O mesmo. Um túmulo. Em cima entra Cleópatra com seu séquito, Charmian e Iras.
CLEÓPATRA — Oh Charmian! Nunca mais sairei daqui.
CHARMIAN — Consolai-vos, embora.
CLEÓPATRA — Não, não quero. Será bem-vindo quanto for terrível e extraordinário. Desprezamos toda palavra de consolo. Nossa forma de tristeza, medida por sua causa, terá de ser proporcionada sempre com o que a fez nascer. (Entra, em baixo, Diomedes.) Então! Morreu?
DIOMEDES — Paira sobre ele a morte, mas ainda não está morto. Olhai para o outro lado do vosso monumento; os guardas dele o trazem para aqui.
(Entra, em baixo, Antônio, carregado pelos guardas.)
CLEÓPATRA — Ó sol, abrasa a grande esfera em que te moves, deixa sem luz a estrela deste mundo vário! Oh Antônio, Antônio, Antônio! Acode, Charmian! Iras, acode! Amigos aí de baixo, ajudai a trazê-lo para cima.
ANTÔNIO — Silêncio! Não foi César e sua força que derrubou Antônio, mas Antônio de si próprio triunfou.
CLEÓPATRA — Assim devia, realmente, acontecer. Somente Antônio conquistaria Antônio. Mas é lástima que tal se desse.
ANTÔNIO — Morro, Egito; morro. Só por um pouco aqui detenho a morte, até que eu possa, de um milhão de beijos, dar-te nos lábios o último, o mais pobre.
CLEÓPATRA — A descer não me atrevo, meu querido — Oh meu senhor, perdão! — Não, não me atrevo, com medo de ser presa. No cortejo do sobremodo afortunado César jamais virei a ser qualquer enfeite. Se as facas, as serpentes e os venenos tiverem corte, acóleo ou eleito certo, salva estarei. Vossa consorte Otávia, com seu gesto tranquilo e olhos modestos não vai enaltecer-se, contemplando-me e torcendo o nariz. Mas vem, Antônio! Mulheres, ajudai-me! Precisamos pô-lo aqui em cima. Vinde, bons amigos.
ANTÔNIO — Depressa, se não morro.
CLEÓPATRA — Que exercício! Como pesais, senhor! A nossa força mudou-se em pesadume, contribuindo para aumentar o peso. Se eu tivesse todo o poder da majestosa Juno, a resistência de Mercúrio alado, iria levantar-te, colocando-te lado a lado de Jove. Vem um pouco. Quem faz votos é tola. Vem, vem, vem! (Colocam Antônio no alto, ao lado de Cleópatra.) Sê bem-vindo, bem-vindo. Vem o espírito exalar justamente onde viveste. Reanima-te com beijos; se meus lábios tivessem tal poder, eu os gastara.
TODOS — Oh! que triste espetáculo!
ANTÔNIO — Estou morrendo, Egito; estou morrendo. Dá-me um pouco de vinho, porque possa falar ainda um pouco.
CLEÓPATRA — Não, eu falo; e em voz tão alta farei minhas queixas, que a senhora Fortuna, sempre falsa, a roda quebrará, de enraivecida, pelo que lhe disser.
ANTÔNIO — Uma palavra, doce rainha: segurança e honra procura junto a César.
CLEÓPATRA — Nunca juntas andam as duas.
ANTÔNIO — Ouve-me, querida: dos que circundam César, não confies senão em Proculejo.
CLEÓPATRA — Só confio nas minhas mãos, no brio muito próprio; em ninguém junto a César.
ANTÔNIO — Não choreis a mudança lastimosa que em meu fim se observou; não seja causa de vos entristecerdes; mas de minha sorte anterior alimentai o espírito, quando eu era o maior senhor do mundo, o de maior nobreza, que nesta hora não morre baixamente. Não com medo ao meu patrício entrego o capacete; por um romano foi heroicamente dominado um romano. Meu espírito já me abandona. Mais, não me é possível.
CLEÓPATRA — Oh! Vais morrer, criatura nobilíssima? De mim não fazes caso? É então preciso que eu permaneça neste mundo estúpido que, privado de ti, valerá tanto como simples cocheira? Oh! vede, vede, mulheres, o que passa. (Antônio morre.) Derreteu-se a coroa da terra. Meu Senhor! Murcha a grinalda dos combates se acha; o estandarte caiu. No mesmo nível dos homens estão moços e meninas; planificou-se tudo, não ficando na terra nada mais que se destaque nas visitas da lua. (Desmaia.)
CHARMIAN — Calma, calma, minha senhora.
IRAS — Nossa soberana também morreu.
CHARMIAN — Senhora!
IRAS — Olá, princesa!
CHARMIAN — Oh princesa! princesa!
IRAS — Real Egito! Imperatriz!
CHARMIAN — Calma, Iras; fica quieta.
CLEÓPATRA — Agora sou uma mulher apenas, por paixões dominadas, como criada do estábulo, ocupada em vis misteres. Jogar agora me cumpria o cetro nos deuses maliciosos e dizer-lhes que nosso mundo igual ao deles era enquanto eles privado não nos tinham de nossa jóia rara. Tudo é nada. A paciência é estúpida; a impaciência só fica bem para um cachorro louco. Será crime correr para a secreta casa da morte sem chamados sermos? Mulheres, que fazeis? Vamos? Coragem! Charmian, que é isso? Nobres raparigas... Ah! meninas, meninas! Vede: nossa lâmpada se apagou; estava exausta. Coragem, bons amigos. Vamos logo cuidar da morte dele. Após, nos resta fazer o que for nobre e muito ousado, segundo a moda altíssima de Roma, porque de nós possa orgulhar-se a morte. Vamos embora. Já está frio o invólucro deste espírito nobre. Ó minhas caras, vamos embora, vamos! Só nos resta, depois disto, um auxílio sempre à mão: um fim rápido e pronta decisão.
(Saem carregando o corpo de Antônio.)