Aisha estava tão, tão cansada de tudo.
Depois de Matteo dar a entender que sabia do seu caso com Dean havia decido mantê-la ocupada durante as vinte e quatro horas do dia para que não tivesse tempo de visitar a ala dos empregados.
Primeiro, contratou um professor de francês e Italiano para lhe dar longas lições todas as tardes depois que ela saia da escola. Depois, acrescentou a sua rotina algumas atividades do escritório, como se fosse uma mera secretária, estava encarregada de revisar documentos importantes – sendo que ela tinha apenas dezessete anos –. Na última semana ele a encarregou de treinar todos os dias redações para as inscrições da faculdade que só aconteceriam no ano seguinte.
Quando Aisha finalmente terminava de fazer tudo isso já era tarde demais para que fizesse qualquer outra coisa e isso estava deixando-a tão exausta que seu humor estava péssimo. Para o pouco tempo que tinha naquele dia, chamou Luke para fazer o maldito trabalho e o simples ato de ele segurar uma foto de Charlotte e parecer olhar curiosamente suas fotos fez com que sua paciência sumisse na hora.
Estava brava com ele por conta da sua maldita pergunta.
“Algo em você é real?”
Estava com raiva das palavras de Miranda.
Estava com raiva de Matteo.
E estava com muito sono, mas não conseguiria dormir tão cedo graças a maldita ansiedade.
Sono esse que sumiu pouco depois que Luke saiu praticamente correndo de sua casa, então, ela combinou com Dean – que por incrível que pareça não havia sido demitido depois de tudo – por mensagens a próxima saída. Havia passado dias demais trancada em casa, não havia pisado em outro lugar além da escola desde aquele maldito dia na boate. Precisava relaxar sozinha, essa cidade a tirava do sério.
Estava a tanto tempo no papel de boa moça e estava exausta de agradar o pai. Exausta de não poder agir de acordo com suas vontades e não suportava mais a existência de Luke Davis no mesmo plano terrestre. Respirar o mesmo ar que ele a irritava, ter sido vizinha de armário a enfurecia e sentar ao seu lado na sala lhe causava um desprezo enorme.Por quê?
Não entendia como um nerd sem graça a fazia sentir todo esse turbilhão de sentimentos negativos. Ou talvez sejam sentimentos positivos e Aisha odiasse tanto senti-los que preferia encobrir com ódio. A verdade é que pensava nele, até demais, desde aquele dia. Pelo jeito como ele a olhava, imaginava que era recíproco, mas por que não o deixava se aproximar?
Nunca tinha acreditado nisso de amor à primeira vista, acreditava que era só uma invenção de escritores para fazer os mocinhos ficarem juntos antes do grande plot twist. Se apaixonar sem saber nada sobre outra pessoa? Amar antes de saber se o beijo encaixa? Ou sem pelo menos ter conversas legais com o outro? Era a maior fake News de todos os tempos. Apesar de pensar nele mais que gostaria, Aisha não se sentia capaz de se apaixonar por Luke e nem por nenhum outro garoto, ou garota. Não deixaria ninguém se aproximar o suficiente pra isso.
Ela precisava de novos ares, novas opções e iria encontra-las essa noite, depois que todos dormissem. Na mesma boate que o conheceu.
A vítima escolhida dessa vez foi um dos jogadores do time de Victor Cooper. Alto, musculoso e com um belo par de olhos escuros. Não era seu tipo preferido mas atenderia perfeitamente sua necessidade de esquecer seus pensamentos aleatórios em um certo nerd. O fitou com o olhar e esperou que ele se desse conta que tinha interesse. Assim que o jogador, Mason Grey, olhou para ela, Aisha acenou rapidinho da mesma forma que as garotas do outro lado faziam e ele cochichou algo no ouvido do amigo ao lado.
– Eu não ficaria com esse cara se fosse você, ele trata as garotas como goma de mascar.
Aisha nem precisou olhar para trás para identificar de quem era voz, lembrou-se muito bem da conversa que teve com a garota que estava atrás dela alguns meses antes.
04 de junho - Dois meses antes
– Se eu fosse você não ficaria com nenhum deles. – Aisha estava observando um grupo de rapazes másculos que estavam nos cantos da boate, se ela não achasse nada mais interessante, provavelmente investiria em um deles.
– Oi?
– Percebi que você está olhando para aquele lado desde que entrou, se eu fosse você não flertaria com nenhum dos meninos daquele grupinho. – A garota ruiva que estava ao seu lado aconselhou.
– Você os conhece bem?
– Não tão bem quanto você deve estar imaginando, apenas o suficiente pra dar esse conselho, nunca te vi por aqui antes e seria trágico que uma mulher tão bonita caísse nas graças de um deles.
– Sou nova na cidade, na verdade e não sou o tipo de garota ingênua que se apaixona!
– Eu acho que você é, mas nega com todas as suas forças por medo.
– Não, não, não, acho que você que deve ter medo de algo aqui.
– Como assim?
– Dizem que os membros da comunidade tem um sexto sentido e reconhecem uns aos outros em qualquer lugar...
– Eu não sou... espera, você é?
– Não gosto de aderir rótulos mas a letra B da sigla faz sentido pra mim e meu sexto sentido aponta que você não é nada hetero e está no armário.
– Não é nada simples, eu meio que gosto de uma amiga minha que nunca demonstrou nada do tipo e minha família não...
– Que pena, vou ter que continuar a minha caçada pela boate já que a única pessoa que me pareceu interessante aqui está apaixonada, não gosto de dividir espaço nos pensamentos de ninguém.
– Como?
– Meu sexto sentido diz que sua amiga não sabe sobre seus sentimentos e se eu fosse você, não deixaria de fazer o que sente vontade por apenas medo de qualquer merda que os homofóbicos vão dizer ou medo de estragar sua amizade. – A ruiva a olhou um pouco assustada pelo quão certeiro havia sido o comentário da garota – Sinto muito dizer mas se você esconde uma coisa assim da sua amiga, sua amizade já está abalada, amigas não mentem. De qualquer forma, espero te ver de novo algum dia e eu mentiria se dissesse que não gostaria de te encontrar livre.
30 de agosto - Atualmente
– Você tem idade pra estar nesse lugar? – Aisha rebateu a garota.
– Não, mas acho que você também não tem idade para beber, legalmente pelo menos, então estamos quites. – Aisha olhou para em sua mão e se deu conta que com aquela bebida colorida seria impossível negar que tinha álcool. – Naquele dia você encontrou alguém interessante?
– Sim e não. – lembrou-se que havia gostado de ficar com Luke mas todo o rolo que havia acontecido depois dava preguiça só de pensar – E você, hoje é meu dia de sorte?
Nicole corou no mesmo instante, fazia tanto tempo que havia se entendido como uma mulher lésbica e nunca tinha visto uma mulher flertar assim com ela. Sabia que agora era a hora de viver todas as experiências das quais havia se privado por medo de sair do armário.
– Ainda estou apaixonada pela minha melhor amiga, naquele dia eu segui seu conselho e falei com ela e com minha família mas as coisas ainda continua complicadas.
– E então, correu tudo bem? Não acho que você viria a um lugar como esse se estivesse psicologicamente bem.
– Você está aqui – a garota gargalhou.
– Eu definitivamente não estou psicologicamente bem mas agora o assunto é você.
– Tive dias difíceis, minha mãe aceitou tudo bem mas acabou revelando que tinha se divorciado do meu pai sem que ninguém soubesse de nada e meu pai sumiu pelo mundo justamente quando mais preciso dele, no meio de todo esse caos. – Nicole bebeu um shot e prosseguiu – Para completar, a Kate não tem certeza se realmente sente a mesma coisa ou se está confundindo as coisas entre nós. A vida é bela.
– Se tem uma coisa que entendo bem é sobre pessoas sumindo na hora errada. – Aisha riu disso para deixar a situação mais leve, odiaria falar de Charlotte e sentir toda a onda de dor e mágoa que sempre vinha junto do seu nome e optou com desviar o assunto. – A vida não é nada bela.
Elas brindaram naquele instante.
Naquela noite Aisha estava disposta a ir a caçada e ficar com alguém mas se sentiu tão bem na companhia da ruivinha que acabou por sentar no banco ao lado dela e gastar algumas horas jogando conversa fora.
– Posso jurar que fazem algumas horas que estamos conversando e eu ainda não sei o seu nome. – Nicole disse.
– Perdão, pensei que você já soubesse, todos andam falando muitas coisas de mim desde que cheguei na cidade.
– Ai meu Deus, você é a herdeira das indústrias Andrews? – ela pergunta espantada.
– Infelizmente.
– Todos comentam muito sobre você mas eu não havia te visto pela escola. Pensei que fosse diferente e...
– Pensou que eu fosse uma vadia sem escrúpulos? Se foi isso, você acertou. – Aisha gargalhou, estava acostumada a ouvir especulações absurdas sobre ela e já podia prever qual seria o conto da vez.
– Não, na verdade pensei que você fosse diferente de tudo o que falavam, talvez uma pessoa quebrada e cheia de problemas, não sei, uma vibe mais introspectiva. Talvez pressionada por seu pai a fazer tudo que sua irmã não fez... minha mente criou algumas teorias malucas.
– Você é inteligente, ruivinha.
– Nicole, meu nome – ela estendeu a mão.
– Aisha – ela retribui o gesto e sorri.
...
– Aisha, acorde, por Deus!
– Dean? – ela murmurou enquanto coçava os olhos – Que horas são?
Ela havia acordado mais atrasada que o normal, talvez chegar de madrugada tenha colaborado diretamente para isso. Depois de horas de conversa com Nicole, a mais nova precisou ir embora e Aisha decidiu que ainda não estava bêbada o suficiente para ir também, ainda não era nem se quer meia noite e ainda não estava pronta para voltar para sua realidade.
Na verdade, tinha demorado muito a chegar porque havia ocupado seus pensamentos com o jogador que tinha observado no início da noite. Perdeu completamente a hora. Mason Grey beijava bem mas era incrivelmente chato e não sabia conversar, não passaram de alguns beijos sem graça que não haviam agregado em nada em sua noite, então, ela o largou depois de algum tempo com a desculpa de ir ao banheiro e não voltou mais.
– Muito tarde, seu pai já deve estar descendo para tomar café e se ele não te ver lá...
– Não, não, não. Porque me deixou dormir tanto?
– Então a culpa é minha? Você saiu de casa no meio da semana, chegou de madrugada, provavelmente bêbada e a culpa é minha?
Ela não tinha paciência para ouvir aquilo tão cedo da manhã, sua cabeça doía, não sabia se por sono ou pelo álcool.
– Pare, pelo amor de Deus, não posso com isso a essas horas. – disse enquanto ia para o banheiro se arrumar e Dean a seguiu.
– Eu me preocupei com você, você não me mandou mensagem para pedir para abrir a porta dos fundos, fiquei com medo de você não ter chegado em casa ainda e...
Quando Aisha chegou, acabou entrando sozinha pelos fundos da casa, tarde e cansada demais para recompensá-lo de outra forma. Também não pensou em avisá-lo que tinha conseguido entrar.
– Eu não costumo me preocupar com pessoas que apenas transo, você deveria fazer o mesmo.
Dean a olhou em choque. Ele sabia que não namoravam, que ela ficava com outras pessoas, mas o coração dele pertencia a ela e ouvi-la falando assim doía como uma facada no peito.
– Tudo bem então. – Ele virou as costas e praticamente correu para fora do quarto dela.
Aisha sabia que tinha sido dura com ele, mas estava mais preocupada com o fato dele não lhe fazer mais favores do que com ele ter se magoado com aquilo.
– Isso são horas de acordar? – Matteo pergunta assim que Aisha se sente para o café.
Matteo não sabia de nada, ou então estaria agindo diferente.
– Passei a noite estudando, tenho uma prova em breve.
– Você não estava em casa.
– Estava estudando na casa de Lily Lodge, mamãe conhece a mãe dela, eu disse a ela que iria sair.
Elena que até então observava a conversa em silêncio, se surpreendeu ao se ver envolvida na mentira de Aisha já que nem ao menos havia percebido que tinha saído, mas ela devia essa ajuda a filha para ao menos tentar se redimir um pouco por aqueles meses estranhos entre elas.
– Claro, Aisha me pediu pra ir a casa de Diana estudar com Lily e eu não vi mal nenhum nisso, Diana é minha amiga.
– Tudo bem, mas você não vai tomar café. Está atrasada.
– Mas eu estava estudando e... – Aisha questionou.
– Não importa, seja mais responsável da próxima. – O olhar dele desviou para as torradas na mesa e ela sabia que não adiantaria falar mais nada.
Levantou frustrada e com lagrimas ameaçando escorrer mas não quis dar esse gostinho ao pai, de mostrar frágil na frente dele, não tinha tempo para chorar. Gostaria que essa tivesse sido a primeira vez que seu pai havia tido uma atitude tão tóxica mas sabia que não e que não seria a última. Ele estava cada dia mais insuportável e Elena estava cada dia mais calada.
Aisha havia prometido para si mesma antes de sair do México que faria a vida de Matteo impossível quando chegassem a Moon Garden. O que ela não contava era com o medo que jamais assumiria em voz alta que sentia, mas que estava muito presente dentro dela. Sua mente estava cheia com tudo, não declararia guerra agora, mas a vingança um dia viria.
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Aisha
Romance"NÃO SEI SE VOCÊ PERCEBEU, MAS EU NÃO TENHO UM CORAÇÃO PRA QUE POSSA CONQUISTAR" Luke Davis é um jovem peculiar e esquisito em Moon Garden, uma pacata e humilde cidade no interior dos Estados Unidos, sem muitas experiências e envolvimentos amorosos...