Apesar de ter contratado um bom professor particular, Matteo Andrews insistia que sua filha precisava frequentar a escola local e ter um ensino médio normal.
Ela preferia ter professores particulares o dia todo a perder tempo com “adolescentes imaturos”, era esperta, sabia que sem muito esforço conseguiria uma carta de recomendação para Harvard. Ele pensava diferente, queria que toda a cidade a conhecesse finalmente e que a julgassem como uma moça recatada e inteligente, não uma vadia instável e fria que seria incapaz de assumir seu império.
A mudança de imagem era o primeiro passo para qualquer que fosse seu novo plano.
E também uma forma de a castigar ainda mais.
As aulas começariam em poucas horas e a ideia de acordar cedo não agradava em nada Aisha, seu mau humor já se fazia presente tão cedo. Havia se acostumado a ficar em casa por conta do castigo e desde a fuga no primeiro dia na cidade, não tinha tido a oportunidade de sair novamente. Tinha aproveitado bem a companhia de seu piano e visitado com uma certa frequência a área dos empregados para extravasar, não queria sair aquela rotina para interagir com “paletos”.
Contrariando as recomendações de seu pai, vestiu uma roupa pouco recatada que com certeza o irritaria mais do que um ataque direto. Estavam sendo assim os últimos meses, não se falavam muito, mas sempre faziam questão de provocar ou debochar um do outro todos os dias. O vestido preto que ela havia escolhido para o primeiro dia não era vulgar, era elegante e chamativo, tinha um decote breve mas que deixava uma grande margem para a imaginação de quem o observasse, a parte debaixo era longa, mas justa ao ponto de a calcinha ficar marcada. Ela optou por não usar. A calcinha. O batom vermelho marcante complementava a estética perfeitamente. Estava pronta pra pisar no primeiro idiota que passasse na sua frente.
Aisha pegou o celular que estava largado em sua cama bagunçada e enviou uma breve mensagem para o segurança leva-la para escola no carro novo de Matteo, era um Mercedes preto que ela estava doida para dirigir mas ainda não podia. Maldito castigo. Aproveitaria a mensagem para pedir que o segurança a entregasse algo que ela havia esquecido propositalmente no quarto dele. Estavam se vendo com uma certa frequência, quando ela estava no tédio – o que acontecia muito já que não podia sair – e quando tanto Matteo quanto Elena saiam.
Não havia tido problemas com a saída da primeira noite, Matteo chegou bêbado o suficiente pra não notar nem sua própria sombra e no dia seguinte ainda a parabenizou pelo bom comportamento. Quem realmente foi parabenizado e devidamente recompensado foi Dean Willians. Ele era cerca de cinco ou seis anos mais velho que ela, trabalhava com sua família desde pouco antes de Charlotte desaparecer e os encontros íntimos surgiram só depois que ela abraçou sua nova persona. Não mantinham exclusividade um com o outro, – pelo menos ela não era exclusiva de ninguém – mas se visitavam nos cantinhos não frequentados da imensa mansão.
– Filha – as vozes dos pais ecoarem pela sala antes que tivesse chance de sair escondida, tinha tomado café na cozinha porque não queria ter um momento família clichê antes de enfrentar o hospício que eles tinham determinado como castigo. Foi em vão.
– Quer que eu te acompanhe? – pergunta Elena com sua voz terna e doce – sei que tudo isso é novo pra você, escola nova, amigos novos...
– Estou bem grandinha pra ser levada pra escola pela minha mamãe! – debochou. – Fora que, Dean vai me levar, já avisei a ele.
– Por favor, querida.
Seu olhar era de suplica e ela queria algo além de um momento mãe e filha. Estava estranha.
– Aisha, vá com sua mãe, vou precisar de Dean pra resolver algumas coisas... você está muito próxima a ele ultimamente, não é? – Matteo disse com desconfiança.
– Próxima de um segurançazinho? Por favor, me poupe. – Aisha revirou os olhos para disfarçar. – Vamos, mamãe!
– Vou buscar minha bolsa, já volto para irmos.
Desde seu aniversário, estava evitando proximidade com Elena, estava decepcionada, ou melhor, apenas ressentida, não esperava muito da mãe para se decepcionar mas ver que ela não havia movido um dedo para ajudá-la com toda aquela confusão... era baixo demais.
Seu pai ainda sustentava o olhar desconfiado de antes, mas mudou a expressão em segundos ao se aproximar, a abraçar e cochichar ternamente uma ameaça no ouvido da filha:
– Se comporte, querida. Ou seu próximo castigo será pior que esse – ele sorri descaradamente. – Não me importava que você ficasse com seguranças e fosse a festas escondida na Cidade do México, contanto que isso não me atrapalhasse meus objetivos. Mas aqui é diferente e você não fará tudo o que quer. Na frente de todos, seja a minha herdeira inteligente e recatada ou teremos problemas incalculáveis, lembre-se que você tem mais a perder que eu.
Era verdade em certo ponto, não tinha nada de muito considerável a perder mas sabia que seu pai poderia achar inúmeras formas de a machucar. Não entendia como o próprio pai podia ser assim.
Suas recomendações enojaram Aisha de tal modo que pôde sentir o café que havia bebericado minutos antes voltar para trás. Desde que Charlotte se foi, foram poucos os momentos em que estivera a sós com o pai e ele a tratou como sua garotinha, não esperava que ele fosse ser amável mas também não imaginava que suas falas a causassem tantos arrepios. Ela se afastou o mais rápido que pode e escolheu esperar sua mãe no jardim. Não suportava passar um minuto a mais respirando um ar tão tóxico.
O silêncio no carro com Elena era inquietante. As palavras do pai ainda ecoavam na sua mente e por incrível que pareça, sentia uma pontinha de preocupação por Dean. O considerava insignificante, não sentia nada por ele. pra mim, mas no fundo sentia medo por as consequências que sofreria.
– O que ele te falou depois que saí?
Aisha estava tão distraída ao pensar no pai que se surpreendeu não só com o silêncio sendo quebrado como também ao perceber que sua mãe tinha notado e se importado com ela.
– Nada. – respondeu secamente.
– Dios mio, não minta pra mim, Aisha. Conheço seu pai melhor que a mim mesma e sei que provavelmente te disse para se comportar e não estragar as coisas pra ele.
O silêncio foi sua resposta para aquela afirmação.
– Eu sei que nos afastamos um pouco depois de tudo o que aconteceu no seu aniversário, mas quero que saiba que pode me contar o que quiser, pode confiar em mim!
– Você viu ele me humilhar quando chegamos em casa aquele dia, viu ele me chamar de vadia e levantar a mão pra mim, apesar de não ter me batido, todas aquelas palavras doeram de uma forma que eu jamais seria capaz de explicar. Sabe o que é pior? Eu já esperava isso dele, o que eu não esperava é que minha mãe fosse tão submissa ao marido que decidiu não fazer nada.
– Não é bem assim, filha. Você estava bêbada e não lembra de tudo. Eu não queria dizer que...
– O quê?
– Que eu me coloquei na sua frente, naquela noite, por isso não encostou em você, eu jamais deixaria isso acontecer mas temo que não vou poder estar na sua frente todas as vezes em que você o desafiar e ele não quiser aceitar isso quieto.
A face de Aisha foi tomada por uma expressão surpresa ainda mais esdruxula que a anterior, não se lembrava muito bem sobre todos os acontecimentos, estava bêbada demais, poderia ser verdade, ou talvez apenas um fingimento para que pagasse de boa.
O que ela não sabia era se Elena atuava bem o suficiente para fingir uma expressão de dor tão real quanto a que tinha naquele momento.
– Porque não o deixa? Tornaria nossa vida mais fácil. – Aisha disse por fim.
– Matteo jamais deixaria que fosse comigo. Seu pai tem planos para o seu futuro e um dia você vai entender tudo o que fazemos. Se comporte, filha. Não torne as coisas mais difíceis pra nós.
Ninguém se atreveu a dizer mais nada, o carro diminuiu a velocidade e Aisha entendeu aquele como o timing perfeito para que ela deixasse seu lado frágil para trás e aparecesse diante de todos como a poderosa Aisha Andrews.
...
Do outro lado da cidade, havia um distraído e atrasado Luke Davis correndo pela casa em busca dos itens que precisava levar para a escola. Não era do seu feitio se atrasar, muito menos deixar as coisas para última hora, ainda mais no primeiro dia de aula que era primordial para demarcar seu lugar preferido na sala. Também por não querer causar nenhuma má impressão nos novos professores já que faltava pouco para ele se formar e queria recomendações para a faculdade.
Talvez a segunda carteira depois da janela ainda fosse sua maior prioridade por enquanto.
Seu cabelo engrenhado e a roupa amassada eram justificados pela insônia na noite anterior – o que também era incomum já que nunca havia tido problemas para dormir – por passar uma parte da noite procurando por ela. De novo. Tinha passado dias confusos com sua família e a única coisa capaz de transportá-lo da realidade amarga para uma doce ilusão era essa busca obsessiva.
Persistia em abrir redes sociais novas procurando novamente nas fotos de alguns dos vizinhos que estavam a boate naquele dia ou que foram depois, até se arriscou a publicar uma foto sua para tentar a sorte de que ela também estivesse o procurando. Tudo continuava sendo em vão.
Depois de algumas tentativas sem resultado, desistiu por fim e dedicou a outra parte da noite a uma investigação viciante sobre Matteo Andrews, leu toda a página dele da Wikipedia, viu reportagens no YouTube e leu todas as notícias que encontrou, principalmente as que eram publicadas pelos jornais locais que pareciam perseguir essa família e os mistérios que rondavam a sua volta à cidade. Não pisavam aqui a quase 20 anos mas seu nome ainda era constante nas conversas, principalmente entre os que estudaram com ele ou com sua esposa, Elena Jones – agora chamada de Senhora Andrews.
O mistério de sua partida era tão grande quanto o do seu retorno e Luke considerava que uma coisa era certa: com certeza traria com ele algum novo negócio revolucionador assim como os que fazia em Manhattan, se seria licito e honesto... ninguém sabe.
Depois de finalmente conseguir organizar todos os seus itens, seguiu direto para cozinha para pegar uma fruta que comeria no caminho. Além de estar atrasado, estava evitando sua mãe ao máximo que podia. Saber que ela estava mentindo sobre seu casamento era um pouco frustrante pra ele que não sabia ao menos o motivo. Ainda pior pra Luke era se dar conta que um amor de vinte anos, começado no ensino médio, havia acabado. Que todos os beijos e carinhos que tinha testemunhado desde criança não iriam mais se repetir.
Peter Davis passava poucos dias em casa desde que havia sido indicado para cuidar de um caso importante e sigiloso que nem sua própria família tinha conhecimento, mas Ashley nunca tinha se importado, inclusive, ela que sempre o havia apoiado a crescer como policial e tornar-se finalmente investigador, o que havia sio conquistado cerca de dois ou três anos atrás.
Um divórcio nesse momento era no mínimo estranho.
“Ainda amo seu pai, mas não somos mais os mesmos de quando nos apaixonamos” ou “Quando você casar um dia, vai entender”.
Foi o que ele ouviu ao indagar sua mãe naquele mesmo dia em que ela voltou de viagem e Peter nem se quer havia dado as caras para se explicar, muito menos atendido as ligações dos filhos.
Luke conseguiu por fim chegar na escola faltando cinco minutos para o sinal tocar. Um Mercedes preto passou ao seu lado e ele presumiu rapidamente de quê, ou melhor, de quem se tratava já que nem mesmo a prefeita da cidade tinha condições para um veículo tão luxuoso.
Viu um aglomerado de pessoas formarem um tipo de corredor humano enquanto a tal garota Andrews entrava, não conseguiu ver seu rosto graças a multidão mas estava tomado por curiosidade de pôr fim ver em sua frente um dos mistérios da família ser revelado.
Ao caminhar atrás das dezenas de alunos que a seguiam, avistou Victor Cooper parado no meio do corredor falando sobre ela e o fora que já havia lhe dado poucos segundos antes de Luke conseguir entrar. Ele gostaria de ter visto essa cena épica: o maior galinha de Moon Garden ser rejeitado.
Gostaria de ter visto a visto também. Queria saber qual era o seu problema para estar escondida dos holofotes todos esses anos, levando em conta a fama do seu sobrenome.
Será que é uma desajustada que sofre com o peso do nome Andrews ou será uma vadia sem coração que faz tanta coisa errada que seu pai tem medo de manchar sua honra? – ele pensava.
Não sabia porquê, mas chutaria a segunda opção.
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Aisha
Romance"NÃO SEI SE VOCÊ PERCEBEU, MAS EU NÃO TENHO UM CORAÇÃO PRA QUE POSSA CONQUISTAR" Luke Davis é um jovem peculiar e esquisito em Moon Garden, uma pacata e humilde cidade no interior dos Estados Unidos, sem muitas experiências e envolvimentos amorosos...