A Voz do Silêncio

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A voz do juiz ecoava pela praça, anunciando o nome da próxima vítima.

Era Guinevere, a curandeira da aldeia. Seu coração, que outrora pulsava com esperança, agora se afundava em desespero. Ela havia dedicado sua vida a cuidar dos outros, a trazer alívio aos doentes e conforto aos aflitos. Mas diante daquela multidão hostil, percebeu que suas boas ações não foram suficientes para protegê-la.

Guinevere tinha sido uma presença constante na vida das pessoas ao seu redor. Ela trazia remédios para os enfermos, curava feridas com suas ervas medicinais e acalmava as mentes inquietas com suas palavras de sabedoria. Acreditava que seus atos de bondade seriam um escudo contra as acusações infundadas, que aqueles a quem ela havia ajudado se levantariam em sua defesa.

No entanto, a ilusão da justiça e do apoio se desfez diante de seus olhos. As mesmas pessoas que ela havia ajudado, aqueles cujas dores havia aliviado, se voltaram contra ela. Suas esperanças foram esmagadas pelas mentiras que ecoavam pela multidão, pelas acusações falsas que manchavam sua reputação.

Enquanto os olhares de ódio e desprezo a envolviam, Guinevere sentia seu coração apertado em agonia. Ela não podia acreditar que aqueles que ela havia tocado com compaixão e cura pudessem ser tão cruéis. Ela se sentia traída, abandonada pela fé que tinha depositado na humanidade.

Ao longo dos anos, Guinevere tinha se convencido de que seu amor e dedicação pelos outros seriam seu escudo, um amuleto contra a maldade do mundo. Mas ali, diante do juiz implacável e de uma multidão sedenta por sangue, sua inocência parecia se dissipar como fumaça.

Com passos firmes, ela foi conduzida até o estrado, onde uma corda aguardava para selar seu destino.

Ela sentiu o coração acelerar descontroladamente enquanto os guardas a amarravam ao poste, os nós apertando sua pele delicada. O frio metálico das correntes contra seus pulsos enviava calafrios por todo o seu corpo, trazendo uma mistura aterrorizante de sensações. Cada movimento dos guardas era como uma nota dissonante em uma melodia sombria, ecoando em sua mente.

Os olhos dela percorriam o ambiente ao redor, captando cada detalhe com uma clareza assustadora. A atmosfera pesada parecia comprimir seu peito, dificultando sua respiração. O odor acre da madeira queimada e do suor impregnava suas narinas, misturando-se com o cheiro de medo que emanava dela mesma.

Enquanto o laço de corda se apertava lentamente em volta de sua garganta, uma mistura de desespero e resignação se entrelaçava em sua mente. Era como se o tempo se distorcesse, esticando aquele momento angustiante indefinidamente. Cada segundo parecia uma eternidade, trazendo consigo um turbilhão de emoções que a inundava.

A ansiedade formigava em cada fibra do seu ser, intensificada pelo sussurro do vento que parecia ecoar seus pensamentos sombrios. Seus músculos tremiam involuntariamente, uma manifestação física da tensão que se acumulava dentro dela. O peso do destino iminente pressionava contra seus ombros, fazendo-a curvar-se sob a opressão.

A realidade do momento se instalava, e a melancolia envolvia sua alma como um véu escuro. O silêncio solene que pairava sobre o local parecia ecoar a tristeza de uma vida interrompida abruptamente. O mundo ao seu redor perdia as cores, transformando-se em um mosaico cinzento e desolado.

Por mais que lutasse contra o inevitável, uma espécie de aceitação dolorosa começava a se formar dentro dela. Não havia mais espaço para resistência ou esperança. Restava apenas a serenidade melancólica de quem havia perdido todas as batalhas e agora se rendia à crueza da existência.

E assim, envolta em um mar de emoções contraditórias, ela ansiava pelo fim daquele tormento. Cada batida do seu coração parecia um lembrete doloroso de sua própria mortalidade. No limiar entre a vida e a morte, ela buscava um último suspiro de coragem para enfrentar o destino com a dignidade que lhe restava.

Ela sentiu um aperto no peito ao encarar os olhares de ódio e desprezo que lhe eram dirigidos pela multidão. Cada olhar carregado de desconfiança perfurava sua alma, deixando marcas profundas em seu espírito sensível. A sensação de traição ecoava em seu âmago, como se suas raízes naquela comunidade estivessem sendo arrancadas uma a uma.

O juiz pronunciava as acusações, sua mente clamava por justiça, por um vislumbre de compreensão no olhar de alguém. As palavras mentirosas pareciam cortar sua pele, ferindo-a como lâminas afiadas que rasgavam sua reputação e a imagem que ela construíra com tanto cuidado ao longo dos anos.

Cada acusação injusta era uma facada em seu coração compassivo, que havia se dedicado incansavelmente a trazer cura e alívio aos aflitos. O eco das palavras proferidas parecia desafiar a essência de sua bondade, questionando sua integridade e manchando sua reputação. Ela se perguntava como aqueles que ela ajudara poderiam se voltar contra ela, traindo a confiança que um dia compartilharam.

Seu olhar buscava desesperadamente o rosto familiar, esperando encontrar um sinal de apoio entre a multidão. Mas o silêncio prevalecia, e a ausência de vozes solidárias mergulhava seu coração em uma solidão profunda. Ela estava sozinha, cercada por uma tempestade de acusações e testemunhas que se viraram contra ela, cada uma delas um golpe contra sua fé na humanidade.

Mesmo diante da traição e da injustiça, ela não podia negar sua verdade interior. As lágrimas teimavam em rolar por suas bochechas, testemunhas silenciosas de sua dor e indignação. Ela sabia, em seu âmago, que suas mãos jamais se sujaram com o sangue inocente, que suas intenções sempre foram guiadas pelo amor e pela compaixão.

Ela ergueu o queixo com determinação, apesar da tristeza que a consumia. Seu espírito não seria quebrado pela maldade dos outros. Pois, no fundo de seu coração, ela sabia que a verdade era mais poderosa do que qualquer calúnia, e sua coragem resistiria mesmo diante da adversidade mais terrível.

Guinevere, a bruxa benevolente, sentiu um vendaval de emoções atingir seu ser enquanto a traição a engolfava como uma tempestade implacável. A incredulidade se misturava com a tristeza profunda, e uma ferida de decepção se abria em seu coração. Era uma dor indescritível, ver aqueles a quem ela dedicou seu amor e magia se voltarem contra ela.

Lágrimas ardentes ameaçavam inundar seus olhos, mas ela reprimiu o impulso de fraquejar diante de seus algozes. O fogo de sua determinação e orgulho queimava dentro dela, como um lembrete de sua verdadeira essência. Ela não permitiria que eles a destruíssem completamente.

Ela iria morrer com dignidade e orgulho. Sabia que os Deuses verdadeiros iriam julgá-la com justiça e bondade.

Enquanto o veredito cruel era proferido, a voz do juiz ecoando em seus ouvidos, Guinevere sentiu seu corpo tremer com uma mistura de indignação e resignação. O peso das palavras da sentença parecia esmagá-la, cada sílaba como uma adaga que perfurava sua alma. A morte por enforcamento e fogo - uma punição tão brutal e final.

O rugido ensurdecedor da multidão, celebrando sua desgraça, ressoava em seus ouvidos como uma sinfonia macabra. Cada aplauso, cada grito de satisfação, perfurava sua consciência como uma punhalada. Como poderiam ser tão cegos para as boas ações que ela realizou? Como poderiam esquecer as vidas que ela salvou e o alívio que trouxe a tantos?

Um grito primal, carregado de dor e mágoa, rasgou os céus enquanto o nó da corda apertava em seu pescoço. Era um grito de protesto contra a injustiça, um grito de agonia perante a traição que a consumiu. Ecoou na praça, como uma lembrança sombria da crueldade humana.

Um grito que foi abafado por um suspiro quebrado.

Enquanto a vida se esvaía de seu corpo, uma angústia insondável a envolveu. Nos confins da morte iminente, Guinevere lamentou a traição que nunca compreenderia.

Ela morreu sem saber que o veneno da traição se escondia onde menos esperava, que alguém que ela amava a havia apunhalado pelas costas. Sua partida deixou um vácuo de dor e incompreensão, uma lembrança amarga da maldade que pode se ocultar nos corações humanos.

Herdeiros do Destino - Contos de AranthiaOnde histórias criam vida. Descubra agora