Era só eu descer a escadinha mequetrefe que separava a rua da linha que uma sensação boa já vinha. O barulho dos carros e da falação urbana ficava pra trás quase instantaneamente. Era quase mágica.
Olhei para os lados e só avistei aquela estrada de ferro calma e ociosa rumando para o infinito. Respirei fundo, sentindo o ar frio encher meus pulmões me equilíbrio em um dos trilhos e fui caminhando e balancando rumo a minha casa.
Ah! O silêncio! Existe coisa mais gostosa do que andar sem ouvir nada além do vento, dos pássaros e dos meus tênis espalhando as pedrinhas?
Era na linha que eu conseguia me desligar do mundo e pensar na vida.
Eu usava aquele atalho a anos e nunca me cansava, a linha passava bem atrás da minha casa, de modo que fiz até uns apoios no meu muro pra nem precisar passar pela minha rua quando chegava. Era uma rua bem feinha e sem ninguém interessante também, então eu não perdia nada com isso.
Cidade pequena tinha suas vantagens, onde que em São Paulo ou no Rio eu ia poder andar numa linha de trem sem medo de ser roubado!
Foi pensar no Rio que lembrei do Cauã, o carioca delicinha que eu estava paquerando por um app. Aquela carinha de surfista e aquele jeito mandão que me pirava...
Dei um risinho e ajeitei a piroca que começou a ganhar vida dentro da calça. As vezes eu ficava viajando em sacanagens. Eu tinha lido em algum lugar que eu tava na idade da putaria.
E devia estar mesmo! Era só eu ver um rapaz que minha imaginação viajava. Nem importava muito se era bonito ou não, já ia imaginando como ele devia ser pelado, ou sem camisa, ou só de cueca. Como seria se eu chegasse nele ou se ele me olhasse e mandasse eu ajoelhar ali na rua na frente de todo mundo e...
Para Gael!!! Aqui não é lugar de ficar duro!! Depois tu chega em casa e pensa nessas coisas dentro do banheiro!
Ajeitei de novo a piroca, que já estava a todo vapor agora.
É claro que se alguém me mandasse ajoelhar na rua pra fazer um oral eu não ia aceitar... Eu acho... Mas só de imaginar alguma me mandando fazer isso...
Eu tenho meio que uma tara por gente mandona. Os vídeos que eu vejo e os papos que eu tenho nos aplicativos sempre tem esse tema circulando. Mas só virtualmente claro, no dia a dia eu sou bem ... Normal seria a palavra? Comum? Pelo menos não acho que teria coragem de ser pau mandado de ninguém.
Na verdade eu não tinha coragem pra muita coisa, nunca fui de ter muitos amigos, sempre achei difícil me expressar, principalmente com homens, me dá uma timidez e um medo de falar bobagem e ser zoado.
Por isso eu gostava tanto da minha vidinha virtual. Lá eu podia falar o que eu quisesse, zoar e me expressar sem medo de ser zoado. E se isso acontecesse é só bloquear o babaca e pronto.
Um cheiro meio amargo de mato me tirou dos meus devaneios e enfim reparei neles.
Eram quatro rapazes, todos da minha idade ou um pouco mais velhos que eu. Eles estavam sentados numa das plataformas que ficavam entre os trilhos. Bem antes de eu nascer ainda passavam trens com passageiros e eles usavam essas plataformas para embarcar. Hoje em dia elas não serviam pra nada.
Eu estava a uns 6 metros deles já, não sei como não tinha ouvido a conversa ou visto eles. Esse era meu problema, eu entrava em modo avião quando estava na linha.
Os quatro estavam conversando baixinho e não pareciam ter me notado também. 2 deles estavam com um uniforme de um colégio que ficava perto do meu, um outro estava de roupa normal.
O cheiro de mato queimado vinha do baseado que o ultimo cara segurava. Meus olhos foram do baseado para seu braço e do seu braço para seu corpo.
Ele vestia um uniforme surrado de algum time que eu não conhecia. Ele era o único sentado contra uma pilastra, usava aqueles shorts curtos e soltos de futebol, as pernas bem abertas puxava o short ainda mais pra cima. Que perna!!
Ele parecia ser o mais velho deles. Meio que dava pra sentir que ele era o manda chuva ali do grupinho. Tinha um carão de largado com a barba por fazer e tinha aquela expressão de malicioso entediado que a maconha dava para algumas pessoas.
De repente ele notou minha presença e nossos olhos se encontraram.
Abaixei a cabeça rápido e pisei em falso. Meu pé escorregou na lateral do trilho e o barulho das pedrinhas nunca foi tão alto. Percebi que eles se calaram mas não quis levantar os olhos novamente. Merda! Meu rosto esquentou na hora. Segurei minha mochila e segui.
Sabe aquela sensação chata de passar por alguém e sentir que a pessoa tá te olhando? Soma essa sensação com o medo de apanhar ou de ouvir um xingamento, não que houvesse motivo pra isso mas eu já conhecia muito bem o pensamento distorcido de machinhos alfas que gostam de se mostrar superior quando estão com os amigos. Então não tinha como não ficar tenso.
Estávamos separados por dois trilhos , cerca de 10 metros talvez, que podia ser transposto com uma corrida rápida se eles quisessem. Quando passei na reta deles não consegui aguentar a tensão e olhei rapidamente na direção deles. Eles me encaravam, sem muita expressão pra ser honesto. O do baseado soltou um assobio baixo em forma de cumprimento.
- Fala, playboy... - ele disse, também de forma natural, cumprimentando.
Voz grossa, malandra.
- Oi - gaguejei, sem nunca parar - boa tarde.
- Boa. - ele respondeu e deu um trago no baseado.
E foi isso. Logo ouvi ele voltando a conversar com os outros 3 e eu segui bem mais aliviado. Bobeira já esperar o pior nessas situações né?
Cara boa a dele. Cara de mandão. Uma adrenalina gostosa ainda corria pelo meu corpo. Qual será a cor da cueca dele? Será que ele estava de cueca?
"Fala, playboy" ouvi sua voz novamente na minha cabeça "bora chupar meu pau?"
E na minha loucura eu me via indo até eles e mamando o cara na hora, enquanto eles continuavam fumando o baseado de boa.
Na minha cabeça nem de cueca ele estava.
Avistei o muro da minha casa minutos depois, suspirei feliz de ter chegado e triste de ter que sair do meu refúgio pra encarar a vida real. E mesmo a noite, depois de ter feito minhas tarefas, assistido uns vídeos, tocado uma e deitado pra dormir, aquele cara ficava surgindo na minha mente.
"Fala, playboy..."
Por que ele tinha me impressionado tanto?
***
VOCÊ ESTÁ LENDO
Andando na linha (gay)
RastgeleGael sempre ia e voltava da aula por um atalho que ele adorava, a linha de trem. Lá ele conseguia se isolar e pensar na sua vida sem medo ou interrupções. A linha era seu refúgio, seu santuário. Em uma dessas caminhadas ele conhece Peterson e seus...