– Boa noite, amor! – Aisha disse sorridente e debochada ao ver Luke se aproximando da mesa que ela estava no restaurante.
Havia oferecido busca-lo em casa para irem juntos ou mandar seu motorista sozinho mas Luke recusou a carona e preferiu ir a pé, não queria ter que explicar essa situação para a mãe, muito menos para Nicole. Na verdade, ainda não sabia o que faria, o que diria, se seria verdadeiro arriscando ser julgado por elas ou se criaria uma bola de neve de mentiras. Tudo precisava ser meticulosamente planejado.
– Ainda não estamos namorando, meu amor. – respondeu no mesmo tom debochado.
– Vamos resolver isso hoje. – Ela bebeu um pouco do vinho que tinha em sua taça – Vamos direto ao ponto por favor, me diga, quais são seus termos?
– Primeiro tenho algumas dúvidas. – Aisha assentiu e ele continuou – Antes de tudo quero saber o motivo desta farsa.
– Isso é simples: metade da cidade acha que sou uma vadia irresponsável e a outra acha que estou maluca. Meu pai acha que preciso de um namorado para ser uma menina normal e é aí que você entra, Davis!
– Isso é meio estranho.
– Acostume-se, seus sogros fazem coisas estranhas o tempo todo. – Ela levanta a mão e o garçom enche a taça novamente.
– Supondo que eu concorde com esta loucura, para quem exatamente vamos ter que fingir então?
– Para todos, sem exceção, inclusive para meus pais. Preciso que isso seja o mais verdadeiro possível ou ele me manda pra um colégio interno no meio do deserto sem internet. – Luke achou isso um exagero mas preferiu não questionar verbalmente, mas mentalmente pensava: porque Matteo não podia saber os termos do namoro que ele mesmo exigiu que Aisha começasse?
– Você podia ter pedido a qualquer um dos meninos da escola para namorar com você de verdade, por que eu? – ele pergunta, precisava sanar essa curiosidade.
– Você é o menos pior entre aqueles otários infantis e bom, não sou do tipo que namora de verdade, acho que você já dever ter percebido isso.
É, Luke já tinha percebido e essa percepção o machucava na mesma proporção que o trazia mais dúvidas, quem era o cara no quarto dela então?
– Então, o que preciso fazer? Quais são limites e até onde vamos com essa história?
– É simples, mãos dadas nos corredores da escola, jantar com minha família e talvez você durma na minha casa uma noite ou outra...
Luke quase se engasgou com a água que bebia no instante que ouviu aquilo. A ideia de andar de mãos dadas com ela o tempo todo e conhecer seus pais já era difícil de assimilar, ainda mais para ele que já estava apaixonado por ela e também temia – mesmo sem conhecer pessoalmente – a figura do patriarca Andrews graças a todos os boatos.
Não que ele nunca tivesse sonhado em dormir com ela, havia a desejado desde o dia em que a conheceu mas não imaginou que isso aconteceria dessa forma, não queria que fosse dessa forma. Definitivamente era um limite que precisava ser estabelecido.
– Dormir juntos? – disse tentando limpar a bagunça que tinha feito na mesa quando se assustou.
– Ai meu Deus, Davis. Não pense nada pecaminoso, não vai acontecer nada intimo entre nós mas meu pai me conhece bem, ele vai saber que é mentira por conta dos meus últimos... casos.
Se referia aos seus ficantes que quase todas as semanas levava em casa para dormir, era praticamente tradição de Matteo expulsa-los pela manhã depois dar uma bronca interminável sobre a falta de descrição e exposição desnecessária de Aisha, que ignorava o discurso moral e voltava a repetir as atitudes na semana seguinte.
– No outro dia você deu a entender que... ele começou a dizer, não queria que rolasse nada nesses termos e precisava estar cem por cento certo que Aisha facilitaria as coisas para ele.
– Eu não estava falando sério, não gosto de misturar negócios com prazer. – Aisha gargalhou, já estava ficando um pouco alta por conta do vinho.
– É melhor que seja assim mesmo, prefiro que a gente evite beijos a todo instante e tenho uma condição.
– Qual? – perguntou curiosa.
– Que a gente não fique com mais ninguém enquanto estivermos fingindo estar juntos – ela se surpreendeu com isso – as pessoas já não me levam a sério e riem de mim sem eu dar motivos, imagine sendo o chifrudo da história.
– Tudo bem, posso lidar com isso. Serão só alguns meses, afinal.
Algo dentro de Luke se tranquilizou com isso. Seu ciúme, na verdade. Essa fidelidade que teriam durante o trato implicava que ela não veria o homem misterioso ao menos enquanto estivessem “juntos”.
Passaram mais algum tempo conversando e debatendo o acordo. Deixaram previamente estabelecido que duraria no máximo até as festas de fim de ano, que cada um organizaria um pequeno jantar em sua casa para falarem com seus pais, que sairiam juntos mais algumas vezes para as pessoas não se espantarem com a rapidez do namoro e aproveitariam essas saídas para se conhecerem melhor. Além do que os olhos podiam ver, nem Aisha e nem Luke sabiam nada um do outro e para que a mentira desse certo, precisavam mudar isso.
– Eu nasci no dia quatorze de maio e você no dia vinte de oito de agosto, significa que sou mais velha que você e... minha nossa Senhora da Chanel Reissue, você fez aniversário um dia desses – ela concluiu, já estava com a fala um pouco enrolada e ria mais alto que o normal.
– E você já está meio bêbada demais para continuar bebendo, não acha?
– Não seja igual meu pai, Luke – disse fazendo bico.
Ele decidiu que mesmo sendo relativamente cedo já estava na hora de irem, antes que Aisha fizesse ou dissesse algo que a faria se arrepender depois. Luke segurou em sua mão e a abraçou pela cintura para ajudá-la a andar disfarçando o quão alcoolizada estava. Ela não relutou, esperou que ele pagasse a conta e saíram do restaurante sem destino previamente pensado.
Aisha era experiente com o álcool, sabia até onde podia beber sem ter nenhum sintoma evidente de embriaguez mas haviam as raras exceções onde ela cruzava os seus limites e bebia além da conta propositalmente. Não o suficiente para dar vexame mas em grande quantidade para se sentir dormente. Tinha feito isso em algumas festas para esquecer algumas brigas e problemas mas sem dúvidas a mais grave foi no seu aniversário de dezessete anos, buscou na bebida a coragem para poder lidar com todo aquele circo.
Desta vez não era especificamente por ter cada dia mais problemas com os próprios pais, nem para suportar Luke. Neste dia em específico, pouco depois de perguntar a Elena se poderia sair para jantar com uma amiga do colégio, decidiu que abriria algumas caixas antigas que ficavam praticamente escondidas no closet. Queria encontrar um par de brincos de esmeraldas que não via mais desde a mudança, pensou que alguém poderia ter guardado ali por engano enquanto arrumavam tudo.
Só que o choque de Aisha foi grande ao abrir a primeira caixa e já dar logo de cara com as recordações que tinha da infância, da irmã, mais precisamente. Alguns brinquedos, roupas, uma foto das duas brincando no jardim de uma outra casa que moraram por algum tempo. Eram sentimentos demais, emoções demais guardadas em uma caixa empoeirada.
Aisha desistiu dos brincos, pôs as lembranças de volta no lugar onde estavam, foi se arrumar de forma terapêutica e decidiu esquecer o que não merecia ser recordado.
Às vezes algumas coisas são pesadas e inesperadas demais para as pessoas lidarem com isso sem estímulos externos. Ao menos Aisha achava que naquela noite poderia se permitir sair um pouco da linha e beber para não precisar lidar com seus sentimentos mais íntimos.
– Para onde vamos? – ela perguntou.
– Pensei em te levar para sua casa mas não estou vendo o carro da sua família, acho que seu motorista saiu, vou ter que chamar um táxi.
– Se meu pai ver que estou assim vai me matar – riu.
– Não quer que eu te leve para casa?
– Definitivamente não.
Luke pensou bem no que deveria fazer. Não podia abandoná-la bêbada na rua, aparentemente não podia levar ela para a casa dela – ainda não estava pronto para conhecer os sogros e Aisha parecia também não querer ir – e também achava cedo leva-la para sua casa.
Era um dilema e das três opções, a “menos pior” era tentar entrar escondido pela janela do seu quarto no segundo andar com uma garota bêbada.
Ele chamou um táxi e enquanto pensava no que diria caso sua mãe acordasse, Aisha cantarolava animadamente a música que tocava na rádio. Com certeza não facilitaria muito a entrada deles na casa se chegasse gritando assim.
– Aisha, preste bem atenção no que vou dizer – ela o olhou nos olhos e por um breve momento Luke ficou hipnotizado esquecendo o que iria dizer – vou te levar para a minha casa mas você vai ter que ficar em silêncio, ok? Minha mãe não pode te ver assim. – ela assentiu com a cabeça e parou a cantoria, ficando apenas em silêncio no restante do caminho.
Foi um silêncio um pouco ensurdecedor, Luke estranhou mas rezou para que ela continuasse assim até pelo menos conseguir subir e entrar no quarto já que o mesmo tinha um bom isolamento acústico.
A cena seguinte parecia fazer parte de um filme de comédia romântica. Assim que saíram do carro Aisha simplesmente se sentou na grama no meio do quintal, tirou os sapatos e deitou olhando para as estrelas.
– O que está fazendo? – ele perguntou – alguém pode te ver e...
– Shiu – ela colocou o indicador sobe a boca dele fazendo-o parar de falar no mesmo instante e voltou a se deitar.
Luke percebeu que não adiantaria chama-la de novo e deitou ao seu lado. A noite estava estrelada e bonita, batia uma breve brisa no rosto deles enquanto contemplavam a beleza do céu.
– Isso é tão lindo, nunca tinha parado para observar o céu dessa forma.
– Eu estou muito bêbada – Aisha riu espontaneamente e Luke gargalhou junto, não esperava que ela fosse dizer isso.
– Porque?
– O quê?
– Porque bebe dessa forma?
Aisha pensou e ficou em silêncio por alguns minutos, cogitou responder com sinceridade mas optou pela sua ironia habitual.
– Pelo mesmo motivo que pessoais normais com dezessete anos bebem, em que século você vive?
– No mesmo que você mas eu não preciso de álcool para viver.
– Não tenho interesse em sessões de terapia agora, – ela revirou os olhos e tentou se levantar – comecei a fazer quando criança mas nenhuma terapeuta me aturou por muito tempo.
– Nem consigo imaginar o motivo, você é tão doce! – Luke ironizou enquanto também se levantava.
Ao tentar se afastar de Luke rapidamente, Aisha se sentiu tonta e suas pernas ameaçaram fraquejar, antes que pudesse cair sentiu as mãos firmes dele a tocarem pela cintura. Neste momento, seus olhares se encontraram, se conectaram tal qual como quando estiveram próximos dessa forma no dia em que conheceram. Tudo aconteceu rapidamente mas houve tempo o suficiente para que ocorresse uma dança entre o azul e o verde oliva dos olhos de ambos.
– Você está bem? – ele perguntou.
Ela não verbalizou, apenas balançou a cabeça.
– Vem, vamos subir pela janela do meu quarto, você toma um banho, se recupera e eu te acompanho até a sua casa.
Aisha permaneceu em silêncio, estava pensando no pequeno e breve sentimento que a troca de olhares a causou. Era tão pequeno quanto uma ervilha, mas estava ali dentro dela, a incomodando como se essa ervilha estivesse de baixo de quatorze colchões.
Era como se seu coração fosse uma caixa fechada e escura onde, em poucos segundos, surgiu um pequeno buraquinho que permitiu um fino feixe de luz entrar.
Luke a ajudou a subir se apoiando a um cano que tinha próximo a janela, ela ainda estava zonza mas ele se manteve perto para segurá-la se fosse necessário. Assim que entraram no quarto, Aisha se sentou em uma poltrona próxima a cama e Luke foi ao closet pegar uma toalha e itens de higiene para ela. Aproveitou os minutos sozinhos para pensar, se questionar do porquê de ter aceitado uma proposta tão insana. Nem se quer disse qual era favor que queria para ajudá-la, a deixou falar sobre si e a observou, focou e gravou cada detalhe daquele rosto e principalmente, daqueles olhos marcantes.
Pensou também que provavelmente estava certo em pensar que ela tinha uma vida difícil, que tinha problemas com os pais mas não imaginava quais eram. Havia percebido a mudança dela, tanto física quanto comportamental, agora ela era mais gentil com os outros alunos da escola, mais sociável, só que com ele, Aisha não disfarçava, não fingia ser boa e amável.
Tudo era estranho, misterioso, até mesmo instigante.
No quarto, Aisha só pensava em afastar aquelas migalhas de sentimentos para longe de si. Se questionou se ter escolhido Luke foi uma boa ideia. Os arrepios que a proximidade de ambos ocasionaram, os pensamentos, os olhares...
Tudo isso só mexia com ela porque no fundo sabia que dentre todos os garotos com os quais convivia, ele era o único que a despertava mais que tesão. Não sabia definir o que sentia mas existia algo preso no seu coração que não pretendia deixar sair.
Assim que ouviu os passos de Luke retornando para o quarto, Aisha fechou os olhos e fingiu dormir, não queria encará-lo ainda e tão pouco ter que voltar para casa e se justificar para Matteo.
Quando Luke entrou, viu que Aisha já estava dormindo e pela posição dela jogada na poltrona imaginou que não estava nada confortável, então a pegou no colo e a levou para a cama. Tirou apenas seus sapatos e a cobriu, depois, foi para a poltrona que ela estava antes e se permitiu cochilar sentindo o cheiro dela que já havia ficado marcado nas almofadas.
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Aisha
Romance"NÃO SEI SE VOCÊ PERCEBEU, MAS EU NÃO TENHO UM CORAÇÃO PRA QUE POSSA CONQUISTAR" Luke Davis é um jovem peculiar e esquisito em Moon Garden, uma pacata e humilde cidade no interior dos Estados Unidos, sem muitas experiências e envolvimentos amorosos...