Capítulo 10

9 1 0
                                    

Uma semana se passou desde todo aquele caos na escola.

Aisha não tinha saído do castigo nesse período e não podia nem se quer sair do quarto.

Desde então não havia se quer ouvido a voz de Matteo, muito menos a de Elena. Esperava que seu pai ainda estivesse com raiva, mas tinha se iludido brevemente que sua mãe apareceria e a tiraria do castigo assim como quando era criança e Charlotte não podia defende-la.

Os únicos que via eram os empregados que traziam comida e recolhiam apenas as roupas sujas, eles não tinham autorização de falar com ela. Também via Dean, que sabe Deus como arrumava um jeito de passar pelos seguranças novos – que o substituíram depois de ter sido demitido – e subia para o quarto dela pela janela que Aisha sempre abria quando via o sol começar a se pôr. Ela não tinha muitas opções, ou deixava que ele entrasse e a distraísse ou enlouqueceria sozinha.

Quem também não frequentou a escola por alguns dias foi Mason, que tinha quebrado a perna depois de uma queda no banheiro. Todos estranhavam já que tinha um olho roxo e alguns arranhões como se tivesse brigado, ou apanhado de alguém.

Matteo tinha se encarregado de achar alguém que pudesse deixar claro para o garoto que não podia mexer com um Andrews e ficar impune. Mesmo não suportando olhar na cara da filha e tendo sido financeiramente prejudicado por isso, tinha feito Mason jurar que desmentiria toda a história, faria um pedido de desculpas no mesmo perfil que usou para ataca-la e depois não se aproximaria mais dela em hipótese alguma. Matteo também cuidou dos amigos dele que tinham feito vários comentários maldosos. Bastou uma ligação para Abigail e uma doação generosa para que todos eles fossem seriamente advertidos e castigados por terem praticado bullying e difamação.

Mas nada tinha sido o suficiente para calar as más línguas. Ainda comentavam o assunto, especulavam sobre ela não ter frequentado a escola nos últimos dias e a solução que o patriarca arrumou foi absurda. Simplesmente publicou uma nota no twitter da família dizendo que Aisha estava muito deprimida pelo que disseram e estava vivendo uma depressão leve.

“Após o lamentável episódio de bullying, a herdeira do império Andrews, Aisha Andrews, foi diagnosticada com depressão de grau leve e está ausente de suas obrigações estudantis para fins de tratamento...”

Era mentira mas Lily, Nicole e Luke não sabiam disso.

Lily estava sinceramente arrependida de ter agido daquela forma. Estava tão acostumada a não ter amigos que quando a encarregaram de ajudar Aisha a se adaptar a escola, tinha se iludido que seriam amigas e ao ver que ela preferia se manter afastada de todos, teve suas expectativas frustradas. Quando viu a nota, sentiu a culpa pesar sob suas costas.

Nicole acabou tomando as dores de Aisha. A defendia a todo custo de todos os abutres da escola. Não a conhecia bem e não sabia se o que Mason disse era verdade mas julgava que ninguém deveria ser exposto e humilhado daquela forma. A procurou pelas redes sociais e mandou inúmeras mensagens mas não obteve nenhuma resposta e estava aflita por isso.

Já Luke havia ficado muito magoado com o que viu na janela, aqueles dias sem vê-la eram como uma dádiva para que aos poucos pudesse esquecer e apesar de preocupado, não a visitaria de novo por um profundo medo de ser novamente surpreendido. Ficava se remoendo sobre a veracidade da nota mas não tinha coragem de agir.

– Querida? – Aisha estava completamente coberta com os lençóis mas soube rapidamente de quem era a voz.

Elena entrou no quarto e começou a organizar brevemente o pequeno caos que havia por todos os lados. Abriu as janelas, deu nós nas cortinas e apanhou alguns travesseiros que estavam no chão.

– Que situação lastimável minha filha, levante-se e organize isso!

– Lembrou que tem filha? – Aisha praticamente cuspiu aquelas palavras, fazia dias que não via, nem falava com a mãe e Elena simplesmente agia como se nada tivesse acontecido.

– Me lembrei todos os dias mas algumas coisas não estão no meu alcance. – disse olhando nos olhos de Aisha – Antes que diga mais uma ironia, me poupe disso, você não sabe o que tive que passar para convencer seu pai a te tirar do castigo.

– Então finalmente estou livre? – Ela se concentrou apenas no fim da frase e ignorou o restante. Achava Elena uma falsa moralista.

– Sim, mas existem algumas condições.
Aisha já imaginava que haveriam condições rígidas, Matteo não cederia facilmente sem impor uma lista de novas obrigações.

– Mesmo com as inúmeras tentativas do seu pai de corrigir a situação, aqui não é o México – definitivamente não era nem parecido – é uma cidade pequena e as pessoas demoram a esquecer esses... boatos, então conversamos com nossa assessoria e para que seu pai não seja mais prejudicado nos negócios por conta desse pequeno percalço, você vai ter que mudar bruscamente de imagem.

– O quê? Já não tinham me obrigado a agir como uma boa samaritana? O que mais tenho que fazer, virar freira?

– Seria uma boa ideia – Aisha revirou os olhos – mas ainda não é para tanto. Pensamos em uma mudança no visual, algumas roupas diferentes, talvez você fazendo amizade com algumas jovens decentes e um namorado de boa família caia bem.

– La puta madre – a garota falou com seu sotaque espanhol – Que tipo de alucinógenos vocês estão usando? Não é possível que achem que vou arrumar uma namorado e fingir ter amigas para que o papai não perca mais alguns milhares de dólares.

– Isso não é negociável, ou você age como uma garota normal da sua idade ou vai sair de casa pra escola até os dezoito anos e depois estará por conta própria. – Aisha voltou a se cobrir com os lençóis – Eu odeio ser a porta voz das más notícias, mas ele está irredutível quanto a isso.

Ambas permaneceram em silêncio por um breve momento até a mais nova decidir que tinha uma última pergunta a fazer por hora.

– Porque não veio me ver ou ao menos tentou falar comigo?

– Ele não...

– Claro, mais uma vez você preferiu seu marido a própria filha.
– Aisha, eu não...

– Não se justifique, eu sinceramente não me importo mais.

Elena decidiu sair dali, mas ainda virada de costas para filha disse:

– O cabelereiro virá daqui uma hora, amanhã você vai receber uma visita e na segunda poderá voltar pra escola.

Aisha jogou na porta todos os travesseiros que a mãe tinha pego do chão. Estava irada, revoltada por não poder fazer o que queria da própria vida. Se já tinha se sentindo sufocada ao fingir ser uma boa moça, imaginava que aquele novo teatro seria ainda mais torturante. O único benefício dessa história é que retomaria sua liberdade mas não poderia pisar fora da linha ou perderia seus luxos e acabaria sozinha na vida. Já era sozinha, de certa forma, mas isso ainda poderia ficar pior e ela não queria pagar para ver.

O profissional contratado pela mãe para fazer a mudança nela não demorou a chegar. Ela até tentou opinar no que fariam com seu cabelo mas Sam – o cabelereiro – não lhe dirigiu muitas palavras.

Depois de uma nova tintura e um corte, ela se viu diante do grande espelho do quarto como uma pessoa totalmente diferente. Passou uma maquiagem mais leve do que a costumava usar para poder se visualizar com aquela nova imagem que teria que aderir.

O tom de preto – que ela usava desde que Charlotte tinha sumido – deu lugar a um castanho mais claro, parecido com a cor natural. Tinha também alguns centímetros de cabelo a menos e algumas mechas quase imperceptíveis que davam contraste e combinavam com seus olhos verde oliva e sua pele amarronzada.

Parecia outra pessoa, mais angelical.
Passou um tempo sentada em frente ao espelho se olhando. Se achava bonita mas não se sentia ela mesma. Era como se tivessem apagado seu brilho.

– Aisha?

Dean chamou tentando entrar pela janela que ela tinha esquecido de abrir.

– O que houve com seu cabelo? – foi a primeira coisa que ele disse ao finalmente entrar.

– Saí do castigo mas meu cabelo foi um dos preços a serem pagos.

– Isso é bom, porque não está feliz?

Ela pensou na história do namorado que precisaria arrumar alguém para completar o show das boas aparências. Dean seria um bom candidato para isso se não tivesse sido seu segurança. Mesmo sem sentir nada palpável por ele, não seria muito difícil fingir, tinham química e ele entendia um pouco da maluquice da sua família.
Mas Matteo jamais permitiria.

– Um das condições do meu pai é que eu arrume um namorado para que parem de falar que sou uma vadia inconsequente.

– Tudo bem, nós podemos tentar um namoro. – Dean disse – Eu imaginava que as coisas entre nós fluiriam naturalmente até darmos esse passo mas se precisamos antecipar as coisas por conta do seu pai, tudo bem por mim.

– Você está entendendo tudo errado, eu não posso namorar com você.

– Porque não? Temos algo fazem anos, nos damos bem e eu tenho coragem de enfrenta-lo, é tudo o que você precisa em um homem.

– Tenho duas boas razões para não aceitar a sua ideia maluca. A primeira é que ele jamais te aceitaria e a segunda é...

– Que eu sou apenas um segurançazinho? – Dean a agarrou pelos braços com força suficiente para ela ser mentalmente alertada que ele estava perdendo o controle – É isso que ia dizer?

– Sim, você é apenas um segurançazinho que nem se quer arrumou onde trabalhar ainda e eu, escute bem o que vou dizer, eu não sinto nada por você e nunca vou sentir! – magoa-lo seria a maneira mais fácil de fazê-lo desencanar de vez.

Dean a soltou na mesma hora e passou a mão pelos cabelos que estavam um pouco engrenhados tentando se acalmar e processar o que tinha acabado de ouvir.

– Se você estiver decidida a procurar um idiota para namorar e enganar, eu vou embora e não serei mais o seu amante!
Aisha passou por ele, desatou os nós nas cortinas que sua mãe tinha feito mais cedo e abriu a janela que tinha sido fechada quando ele entrou.

– Saia – ela disse apontando para fora.
Dean saiu. Machucado, com dor no coração, mas com um desejo de vingança cada segundo mais crescente dentro de si.
Aisha pagaria caro por tê-lo feito de bobo.

AishaOnde histórias criam vida. Descubra agora