Ela conseguiu chegar na escola apenas cinco minutos atrasada, mas com um humor ainda pior do que quando acordou. Pular a primeira refeição do dia para vir ao que considerava um inferno era terrível.
A primeira coisa que reparou ao colocar seus saltos Louis Vuitton dentro da escola é que todos estavam nos corredores com os celulares nas mãos, alguns rindo e outros espantados com o que quer que seja.
Haviam cochichos por todos os lados e quando ela foi até o novo armário, escutou algumas meninas que não faziam questão de disfarçar a pauta da conversa.
– Não acredito que ela tenha tido coragem de vir para escola depois disso – Uma garota no armário ao lado diz para amiga.
– É uma vadia mesmo, não tem um pingo de vergonha. – A outra responde.
– Nem é tão bonita assim, não entendo porque todos eles vivem aos seus pés.
Aisha sentia que os olhares sobre ela poderiam perfura-la e não conseguiu se conter:
– Do que estão falando? – perguntou.
Elas se assustaram ao se darem conta que ela havia ouvido e viraram as costas sem responder, havia sido intencional da parte delas, mas não achavam que Aisha fosse questionar nada. Não queriam um conflito direto com a filha do poderoso magnata.
Essa atitude deixou óbvio que o que quer que estivesse acontecendo, tinha algo a ver diretamente com ela. Só então se deu conta que todos estavam praticamente apontando e a olhando. Isso não era incomum, mas hoje os olhares eram diferentes. Havia pena, deboche.
O que diabos estava acontecendo?
Lily passou por Aisha praticamente correndo – ou fugindo – e assim que a viu se aproximar desviou em direção ao banheiro. Elas haviam se afastado depois da primeira semana de aulas já que Aisha sempre preferia ficar sozinha e não parecia ter muito a dizer quando a outra se aproximava.
Aisha a seguiu, tinha algo de estranho acontecendo e o que quer que fosse, Lily sabia exatamente o que era.
– Lily, o que está acontecendo?
– Não sei do que está falando. – Ela responde com uma sobrancelha arqueada, parecendo que fugiria novamente na primeira brecha.
– É claro que sabe, você acabou de me evitar no corredor.
– Você me evita todos os dias no corredor, na sala, no refeitório, na biblioteca... Não somos amigas. – Suas palavras atingem Aisha como um soco, não acreditava que a pequena Lodge havia tido a audácia de dizer isso.
– O quê? Eu não estou evitando ninguém, só prefiro ficar sozinha e isso é normal.
– Sei que não sou boa o suficiente para ter uma amiga como Aisha Andrews e você mesma vem demonstrando que ninguém aqui é bom o suficiente para se aproximar.
– Por Deus, quanta bobagem...
– Bobagem? Semana passada a Gabriela da sala ao lado foi falar com você e você fingiu que não escutou!
– O quê?
– Todos souberam que você pediu pra trocar de armário com Luke, que você se recusou a fazer trabalho com a Alison e ainda disse pra Paulina que ela não devia se vestir como idiota quando ela foi te elogiar. Todos aqui te odeiam e talvez você mereça tudo o que falam no twitter.
Aisha ficou sem reação após ouvir isso, antes que pudesse dizer qualquer coisa, Lily abriu algo no celular e a mostrou.
Era um post no twitter. Sobre ela.
“Aisha Andrews é a vadia mais falsa que já conheci, fica comigo no meu carro desde que chegou a cidade e durante o dia age como se fosse decente.”
Os comentários conseguiam ser ainda piores:
“Ela já deu para todos do time. Deve ter uma doença.”
E o último foi a gota d’água para ela:
“É uma vadia assim como todas as Andrews. O pai dela gosta de mulheres assim.”
Sua primeira reação foi jogar o celular de Lily no grande espelho do banheiro e correr para procurar um lugar onde pudesse libertar as lágrimas que estavam presas. Não daria a ninguém o gostinho de vê-la frágil.
– Aisha, você está bem? Fiquei sabendo do que estão falando e... – Nicole disse tentando se aproximar mas ela não queria conversar com ninguém.
Isso não podia estar acontecendo de novo.
Quando era mais nova, havia jurado para si mesma que nunca mais deixaria ninguém a humilhar mas o filme estava se repetindo. A diferença, é que dessa vez não correria para casa como foi da última vez, agora, ela já sabia que não tinha mais ninguém no mundo que poderia ajuda-la. Precisaria enfrentar aquilo sozinha.
Aisha era apenas uma adolescente de dezessete anos, por mais que tivesse uma mentalidade a frente do seu tempo, não podia segurar sua pose de Femme Fatale em um momento assim, não depois do gatilho que aquela situação a trazia. Era a clara lembrança do pior dia de sua vida.
Depois de algum tempo procurando, finalmente conseguiu encontrar uma sala que não teria aulas naquele dia, onde poderia colocar sua mente em ordem e decidir o que faria. Havia sido envergonhada e pior, se Matteo soubesse daqueles boatos... não queria nem pensar no que ele poderia fazer.
Para sua sorte, a sala estava quase vazia, com exceção de um rosto conhecido sentado nos fundos. Aisha pensou em voltar para trás mas a ideia de lidar com aqueles malditos olhares novamente a enojavam.
– Também quis matar a primeira aula? – ele perguntou.
– Se importa se eu ficar aqui por um tempo?
– Claro, quer dizer, claro que pode ficar aqui, não me incomodo. – Assim que Luke olha diretamente para o rosto dela, sentiu que algo não estava certo e se aproximou – Você está bem?
“Você está bem?”
Aisha havia ouvido essa frase milhares de vezes desde nova. Charlotte sempre a perguntava se ela estava bem quando chegava em casa chorando após mais um episódio de bullying. Depois, estranhos a perguntaram isso inúmeras vezes quando sua irmã desapareceu. Nenhuma dessas vezes foi real, porque nenhum deles se importou verdadeiramente com a resposta. Mas, por que eles se importariam se nem mesmo seus pais ligam para isso?
Aisha sentiu o ar começar a sair dos seus pulmões e seu coração bater cada vez mais rápido.
Aquela pergunta havia sido a faísca que explodiria bomba atômica que tinha dentro de si.
Alguns tremores começaram pelas mãos e se estendem por todo o corpo.
Ela podia sentir como se estivesse se afogando e prestes a morrer. Milhares de pensamentos ocupam a mente dela e a sensação de morte evidente é cada momento mais presente.
“Vadia”
“Você me envergonha”
“Era tudo mentira, Ashie”
“Alguma coisa em você é real?”
Vozes, memórias, sentimentos. Um turbilhão de sensações terríveis e uma dor absurda por todo o corpo. Aisha abriu desesperadamente os primeiros botões da camisa social que usava para tentar respirar. Apertou suas unhas no que imaginava serem as próprias mãos.
Luke não sabia ao certo o que fazer, estava ciente que era uma crise de ansiedade mas nunca havia presenciado uma antes, não sabia como agir para ajuda-la e acabou fazendo a primeira coisa que passou por sua cabeça.
A abraçou.
A segurou com um pouco de força para que ela não se debatesse mais e depois de relutar e tentar se afastar, Aisha acabou se permitindo ser afagada. Demorou a abraça-lo de volta mas quando o fez, sentiu aos poucos que as vozes da sua cabeça estavam sendo silenciadas.
Ela saiu do transe gradativamente e se deu conta da situação. Estava sentada no chão, abraçada com Luke e com os seios – cobertos pelo sutiã – a mostra. Estava praticamente em seu colo enquanto ele acariciava seu cabelo dizendo que estava tudo bem.
Aisha se afastou um pouco para se recompor. Se sentia envergonhada por ter fraquejado por alguns minutos e ter deixado que ele presenciasse aquela crise de ansiedade. Começaram quando tinha apenas treze anos e aconteciam poucas vezes, mas eram intensas e ela sempre havia feito tudo o que podia para manter isso em segredo.
– Me desculpe.
Foi a única coisa que conseguiu dizer. Ele permaneceu calado e ela buscou coragem para continuar.
– Me desculpe por ter te expulsado da minha casa e agora te fazer presenciar essa vergonha.
– Não vejo motivo algum para sentir vergonha disso e nem se desculpar. É normal precisar de ajuda. Eu que te devo um pedido de desculpas por ter sido tão enxerido, não deveria ter tocado naquele assunto...
– Está tudo bem, eu exagerei, você não tem culpa dela ter sido uma péssima irmã. – disse sinceramente.
– Está bem para me contar o que causou essa crise? – ele pergunta como se já não soubesse dos boatos, mas pelo seu olhar era óbvio que estava ciente.
– Não sou o tipo de pessoa que desabafa – ele lançou um olhar triste e ela se sentiu na obrigação de ser um pouco mais gentil – Você já deve ter lido todas as coisas que disseram sobre mim. – Aisha disse com um tom de voz mais suave enquanto abotoava novamente a camisa.
– Na verdade, vi sim, mas não acho que sejam verdade, você não é esse tipo de pessoa. Aqui todos inventam coisas demais.
– Você se surpreenderia ao saber que tipo de pessoa eu sou.
– Me diga então. Quem é Aisha Andrews?
A primeira resposta que veio à mente de Aisha foi dizer que era uma grande vadia sem coração. Mas não era verdade. Não o tempo todo. Pensou em falar que era uma mulher inteligente que vai ser uma executiva excepcional mas nunca tinha sonhado com isso para sua vida, eram sonhos do seu pai impostos sobre ela. Por fim, pensou no seu lado mais frágil, que as vezes escrevia algumas músicas sobre coisas que não falava em voz alta para ninguém.
– Nem eu sei a resposta – Deixou uma risada breve escapar, Nicole estava realmente certa quando disse que a imaginava que a herdeira Andrews era uma pessoa quebrada e ela precisava mudar isso.
Havia sido boazinha demais por todos esses dias, sua essência estava sendo escondida, suas vinganças tinham ficado em segundo plano. Chega de ficar calada e abaixar a cabeça. Se eles já a odiavam mesmo quando se esforçava para ser amena e tranquila, iriam ter que lidar com a vadia que estava dentro dela e aí sim, a odiariam com motivos reais. Iriam se arrepender de tudo o que falaram.
Depois de um silencio ensurdecedor, Aisha pensou em levantar e ir embora, mas não antes de agradecer a Luke. Estava realmente agradecida pela ajuda que ele lhe deu naquele momento, mesmo depois dela ter sido tão injusta. Estava em dívida com ele.
– Obrigada, Davis. – Estendeu a mão para cumprimentá-lo de maneira cordial mas notou que ele as escondia dentro do moletom tentando disfarçar algo.
Ele não faria isso propositalmente se não tivesse motivo, mais uma vez naquele dia, Aisha sabia que tinha algo errado e sentiu a necessidade de insistir.
Então ela tocou seu braço e as poucos conseguiu revelar o que ele tentava esconder nos bolsos. Aisha não havia cravado suas unhas nas próprias mãos como pensava. Foram nas dele. Haviam algumas marcas e um pequeno fiozinho de sangue saindo por um dos machucados. Com certeza estava doendo mas ele não pensava em dizer.
Ela o olhou completamente sem palavras. Então o abraçou para abafar novamente tudo o que começava a surgir na própria mente, todos os seus questionamentos sobre amor e empatia.
Luke não esperava por isso mas o correspondeu quase que instantaneamente.
Assim que se soltam, azul e verde conversam de forma silenciosa, conectados como se ansiassem por esse momento a muito tempo. Sem pensar, por um completo impulso, ambos tomaram a iniciativa do beijo ao mesmo tempo.
Não se comparava ao beijo na boate. Este estava sendo coordenado sem malicia, era um sussurro de agradecimento. Era doce e sem pretensão alguma. Soava como um carinho desejado a muito tempo.
Ficaram ali aos beijos por mais alguns minutos mas Aisha sabia que não podia fraquejar novamente. Toda essa fragilidade só a tornava cada dia mais sentimental e ela não ia deixar ninguém a machucar de novo. Assim que o beijo terminasse, iria passar pela porta e tudo seria deixado para trás.
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Aisha
Romance"NÃO SEI SE VOCÊ PERCEBEU, MAS EU NÃO TENHO UM CORAÇÃO PRA QUE POSSA CONQUISTAR" Luke Davis é um jovem peculiar e esquisito em Moon Garden, uma pacata e humilde cidade no interior dos Estados Unidos, sem muitas experiências e envolvimentos amorosos...