Cena 9

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Alexandria. Um quarto no palácio. Entram Antônio e criados.

ANTÔNIO — Alto! A terra não quer que eu pise nela; tem vergonha de mim. Amigos, vinde! De tal modo atrasei-me neste mundo, que para sempre me desviei da estrada. Tenho um navio carregado de ouro. Ficai com ele e dividi-o; as pazes fazei com César.

CRIADOS — Como! Nós, fugirmos?

ANTÔNIO — Eu não fugi? Não ensinei aos fracos de que modo correr e virar costas? Amigos, ide; entrei por um caminho que de vós não precisa. Abandonai-me. No porto se acha o meu tesouro; é vosso. Oh! fui no encalço do que neste instante me faz ficar corado só de olhá-lo. Revolta sinto até nestes cabelos, pois os brancos acusam de imprudência aos pretos, assacando estes àqueles só medo e presunção. Amigos, ide. Vou escrever a alguns amigos para que a estrada vos aplanem. Por obséquio, não fiqueis tristes, nem me deis respostas a contragosto. Aproveitai o aceno que vos dirijo em tanto desespero. Abandonai quem a si mesmo deixa. Ide diretamente para a praia, lá vos entregarei o barco e o ouro. Deixai-me alguns instantes, por obséquio. Fazei isso, vos peço, que, em verdade, ordens já não sei dar. Por isso, peço. Dentro de pouco havemos de rever-nos.

(Senta-se.)

(Entra Cleópatra conduzida por Charmian e Iras; Eros a segue.)

EROS — Senhora, ide falar-lhe, consolai-o.

IRAS — Sim, fazei isso, cara soberana.

CHARMIAN — Fazei, fazei! Que mais?

CLEÓPATRA — Quero sentar-me. Oh, Juno!

ANTÔNIO — Não, não, não, não!

EROS — Senhor, não a estais vendo?

ANTÔNIO — Oral Ora!

CHARMIAN — Senhora!

IRAS — Minha senhora! Boa soberana!

EROS — Senhor! Senhor!

ANTÔNIO — É certo, meu senhor. Ele, em Filipos levava a espada como um dançarino. enquanto eu abatia o magro Cássio e liquidava o tresloucado Bruto. Tudo o que ele fazia era por meio dos tenentes, sem ter nenhuma prática dos destemidos esquadrões da guerra. No entanto, agora... Pouco importa.

CLEÓPATRA — Ah! Fica!

EROS — É a rainha, senhor: a soberana.

IRAS — Senhora, ide falar-lhe. Ele está fora de si, inteiramente, de vergonha.

CLEÓPATRA — Pois que seja. Amparai-me. Oh!

EROS — Muito nobre senhor, eis a rainha. Levantai-vos. A cabeça pendida, a morte dela se amparará, se não lhe fordes logo levar algum consolo.

ANTÔNIO — Ofendi minha glória enormemente. Um desvio, privado de nobreza.

EROS — A rainha, senhor.

ANTÔNIO — Para onde, Egito, me conduziste? Vê como eu afasto de tua vista meu imenso opróbrio, olhando para trás de mim e vendo quanto ficou em ruína e desonrado.

CLEÓPATRA — Ó meu senhor, perdoai as minhas velas medrosas, em excesso. Não pensava que podíeis seguir-me.

ANTÔNIO — Tu sabias perfeitamente, Egito, que em teu leme com fio atado o coração eu tinha, e que me levarias arrastado. Tinhas consciência da supremacia que sobre mim exerces e que a um simples aceno teu eu infringira as ordens dos próprios deuses.

CLEÓPATRA — Oh! perdão!

ANTÔNIO — Agora será preciso que a esse moço eu mande proposições humildes, que me valha de fingimentos e desvios longos, de traças vergonhosas, eu, que tinha meio mundo nas mãos, como brinquedo, e carreiras fazia e desfazia. Sabias muito bem quanto me tinhas sob teu domínio, e que esta minha espada tornada fraca pelo amor, só a este, em qualquer circunstância, obedecera.

CLEÓPATRA — Perdão! Perdão!

ANTÔNIO — Não, não chores. Só uma dessas lágrimas vale mais do que tudo que eu perdesse. Dá-me um beijo; já estou com isto pago. Mandamos nosso preceptor falar-lhe. Já retornou? Amor, sinto-me agora como se fosse chumbo! — Tragam vinho! Aí! Tragam comida! — Sabe a sorte que quanto mais apanho mais sou forte.

(Saem.)



Antônio e Cleópatra (1607)Onde histórias criam vida. Descubra agora