Cena 2

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O mesmo. O túmulo. Entram, em cima, Cleópatra, Charmian e Iras.

CLEÓPATRA — O próprio desespero me inicia numa vida melhor. É pouca coisa ser tão-somente César. Ele julga-se a Fortuna, mas é o seu lacaio, subserviente a seus gestos. É grandioso realizar o que a tudo põe remate, no caso põe grilhões, tranca as mudanças, faz dormir, sem jamais provar da lama de que o mendigo e César se alimentam.

(Entram, em baixa, Proculeio, Galo e soldados.)

PROCULEIO — À rainha do Egito envia César muitos saudares e te pede veres que pedido razoável ele pode satisfazer-te agora.

CLEÓPATRA — Qual teu nome?

PROCULEIO — Chamo-me Proculeio.

CLEÓPATRA — Já me tinha de vós falado Antônio, aconselhando-me a ter confiança em vós. Mas não se importa de poder ser burlada quem proveito nenhum tirar deseja da confiança. Se quer vosso amo que como mendiga lhe fale uma rainha, declarai-lhe que a majestade, para ser coerente, não pode menos de pedir-lhe um reino. Se ele quiser dar a meu filho o Egito conquistado, ter-me-á, assim, dado tanto do que é meu mesmo, que hei de, agradecida, ajoelhar-me a seus pés.

PROCULEIO — Ficai tranquila. Nada temais; estais na mão de um príncipe. Ao meu senhor vos entregai confiante, pois sua graça é tanta que se estende a todos os que dela necessitam. Permiti que lhe conte o modo brando por que vos submeteis, e vereis que ele, qual vencedor, prefere a complacência, sempre que apelo é feito à sua graça.

CLEÓPATRA — Comunicai-lhe, por favor, que serva sou de sua fortuna, e que lhe envio a grandeza por ele conquistada. A cada hora que passa, aprendo as regras da obediência e, de grado, neste instante de frente o contemplara.

PROCULEIO — Excelsa dama, vou dizer-lhe isso mesmo. Ficai calma, pois sei que vossa condição comove quem foi seu causador.

GALO — Bem vedes como é fácil surpreendê-la. (Proculeio e dois guardas sobem para o monumento por uma escada, por trás de Cleópatra. Outros guardas tiram as trancas dos portões, patenteando o compartimento inferior do monumento.) Guardai-a bem, até que César chegue. (Sai.)

IRAS — Real rainha!

CHARMIAN — Cleópatra, princesa, estás presa!

CLEÓPATRA — Depressa, mãos bondosas! (Saca de um punhal.)

PROCULEIO — Parai, parai, dígna senhora! Calma! (Segura-a e desarma-a.) Não façais a vós própria essa injustiça. Amparada aqui fostes, não traída.

CLEÓPATRA — Até mesmo da morte que liberta da peste nossos cães?

PROCULEIO — Cleópatra, sede prudente, não deixando assim frustrada a generosidade de meu amo, com vos fazerdes ora essa violência. Possa o mundo admirar sua nobreza, que, com vosso trespasse, ficaria para sempre abafada.

CLEÓPATRA — Onde estás, morte? Vem aqui; vem depressa apoderar-te de uma rainha que, por certo, vale bem um monte de crianças e mendigos.

PROCULEIO — Moderação, senhora.

CLEÓPATRA — De ora em diante não comerei, senhor, nem beberei. E se preciso for falar à toa, não dormirei também. Em ruínas hei de deixar a mortal casa. Faça César o que puder. Ficai, senhor, sabendo que amarrada jamais hei de deixar-me mostrar na corte de vosso alto mestre, nem castigada pelo olhar tranquilo daquela Otávia estúpida. Teria de ser içada e, assim, ficar exposta à gritante ralé da altiva Roma? Antes achar amena sepultura numa vala do Egito; antes na lama do Nilo me postai, de todo nua, para que em monstro as moscas me transformem; antes forca fazerem das pirâmides altas de minha terra, para delas ficar dependurada por cadeias.

Antônio e Cleópatra (1607)Onde histórias criam vida. Descubra agora