

— Viemos te alertar. — Azazel completou.

— Alertar? — A princesa alternava o olhar entre ambos de maneira confusa. — Prossigam, por favor.

— Enranc era uma figura desconhecida pelo continente, onde as únicas pessoas que tinham ciência de sua existência eram os membros da realeza de Astarel. Fora isso, ele era descrito como um antigo imperador destemido responsável por reconstruir o reino das cinzas. Estou correto, Nicha McQuaid? — Azazel deixou de apreciar a paisagem da janela para encarar a moça diretamente. A pergunta foi proposital para que seu parceiro prosseguisse.

— Infelizmente você não está, Azazel. — Miguel apontou sem que olhasse para ele. Nicha pareceu não compreender a afirmação. — Sacred também sabia exatamente quem estava no topo daquela torre. Melhor ainda: sabia sobre a enorme farsa que ele carregava. — Pousou seu antebraço sobre as costas da cadeira — Enranc manipulou todos os reis e rainhas deste reino, fazendo-os acreditar que sua morte traria destruição súbita a Astarel, mas há quatro dias atrás ele morreu, e... — deu de ombros. — ...nada aconteceu.

Nicha voltou a olhar para a parede à sua frente, pois não conseguia mais enfrentar os dois investigadores. Eles estavam certos, ela foi enganada esse tempo todo. Foi obrigada a fazer algo horrível em função de uma filosofia distorcida. Sentia que era uma das grandes culpadas por nunca questionar tais métodos.

— O que aconteceu exatamente naquele dia, princesa Nicha? — Azazel aproximou-se da cama enquanto fitava a moça profundamente. — Por que você matou o lorde de Astarel, mesmo sendo tão importante para o reino?

— Não fui eu. — A resposta calou ambos os homens por alguns segundos.

— Se não foi você, então quem foi? — Miguel indagou.

— Hitori... — a princesa recuou por um momento. Escondia o sofrimento em um olhar neutro para o teto. Antes de continuar, inspirou fundo e expirou de forma trêmula. — Era a criança que me foi dada a responsabilidade de cuidar. Ele apareceu de repente quando eu estava oferecendo a alma de uma criança para o lorde, e depois não me lembro de muita coisa.

— Quem lhe deu essa responsabilidade? — Miguel cortou a explicação de Nicha.

— Melias. Melias Mizukuroi, de WaterHill. — A resposta fez os dois homens se encararem.