Capítulo 11

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Naquela manhã Aisha desceu para tomar café junto com a família.

Sabia que Matteo ainda não suportava sua cara mas agora que podia andar pela casa livremente, não perderia a oportunidade de arrumar algum jeito, mesmo que indiretamente, de provoca-lo.

Quando ela se aproximou, ele estava levando sua xicara de café preto a boca mas pausou no meio do caminho. Ainda não tinha visto seu visual novo, não só o cabelo na verdade. Naqueles dias que passou no quarto acabou perdendo um pouco de peso, ficado pálida e – com exceção da noite anterior – não estava usando maquiagem desde então.

Matteo nunca a via de cara limpa e nem se quer lembrava da cor natural dos cabelos dela.

– Buenos días familia – Aisha disse ao se juntar a eles na mesa, com um sorriso de canto a canto.

– Bom dia querida – apenas Elena respondeu, Matteo desviou o olhar e permaneceu em silêncio – você não vai se arrumar?

– Pensei que só voltaria pra escola na segunda.

– E vai, mas uma amiga sua virá aqui para conversarem.

– Amiga? Eu não tenho amigas naquele hospício. – Aisha genuinamente não sabia e não imaginava quem seria essa tal visitante.

– A filha de Diana disse que está preocupada com sua saúde.

– Porque ela está preocupada com minha saúde?

Elena ficou em silêncio.

Aisha já imaginou o porquê. Sua família costumava aderir o vitimismo para justificar seus sumiços repentinos. Quando saíram do México, disseram que haviam decidido ir morar em uma cidade menor para respirar novos ares e cuidar da saúde frágil de Elena – que não sentia se quer dor em uma unha.

– Qual foi a mentira que contaram desta vez?

Ela ainda estava sem celular – que tinha ficado perdido em algum lugar da casa antes de toda a confusão – e não sabia de nenhum dos acontecimentos recentes, Dean também não tinha mencionado nada quanto a isso mas algo dentro dela dizia que estava certa.

– Nós precisamos dizer que você estava com... problemas.

– Que tipo de problemas?

Matteo que ouvia toda a conversa sem nem se quer olha-la se irritou com a quantidade de perguntas e bateu a mão na mesa assustando as duas mulheres à sua frente.

– Nós dissemos que você estava depressiva, satisfeita? – gritou – Eu prefiro que digam que minha filha é louca a tudo o que diziam por aí, agora tome esse café calada e vá se arrumar.

Aisha o olhou fulminante, era raro mas às vezes ela não sabia o que dizer.

– E por Deus, aproveite e tome um sol, você parece um fantasma!

– Porque será? – ela disse mas foi ignorada, para ele o assunto já estava encerrado e não a dirigiria a palavra novamente nem tão cedo.

O silencio reinou entre eles durante o restante da refeição e logo depois cada um seguiu para um canto da casa. Matteo se trancou no escritório como sempre, Elena foi a cozinha passar as ordens do almoço de hoje e Aisha foi para o quarto, procurou algo melhor para vestir, passou a mesma maquiagem leve que tinha testado no dia anterior e aguardou a tal visita chegar.

Ainda não estava feliz com sua imagem no espelho, estava realmente pálida e tinha perdido um pouco do bronzeado da pele mas tratou de disfarçar superficialmente o que podia. Não se reconhecia naquela figura refletida no espelho.

Estranhava, para dizer o mínimo, Lily estar indo vê-la. A julgar pelo modo que tinha falado justo enquanto Aisha estava sendo publicamente humilhada, não imaginava que fosse se quer se aproximar de novo. Aisha não tinha nem se quer tentado se aproximar dela – e nem de nenhum outro aluno – para lhe dar a ilusão que seriam amigas. Mal lhe respondia para não dar nenhuma brecha para uma possível aproximação, não queria ter amigos em Moon Garden, muito menos uma garota com as características da pequena Lodge.

– Aisha, por favor me perdoe, eu sinto muitíssimo – Lily praticamente invadiu seu quarto e a abraçou sem a menor cerimônia, interrompendo seus pensamentos – Eu fui uma boba em ter dito aquelas coisas justo naquele momento, eu não sabia que...

– Eu estou bem, Lily, pode me soltar – Aisha tinha sido pega de surpresa e não estava sendo reciproca no abraço, não gostava muito de toque físico como gesto de carinho.

– Eu nunca tive amigos e pensei que finalmente tinha conseguido uma, eu tomei as dores dos outros e por um momento te julguei mal, fui tão injusta! – a pequena Lodge desabafou com lágrimas nos olhos ameaçando escorrer e a big Andrews não sabia como agir.

Ela tinha ficado com raiva de Lily, queria gritar com a garota e descontar tudo o que haviam feito com ela nas últimas semanas mas tinha duas boas razões para não o fazer: As palavras de Lily a tocaram um pouco e Aisha precisava manter o teatro. Também queria investigar a mentira da mãe e talvez, apenas talvez, aguentar Lily não seria de todo ruim nessa história.

– Tudo bem, eu já estou melhor, me desculpe por ter me afastado, eu não tinha noção que estava te machucando com minhas atitudes – mentiu com um sorriso tão falso quanto as unhas postiças que usava.

– Podemos tentar ser amigas? Talvez até mesmo confidentes... juro que minha boca é um tumulo.

Aisha apenas assentiu, mantendo o teatro.
Não tinha interesse em confiar em alguém. Amizades a lembravam de traços importantes do seu passado: A traição de Lisa e o abandono de Charlotte.

Talvez tivesse tanta aversão a amizades e irmandades quanto tinha ao amor.

Elas passaram a tarde juntas. Lily estava cada segundo mais convencida que a nova amiga estava realmente depressiva já que ela falava pouco. Era tédio. Ou sua camada de blindagem que não a deixava se soltar e aproveitar o momento. Houveram alguns momentos de risadas e descontração, mas duravam pouco, até Aisha raciocinar que estava deixando de ser fingimento.

Precisava fingir. Não podia gostar disso. Não devia aproveitar. Ela não era esse tipo de pessoa, não tinha amigas.

– Eu entendo o que você passou, tive depressão quando mais nova e foi muito difícil de lidar, quando vi que você estava mal provavelmente por uma coisa errada que eu disse em um momento que por si só já era difícil, senti como se estivesse ferindo a mim mesma. – Lily tinha lágrimas nos olhos novamente.

Aquilo chamou a atenção de Aisha, que a essa altura já estava pensando em um desculpa para manda-la embora.

– Porquê? – Aisha perguntou um pouco acanhada, não queria profundidade naquela amizade mas aquilo tinha chamado sua atenção.

– Meu pai morreu alguns anos atrás e para completar, minha mãe mudou completamente depois disso, minha irmã se rebelou contra ela e... bom, sempre riram de mim na escola por sabe-se lá o quê, então tive que lidar com isso sozinha.

Aisha entendia de perda, de bullying e de solidão.

– A vida não é cor de rosa. – disse, dessa vez sem esforço, sem falsidade. A compreendia.
– Minha mãe me sufoca desde que recebi o diagnóstico e me trata com uma bonequinha frágil. – Disso a Andrews não entendia, não tinha mais ninguém que cuidasse dela e a protegesse.

– Eu sinto muito.

– Isso não importa mais, só quero que saiba que não está sozinha e que agora você vai ter a mim para confiar.

– Obrigada, Lily.

Aisha foi novamente abraçada pela garota, mas dessa vez não relutou. A entendia e se sentiu culpada por estar nessa situação. Acreditava que Lily era apenas uma garota bobinha e irrelevante que acabaria sendo útil de alguma forma, o que ela não imaginava é que o futuro reservava para elas. A cura de uma dor antiga dentro do coração dela já estava marcada na linha do seu futuro e seria aquela garota bobinha que a ajudaria. A salvaria.

...

O resto da semana passou rapidamente. Tecnicamente fora do castigo, Aisha aproveitou para passar um dia fora em uma viagem de compras com a desculpa de que não tinha nada apropriado para vestir que combinasse com sua nova persona. Não estava muito interessada em comprar roupinhas de tons pasteis e estilo romântico, mas só de estar longe daquela casa que a sufocava e poder gastar dinheiro sem limites, já se sentia levemente satisfeita.

Na segunda, pegou um vestido azul serenity colado ao corpo e um blazer branco não tão estruturado quanto os que costumava usar. Não abriria mão das roupas clássicas, mas equilibraria os estilos com os novos tons. Nos pés, tinha uma sandália branca delicada que tinha comprado meses antes das mudanças mas que estava esquecida no closet. Estava bonita e angelical mas, novamente, não se sentia ela própria.

Elena foi a única que se despediu dela antes que saísse para a escola com o novo motorista, já Matteo não havia se quer se aproximado depois daquele café da manhã que tiveram juntos.

– Boa sorte, minha filha – Elena a abraçou antes que ela pudesse se afastar – e não se esqueça do...

– Do quanto tenho a perder se pisar fora da linha de novo? Não precisa me lembrar disso a cada cinco segundos, estou atrasada! – Aisha se soltou rapidamente quase perfurando o chão com seus passos.

Não era aquilo que Elena iria dizer mas, preferiu que a filha tirasse as próprias conclusões a justificar a verdade por trás de todos os seus atos. Se corroía por dentro em ver sua garotinha sofrer – por mais que Aisha jamais admitisse que sofria – mas era um mal necessário, em alguns casos a verdade cura e em outros só trás mais dor. Elena não esconderia seus segredos obscuros por toda a vida só que ainda não era o momento de trazê-los a tona e podia ser considerada egoísta por isso, seria até mesmo odiada pela própria filha quando a bomba explodisse mas, não se arrependeria de – assim como Aisha – desempenhar tão perfeitamente o papel que lhe foi designado.

Dentre os vários questionamentos que tinha na cabeça de Aisha, por outro lado, um muito grande era quanto Elena e suas atitudes inconsistentes. Às vezes nem se lembrava que tinha uma filha e as vezes agia como se sua filha realmente a importasse, depois, quebrava esse momento com alguma fala inconveniente, geralmente relacionada a Matteo. Era como se Elena o amasse mais do que a ela, seu próprio sangue.

Aisha deu a desculpa que estava atrasada para se livrar das garras da mãe sendo que ainda faltavam vinte minutos para o sinal tocar. Unindo o útil ao agradável, ela não poderia perder a oportunidade de ter mais uma entrada triunfal na escola, onde todos falariam sobre ela enquanto ela silenciosamente planejava a vingança contra a maioria deles.

Como dizem, vingança é um prato que se come frio e ela teria muito tempo para matar sua fome, mas antes, tinha que obedecer a única ordem do pai que faltava para ter sua liberdade de volta: Arrumar um namorado de boa família.

Aisha pensou muito durante aqueles dias, sabia que podia escolher qualquer um dos meninos e o iludir com meia dúzia de palavras para convencê-lo a fazer qualquer coisa mas ela não estava disposta a namorar alguém de verdade. Não queria abrir brecha para sentir algo, não se permitiria sentir nada. Também não queria abrir mão de suas extravagancias – que agora seriam mais discretas para não contradizer o papel que interpretaria –, precisava de um idiota disposto a fingir ser seu namorado para benefício mutuo.

Ela ofereceria o que o garoto quisesse em troca de algumas mentirinhas. Ambos ganhariam.

Ela queria um namorado falso e não fazia ideia de quem chamar para o cargo.

– Aisha? – Nicole se aproximou ao vê-la entrar na escola rodeada de pessoas.

– Olá ruivinha, finalmente nos encontramos a luz do dia.

– Na verdade a gente já se encontrou antes mas... – Nicole lembrou das circunstâncias daquele dia, Aisha havia acabo de ser humilhada e estava nervosa quando se viram – não importa, você está bem?

– Claro que estou – Aisha se lembrou naquele momento que supostamente estava depressiva durante esses dias – Foram dias difíceis mas estou bem, me atualize dos acontecimentos, por favor.

– Por aqui tudo continua meio igual, só o Mason que se machucou feio em uma suposta queda e os amigos dele passaram uns dias suspensos, nada demais – Aisha sabia quem era o autor dessa queda, pela primeira vez Matteo havia feito uma coisa que ela realmente concordou e até aplaudiria se ele não a estivesse odiando agora – já você parece diferente...

– Gostou?

– Você ficou linda mas isso não combina muito com a Aisha que conheci na boate.
– Ela tirou férias, agora preciso ir, preciso encontrar a cura da minha depressão – Aisha deixou Nicole para trás sem entender o tom do seu deboche extremamente ácido. Ela se referia a seu futuro namorado falso, já que ainda não sabia quem escolher para ocupar o cargo e precisava de um o quanto antes para não perder os privilégios que estava recuperando.

A checklist era:

1. Ser bonito (mesmo fingindo ela nunca beijaria um feio).
2. Ter uma boa família (para agradar Matteo).
3. Não queria ninguém do time (não suportaria uma pessoa com um ego mais alto que o seu).
4. Não tão burro (para não falar bobagens a cada segundo).
5. Não tão esperto (para aceitar o acordo).

Aisha olhou por todos os lados buscando um potencial mas não existia, ao menos ela pensou em desistir e aceitar um novo castigo por menos de um minuto até ver um certo garoto passar no fim do corredor.

Havia um garoto pegando seus livros correspondente as matérias do dia nos armários, usando uma camisa de hogwarts e um allstar surrado, com os cabelo um pouco bagunçados. Ele era bonito, ela não podia negar. Havia silenciosamente prestado atenção nele algumas vezes na sala e ele sempre demonstrou ser inteligente. Nunca havia ouvido nenhum boato a respeito da família dele e ele com certeza não era um dos idiotas do time.

1. Ok
2. Ok
3. Ok
4. Ok

Quatro itens da lista podiam ser riscados logo de cara, só que havia um pequeno adendo: Eles já tinham se beijado antes e ela havia o tratado mal algumas vezes, tinha até chegado a pensar que ele estava apaixonado por ela. O que ainda podia ser verdade e se existisse sentimento no meio, seu namoro por conveniência não daria certo. Ela queria evitar complicações.

Luke Davis era um bom candidato e Aisha pensaria muito no assunto. Até demais.

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