Se tinha uma coisa na qual Aisha se considerava boa era em ignorar pessoas. Homens, mais especificamente, mas havia uma certa pedra em seu sapato de luxo: Luke Davis. Ele não havia tentado puxar assunto com ela na primeira semana de aula, nem se aproximar forçadamente, mas ele simplesmente parecia estar em todos os lugares que ela ia e isso a sufocava.
Na terça ela precisou se sentar ao lado dele graças a um pequeno “contratempo” que ela tivera com Dean que a fizera se atrasar. Na quarta, foram sorteados e precisaram ser uma dupla na aula de educação física. Na quinta ela chegou na mesma hora que ele e descobriu que eram vizinhos de armário. Na sexta feira, Abigail o escolheu para acompanha-la durante a escolha das eletivas que participariam durante o semestre.
Então ela simplesmente se cansou disso e começou a fugir dele descaradamente pelas três semanas que se seguiram.
– Aisha, precisamos conversar. – Luke correu atrás dela pelos corredores da escola. O barulho de seus saltos tocando o chão podia ser ouvido de longe e foi assim que de alguma forma ele fora avisado que ela finalmente havia chegado na escola.
De todas as coisas que ela vinha fazendo para se manter distante, ter pago 50 dólares para um dos alunos do primeiro ano trocar de armário fora a gota d’agua para ele que tinha escolhido ficar afastado e não falar no assunto boate com ninguém, nem mesmo com Aisha se ela quisesse. Ele não queria se magoar, nem criar falsas expectativas já que com apenas alguns segundos de interação, para ele ficara claro que Aisha não queria se aproximar e que o que havia rolado tinha sido apenas um quase-sexo-causal.
– Não tenho nada para conversar com você, David...
Fingir que não lembrava seu nome era o cúmulo.
– Davis, Luke Davis. Eu te disse meu nome no dia em que nos conhecemos e você me chamou pelo meu sobrenome no primeiro dia de aula. Não acredito que tenha esquecido.
– Pra você ver o quão irrelevante é na minha vida. – Ela fazia questão de ostentar um sorriso irônico que poderia o tirar do sério se ela não fosse quem era. A dona dos seus pensamentos nas últimas semanas.
– Não acho que eu seja tão irrelevante assim, acho que você lembra muito bem do que aconteceu naquela noite.
Então ele se colocou em sua frente para que ela parasse de fugir e quando finalmente parou de bater os saltos no piso, ele se aproximou e ficou a dois passos dela. Não sabia de onde estava tirando tanta coragem para um confronto tão direto.
O corredor parecia estar quase vazio e mesmo assim ela evitava a todo custo manter um contato visual sem parecer estar debochando dele. Sua indiferença parecia uma rocha inquebrável.
– Não sei do que está falando, Davis.
Sua voz soava numa frieza sem igual. Estava realmente intencionada a tirá-lo do sério e sua postura prepotente não se abalava de jeito nenhum.
– Realmente não lembra?
– A única coisa que está fresca na minha memória agora é que faltam cinco minutos para aula começar. – Os corredores já estavam completamente vazios mas Luke genuinamente não se importava mais com o horário, só queria tirar logo as suas dúvidas.
– Por favor, me dê só mais um minuto para te fazer uma pergunta. – Aisha assentiu já sem paciência, querendo se livrar rapidamente dele – Porque você me beijou naquele dia e agora decidiu ignorar minha existência?
Ao entender rapidamente o que havia por trás dessa pergunta, ela sorriu triunfante.
– Não me diga que se apaixonou, bebê – disse e voltou a caminhar.
– Quer dizer que você lembra, afinal. – Luke voltou a estar na sua frente e novamente diminui a distância entre eles, sentindo uma vontade avassaladora de a beijar e faze-la lembrar de tudo já que aparentemente tinha ficado sem palavras.
Vinte centímetros de distância.
Depois dez centímetros.
Cinco centímetros e a única coisa que faltava era uma iniciativa.
O corpo dele confiava que viria dela, assim como foi na boate mas Aisha permanecia estática. Resistia fortemente ao misto de sentimentos que aquela situação estava proporcionando para ambos.
– Andrews e Davis! – a diretora Miller grita no fim do corredor – O sinal tocou a quinze minutos, espero que tenham uma boa justificativa para estarem aí parados.
– Claro, senhora Miller – Aisha se apressou em dizer – Eu e meu colega estávamos debatendo sobre um livro que estamos lendo para a aula de literatura e ele acabou de mencionar sobre as atividades extra curriculares. É verdade que existe um coral aqui e que todos tem aulas para aperfeiçoamento de voz? – Aisha mentia de forma excepcional graças a sua família, tinha interesse em aulas de música mas não pensava em tê-las na escola, preferia o conforto da sua casa mas foi a primeira desculpa em que pensou.
– Claro que sim, senhorita. Inclusive, todos os alunos podem escolher um instrumento para aprender a tocar, cortesia do seu pai no aniversário de cinquenta anos da escola. – Seu pai. Bastou Abigail falar isso para relembrar a Luke que ela era filha de um homem poderoso e diante da mídia, generoso. – Agora vão para a sala, se a senhorita Gilbert perguntar, podem dizer que estavam comigo. – Abigail Miller saiu contente caminhando pelo corredor. O dinheiro fazia milagres com essa mulher.
Aisha não esperou que ele dissesse nada e foi apressada para sala, sabia que se tivesse problemas em tão pouco tempo, arcaria com consequências inimagináveis. Se antes Luke já era ignorado, agora seria muito mais, não atrapalharia seu futuro brilhante por um nerd bobinho.
– Alguma coisa em você é real?
Luke perguntou antes dela entrar, havia se espantado um pouco com a facilidade que ela tinha em mentir, primeiro – fazendo-se de desentendida – para ele e depois para a diretora. Aisha optou por responde-lo com um olhar fuzilante e entrar.
Ele mais uma vez se arrependia de dizer uma coisa no mesmo instante. Sabia que não tinha o direito de ter perguntado isso como se a conhecesse bem. Ainda mais quando haviam se conhecido a algumas semanas e mal trocaram algumas palavras, só que havia algo dentro dele que o dizia que ela não era flor que se cheire, que deveria ficar atento. O problema é que o cheiro dela era como uma droga e ele estava viciado.
Mais uma vez alguém tinha criado expectativas em cima de Aisha. Ela literalmente fez o que todos os caras brancos e hétero-escrotos do time costumavam fazer e achar engraçado, fez similar ao que fizeram com ela quando mais nova. O problema era que não tinha essa intensão com Luke, de fugir, a princípio. Quando se aproximou e puxou assunto, ele foi só mais um. Ela não transava com nerds bobinhos mas quase fez isso porque de alguma forma, aquele garoto tinha parecido ser diferente dos outros. Pareceu ingênuo, genuíno e isso a despertou não só curiosidade de como ele se portaria em uma situação mais quente como sentiu sua autoestima ser elevada.
Estava acostumada a ter homens e mulheres a venerando, pedindo chances e oportunidades com para satisfaze-la, mas ele realmente havia agido como se ela fosse especial, mesmo em pouco tempo juntos. Isso a assustava.
A verdade é que conexões, sentimentos e perspectivas de relacionamentos não faziam parte de sua vida nos últimos anos. O único que chegava perto de um tipo de “namoro” com ela era Dean, mas não haviam sentimentos, não existia exclusividade, eram apenas corpos pedindo alívio.
Aisha jamais assumiria, mas estava ciente que Luke havia despertado algo dentro dela e a única coisa que queria era fugir disso.
Por outro lado, ele havia desejado viver um amor como o de seus pais até descobrir a farsa do divórcio e logo em seguida se frustrou ao perceber que as expectativas que havia criado em cima da garota misteriosa tinham caído por terra. Era ainda mais bonita pessoalmente, se demonstrava inteligente naquelas primeiras semanas de aulas, ou melhor dizendo, havia demonstrado ser brilhante e estar mais avançada que todos os outros alunos da turma, era demais para ele nesses aspectos mas a personalidade e o caráter que demonstrara ter... o assustavam.
Talvez seja o divórcio maluco dos seus pais, a falta de explicações que eles têm pra o fim de algo tão sólido quanto o casamento deles e a esperança de viver algo assim que puxaram seu tapete junto com todas as expectativas. Então ele optara por se manter longe embora naqueles dias o destino vinha empurrando ambos para o mesmo caminho.
– Parabéns pelo atraso, senhorita Andrews. – Miranda Gilbert disse ao vê-los entrarem na sala depois, mas pareceu se focar apenas na primeira – Não pense que esta escola vai aceitar seus deslizes assim como a antiga. Você não está mais em Manhattan e eu não vou ser intimidada a facilitar sua vida devido a sua conta bancária. Esta é a última vez que você se atrasa para uma aula minha, da próxima, terei pessoalmente uma conversa com seu pai.
A professora havia exagerado gratuitamente mas Aisha não disse nenhuma palavra. Ela sempre rebatia tudo o que os jogadores diziam dela e sempre mantinha a postura mas dessa vez, ela não se deu o trabalho, apenas ignorou e sentou na primeira cadeira da frente, longe dele. Ter mencionado conversar com seu pai a fizera engolir a resposta que tinha na ponta da língua.
Luke foi para o fundo da sala e permaneceu em silêncio durante toda a aula, pensando no porquê de ela não ter dito nada, não ter tentado se justificar ou culpa-lo, afinal, aquele atraso tinha sido realmente sua culpa e não se surpreenderia se ela o acusasse.
Então questionamentos mirabolantes passaram por seu pensamento: Como seria sua vida fora daqui? Será que tinha uma boa relação com Matteo?
Existem tantos boatos sobre ele, sobre sua primogênita bastarda que havia preferido fugir do que ser presidente da sua empresa familiar. Será que seria esse o destino de Aisha depois do ensino médio?
Quando ele despertou de seus devaneios, percebeu que a professora Gilbert chamava seu nome diversas vezes.
– Davis? Acorde, você e a Andrews vão fazer uma análise crítica de um texto que vou enviar nos e-mails de vocês. Juntos. Tem até sexta para me entregar. Vamos ver se assim aprendem a respeitar os horários.
Miranda dá as costas, Aisha retoma sua pose de prepotência e profere apenas cinco palavras:
– Minha casa às sete, idiota.
...
Quando ela disse a palavra “casa”, Luke pensou em algo bem menor. Ao ver aquela mansão exorbitante, podia jurar que teriam pelo menos vinte cômodos apenas no primeiro andar e ainda nem havia tido coragem de entrar para saber.
Chegar lá não foi nada difícil, o taxi foi caro mas Luke agradecia a Deus por ter conseguido acertar a casa sem precisar dar muitas voltas. Toda a população estava muitíssimo bem informada sobre as propriedades dos Andrews e que eles estavam morando na maior casa da cidade em uma propriedade totalmente exclusiva para eles. Não tinham nenhum vizinho.
Ele se perguntou quando Matteo tivera tempo para construir essa casa já que ele sumiu a uns vinte anos atrás e voltou a pisar aqui recentemente.
Depois de passar por vários seguranças, viu pela janela de uma das salas do segundo andar que Aisha estava sentada em frente a um piano de cauda branco.
“Talvez seu gosto por música não tenha sido só uma desculpa para escapar da diretora” Pensou na mesma hora.
Não a via como uma pessoa que tenha sensibilidade e emoções para gostar de algo assim mas sabia que talvez estivesse enganado e que provavelmente existia dentro dela muito mais que a camada externa aparentava.
Depois de passar pela porta principal, pôde finalmente ouvir o som do piano que ecoava pela casa. Subiu as escadas em busca da sala onde ela estava tocando e se surpreendo ao ouvir uma voz acompanhar a melodia. Foi genuinamente surpreendido ao perceber que era a voz dela. Tão linda quanto a dona.
Uma voz suave e doce que transmitia emoções e sentimentos, cantarolando uma música que Luke não conhecia:
– Never forget me, don't forget my love, even if one day i'm gone, i'll always look after you. (nunca me esqueça, não esqueça meu amor, mesmo que um dia eu me vá, sempre cuidarei de você)
Então Luke finalmente a viu pela fresta de uma das portas duplas. Estava desinibida, sem maquiagens, com o cabelo preso. Aparentava estar mais leve, talvez cantar fosse mesmo a sua parada para aliviar a mente sabe-se lá do quê. Vê-la assim fez com que se arrependesse instantaneamente de tê-la questionado.
– Vai ficar me espionando pela porta ou vai entrar?
– Pensei que você tivesse um mordomo para anunciar minha chegada. – brincou para tentar neutralizar o clima que viria a surgir, ainda mais depois daquela manhã.
– Isso é tão ultrapassado, Davis. Você deveria parar de assistir séries de adolescentes bobos.
– Você canta e toca muito bem, pensei que o lance do coral fosse só uma desculpa pra fugir da Abigail.
– Abigail não me assusta. Espero que você não tenha dado a volta na cidade só para dizer isso.
– Na verdade, eu gostaria de me desculpar pelo que aconteceu e o que a Miranda disse. Eu não deveria ter questionado aquilo, percebi que não gostou e eu realmente sinto muito por...
– Me poupe das desculpas, temos um trabalho para fazer e eu não tenho tempo a perder.
Aisha apenas levantou do assento diante do piano e seguiu pelo corredor.
O cômodo em que ela entrou era tão sofisticado quanto o restante da mansão mas tinha um toque de sua personalidade. Havia algumas fotos dela na parede em preto e branco deixando seu amor próprio ainda mais evidente. Na parede próxima a janela, havia uma penteadeira e ao lado um grande espelho cheio de luzes e com a moldura dourada. Em uma parte mais discreta e pouco iluminada, haviam fotos de sua família. Enquanto Aisha sai silenciosamente para pegar os matérias, Luke se aproximou e olhou tudo detalhadamente.
O que mais chamou sua atenção foi o porta retrato com uma das fotos dela mais jovem, uma aparência totalmente distinta da atual. Cabelos enrolados, escuros e naturais, nenhuma maquiagem no rosto mas mesmo assim igualmente bela, seus olhos verdes se sobressaiam ainda mais por demonstrarem uma alegria sincera.
O olhar de Luke salta rapidamente para a fotografia que estava escondida por trás e ele reconheceu imediatamente o rosto de Charlotte Andrews. Lembrava muito bem de toda a mobilização que aconteceu na grande mídia para alguém dar seu paradeiro. Recompensas milionárias, investigações em todas as cidades do país e várias notícias falsas foram amplamente divulgadas na televisão. O rosto dela foi capa de vários jornais por dias mas nada adiantou, faziam quase quatro anos e nada foi descoberto até hoje.
A semelhança entre elas não é muito grande. Charlotte era loira, olhos castanhos, uma expressão parecida com a do pai – que sempre estava posando com ela nas fotos que eram divulgadas – e uma pele branca. Aisha é totalmente oposta, seu tom de pele herdado da mãe latina valorizava ainda mais o seu olhar que já é marcante.
O contraste perfeito existe e é todo de Aisha Andrews.
– Não é porque te convidei para fazer um trabalho na minha casa que você tem o direito de mexer nas minhas coisas – a foto que estava na mão de Luke é rapidamente arrancada por uma Aisha furiosa.
– Me desculpe por isso e... eu sinto muito por sua irmã, lembro bem de assistir todo o desenrolar do desaparecimento, eu realmente sinto muito.
– Você só saber dizer isso? Dizer que sente não vai mudar essa merda toda. Se você sente muito por ela, imagina o que eu senti. Merda, merda, merda. Só ignora tudo isso e vai embora da minha casa. Agora.
– Eu não queria...
– Vá embora. Agora.
A cada um passo pra frente, três para trás. Voltaram à estaca zero.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Aisha
Romance"NÃO SEI SE VOCÊ PERCEBEU, MAS EU NÃO TENHO UM CORAÇÃO PRA QUE POSSA CONQUISTAR" Luke Davis é um jovem peculiar e esquisito em Moon Garden, uma pacata e humilde cidade no interior dos Estados Unidos, sem muitas experiências e envolvimentos amorosos...