ALMA RESPONSÁVEL

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- Nicha... - Foi tudo que o garoto conseguiu dizer. Sua respiração mal saía do corpo, as perguntas eram tantas que não havia sequer espaço para uma se pronunciar. A decepção era notável em seu rosto.

Nicha fechou os olhos, respirou levemente e adotou uma postura rígida, ignorando completamente o fato de Hitori estar ali. Caminhou calmamente na direção de Adrien, que se afastava em passos trêmulos. O medo incessante roubava o seu equilíbrio, fazendo-o tropeçar de costas. Já reconstruído, o soldado de vento fincou a lâmina da enorme espada contra o abdômen do pequeno antes que caísse completamente. Seu corpo seguiu deslizando lentamente pelo ferro frio enquanto ecoava o som da lâmina passeando pelos seus órgãos, e então finalmente alcançou a base da espada. Com suas últimas forças, olhou chocado para Hitori na esperança de receber alguma ajuda milagrosa, mas o garoto apenas encarou a horrível cena com a mesma expressão. Naquele instante não existia mais nada senão uma visão turva e inquieta implorando para que não fosse escurecida, mas que de nada adiantou. Suas mãos que antes faziam de tudo para tirar aquela espada do corpo perderam a força, seus ombros recaíram juntamente a sua cabeça, e finalmente o brilho de sua pupila cessou. Nicha retirou a máscara da lebre, e com uma assustadora calma a jogou no chão, pisoteando o objeto logo em seguida, que se dividiu em vários pedaços.

- Você conheceu duas de mim, Hitori. - Seguiu até o cadáver, mantendo o seu olhar fixo em uma direção. - E eu conheci apenas um de você. - Abaixou-se com um de seus joelhos e ficou frente a frente com Adrien.

Hitori cerrou seus olhos lacrimejados de desespero. Não ousou questionar a última frase da princesa. Apenas queria que aquilo tudo não estivesse acontecendo.

- Por favor, me diz que isso é só um treinamento surpresa. Por favor...

- Responsabilidades... Uma hora ou outra temos que acabar as enfrentando. - Encarou o teto do celeiro, e assim fechou seus olhos trêmulos. Nicha parecia se esforçar ao máximo para controlar suas emoções naquele momento. - Duas pessoas residem em nossos corpos; em todos existe aquele que segue os seus desejos, e aquele que segue as suas responsabilidades. - Abriu seus olhos de uma vez, e então os fitou novamente no corpo empalado pela espada. - Na maioria das vezes, essas duas partes estão em desacordo.

- Eu não entendo... - a confusão de Hitori tomou um novo rumo, e assim deu lugar ao desespero. Hitori virou-se para Nicha. - Não há explicação para isso! - Afirmou em fúria.

- Muitas vezes, o "eu" da responsabilidade precisa agir por um tempo, para que finalmente o "eu" dos desejos se manifeste. Não há como ter um sem o outro. Uma hora você saberá do que estou falando, Hitto. Uma hora suas responsabilidades estarão distantes do que você realmente quer, mas nada poderá fazer quanto a isso. - De seu manto retirou uma adaga, e com uma certa dificuldade removeu os olhos daquele corpo sem vida. - Está pronto. - Proclamou de forma inexpressiva.

- Os olhos são a janela da alma, de fato. - O frio vento da noite balançava a lamparina na mão de Richard, a pequena porta de vidro constantemente se chocava contra o metal enferrujado do item. O mordomo se aproximou do celeiro, e então o espaço onde os olhos de Adrien estavam começou a brilhar num tom azulado. O vazio da lamparina lentamente sugou aquele brilho para si, reluzindo de forma mais intensa a cada segundo, até que o mordomo a fechou. - Pobre Adrien. Espero que seu tormento satisfaça o Lorde Enranc. - Abaixou a cabeça em lástima.

Hitori testemunhava tudo aquilo convicto de que algo deveria ser feito, portanto roubou a lamparina da mão de Richard em uma investida surpresa e enfiou-se na densa plantação. Não fazia ideia de para onde estava indo, mas sequer preocupou-se em desenvolver pensamentos, pois tendo Nicha e Richard como oponentes até este ato seria perda de tempo. Correu ainda mais rapidamente quando escutou a movimentação de ambos, mas que não foi o suficiente. A lâmina fina como uma agulha viajou por todos os metros corridos, desfiando todo o trigo que estivesse em seu caminho, atingindo no fim o apoio da lamparina, expulsando-a das mãos do garoto, que com o susto tropeçou entre as plantas. Poucos segundos depois Nicha o alcançou.

Alma BruxaOnde histórias criam vida. Descubra agora