Capítulo 12 - Marco Voiny

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Marco ainda se lembrava do dia em que percebeu que sua mãe não estava ali, quando a encarou e tudo que viu foi um fantasma, um eco distante e doloroso da pessoa que ela costumava ser, se lembrava de ter chorado para ela, esperando que ela consertasse tudo, que fizesse aquela dor ir embora – afinal, era isso que as mães faziam, certo? Faziam o dodói sumir, resolviam todos os problemas, tinham todas as respostas –, mas tudo que recebeu foi um olhar vazio e irreconhecível.

Foi a primeira vez na vida que Marco sentiu solidão, não era um sentimento que estava acostumado, Bruno e Jane costumavam ser presenças enormes, que ocupavam espaço, riam alto, dançavam na sala, tudo parecia possível com eles, seguro, confortável.

Era o tipo de presença que assustava quem não os conhecia, mas Marco cresceu naquele meio, cresceu com o pai cantando no café da manhã alguma música que ele criou na hora sobre como café não é para crianças e açúcar em excesso faz mal, com a mãe montando palavras na sopa de letrinhas quando ele tinha dificuldades de soletrar algo em português – afinal, não era sua primeira língua –, com os dois contando histórias antes de colocar as crianças na cama. Para Marco, aquele era o normal, aquela era a forma como as famílias agiam, a presença deles não era grande demais, era perfeita, cabia a família toda e quem mais quisesse se juntar.

Para ele, era o tipo de presença cuja ausência deixava um buraco grande demais.

Então, aos doze anos, Marco se viu em um novo país, uma nova escola, conhecendo novas pessoas em uma linguagem que conhecia bem, mas ainda não estava acostumado a usar o tempo todo, e completamente sozinho.

Ele esperou alguns dias, esperou pela mãe, esperou que ela levantasse de seu coma emocional, esperou que ela acordasse um belo dia, fizesse uma sopa de letrinhas mostrando uma palavra que um colega de escola disse e ele não entendeu muito bem, e sorrisse dançando com as pequenas na sala, mas esse dia não chegou, então Marco decidiu que faria esse papel sozinho.

Bruno e Jane tinham presenças enormes? Certo, então a dele seria maior ainda, ele ocuparia todo aquele espaço, ele tomaria as rédeas da situação, não poderia esperar por ninguém afinal.

Naquele dia, Marco se levantou e levou o último pedaço de pão que tinham na casa para a mãe no café da manhã, desembaraçou os cabelos dela com calma, os cobriu com um lenço de seda para preservar os cachos tão bonitos, notando que a raíz escura de seus cabelos estava crescendo de novo, e a obrigou a tomar um banho enquanto ele trocava os lençóis da cama por lençóis limpos.

A mãe não disse muito naquele dia, obedeceu de cabeça baixa, quase envergonhada, e lançou sorrisos tristes na direção do filho, mas, acima de tudo, pareceu aliviada quando ele permitiu que ela voltasse para a cama.

Depois disso, conferiu que as irmãs ainda estavam dormindo e saiu para comprar o café da manhã dos três com o pouco dinheiro que achou na bolsa da mãe, sabia que aquelas economias não durariam para sempre, que precisava arranjar um jeito de conseguir dinheiro enquanto a mãe não se recuperava, mas não havia muito o que fazer.

Karin precisava de leite, Tess precisava de comida, ele mesmo precisava de algo para mantê-lo forte em fase de crescimento, e, por mais que o desespero começasse a bater em sua porta, Marco não deixaria de alimentá-las de forma alguma.

Para sua surpresa, ao chegar em casa com fórmula para Karin que ainda precisava, e pão e leite para ele e Tessa, viu a irmã do meio arrumando a mesa para recebê-lo, ela já tinha colocado Karin em sua cadeirinha e, embora a bebê chorasse, a caçula já estava limpa e vestida, pronta para começar um novo dia.

Uma pontada dolorosa de orgulho atravessou seu peito, orgulho por Tessa ter começado a dar seus primeiros passos para ocupar o espaço deixado pelos pais, e dor pois nenhum deles deveria estar passando por isso, mas Marco aceitou a ajuda de bom grado e bagunçou os cabelos da irmã em agradecimento.

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