Capítulo I: O Palhaço e o Rato

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"Eu quero ser livre! Por muito tempo pensei que liberdade fosse só uma ilusão para nossos cérebros maldosos, mas as coisas mudaram quando eu te vi."

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O bobo da corte saltitava desesperadamente ao redor da tenda, a procura de sua liberdade.

Enquanto seus colegas reclamavam, o astuto Nikolai gogol usava seus talentos com tecidos acrobáticos para impressionar a plateia. Eram as roupas que ele vestia que os faziam pensar que ele fosse um palhaço. Não eram típicas que um comediante usa, mas as cartas que ele jogava para plateia, as quedas que ocorriam no palco, a trança torta e a personalidade do acrobata que diziam o contrário.

Ele apresentava várias coisas dentro do circo, seus diversos talentos mantinham a plateia entretida. Muitos de seus colegas o invejavam por isso, dizendo que ele deveria estar em hospício, não em um circo. Nikolai gostaria de ser outra pessoa ou, melhor dizendo, outra coisa.

Pássaros! Essas criaturas engenhosas o faziam se perguntar se algum dia ele conseguiria ser como elas, livres de tudo que as restringem.

Ele observava os pássaros naquela tarde quando a bailarina o chamou. Já estava na hora do seu show.

Assim que Nikolai entrou no palco, ele imediatamente foi alvo de várias risadas do público. Todos sempre riam, mas ele já estava acostumado com isso. Ele continuou seu show com um sorriso estampado no rosto, fazendo acrobacias perigosas no tecido enquanto a plateia ria descaradamente.

Foi quando ele percebeu, no fundo da tenda, perto da porta, um jovem o contemplava. Ele não ria, apenas admirava os movimentos e truques do acrobata de traje branco.

Isso continuou por uma semana inteira. Ele sempre vinha, assistia o show e ia embora, sem exigir nada de especial. O artista estava realmente intrigado com a identidade daquele jovem.

Nikolai sempre foi alguém que se deixava levar pela curiosidade. Assim que o show acabou, ele pegou sua bengala e sua capa e foi atrás do homem, que já tinha adentrado a mata ao redor da tenda.

A floresta que ficava em volta do picadeiro era labiríntica, sempre escura, mesmo no meio de uma terde como aquela. Como o bobo da corte já havia tentado escapar várias vezes, aquele matagal era comparável à seu quintal. Logo, ele achou o rapaz de chapéu ushanka.

Ele estava sentado perto de uma árvore e parecia muito desconfortável. Seus olhos cansados pousados sobre um livro de capa grossa. Os pássaros do local olhavam curiosos, em busca de alimento.

— O que você está lendo? — Nikolai perguntou se agachando junto aos pássaros. O moreno olhou indiferente e estedeu o livro em sua direção.

— A Bíblia — ele soltou o livro, que caiu pesado como um tijolo, e encarou o de cabelos brancos. — Você é o bobo da corte.

Nikolai nunca se sentiu tão honrado em sua vida.

— Haha! Finalmente alguém sabe a diferença entre palhaço e bobo da corte! — Ele segurou as mãos do moreno e girou com ele em volta dos pássaros enquanto ria.

O jovem que usava chapéu ushanka soltou suas mãos com pressa, como se segurar o acrobata por mais tempo o faria ficar doente. Nikolai caiu no chão de terra com o rosto cheio de sorrisos.

— O que você está fazendo aqui? Qual é seu nome? — O acrobata perguntou, curioso, se sentando no chão em frente dele.

— Fyodor Dostoyevsky — ele respondeu, voltando a se sentar no seu tronco e pegando a Bíblia do chão, batendo de leve para tirar a terra do livro. — Lamento em informar que o que eu procuro não é de seu interesse — ele voltou a abrir o livro e não se importou com a presença do bobo da corte.

— Eu sou Nikolai Gogol! O bobo da corte mais habilidoso do Circo de Copas! Prazer em conhecê-lo, Dostoy! — Ele se apresentou, girando em volta de si mesmo e fazendo movimentos exagerados com sua bengala. O moreno ergueu as sobrancelhas.

— Eu estou procurando um usuário de habilidade teletransporte — ele revelou depois de um tempo de silêncio encarando o artista. O acrobata riu baixinho.

— Parece que encontrou o bobo certo! — Ele exclamou, fazendo a Bíblia que estava na mão de Fyodor ir para sua com um pequeno buraco roxo por dentro de sua capa. — O que você precisa, Dostoy?

O jovem crente o encarou por um tempo, como se pensasse o que seria preciso fazer. Nikolai, ao ver seu rosto, não conseguia parar de soltar risinhos aleatórios. Foi quando ficou entediado e bolou uma ideia genial!

— Hora do Quiz! — Ele gritou, levantando e rodopiando. — Vamos as regras! — Anunciou, parando e apontando o indicador para Fyodor. — Eu vou fazer perguntas e, se você acertar todas, eu vou ir com você aonde quer que você queira! Caso o contrário, você terá que me ajudar a realizar meu maior e único desejo: Ser livre! Você acha que consegue?

Fyodor sorriu pequeno e assentiu com a cabeça, aceitando participar do jogo.

— Primeira pergunta!: — Nikolai anunciou, apontando para si mesmo. — Quantas pessoas eu já matei? — Ele abriu um sorriso maior ainda. Fyodor estava esperando esse tipo de pergunta, tanto que respondeu com calma e astúcia, exibindo um sorriso paciente.

— Sete, até agora. Um feito não tão surpreendente para alguém como você — o acrobata riu presunçosamente, se reverenciando e deixando a longa trança branca cair em seu ombro direito.

— Correto! — Ele gritou, gargalhando. Ele usou sua habilidade para fazer sua mão chegar a cabeça do crente, derrubando o chapéu. — Próxima pergunta: Por que eu trabalho no circo?

Dessa vez, Fyodor achou a pergunta ainda mais fácil. Colocando o chapéu na cabeça de novo, ele respondeu:

— Porque se pendurar naqueles tecidos te faz se sentir como um pássaro. Você relaciona a sua liberdade a eles — ele guardou a Bíblia dentro de sua capa preta. O bobo da corte enrolava sua trança no indicador enquanto estava deitado na terra, balançando seus pés no vento.

— Isso mesmo! — Ele se levantou com um salto. — Agora, a tão esperada última pergunta... — Ele parou de sorrir, tirando a carta de seu olho direito. — Qual é a sua habilidade, Dostoy?

Seu olho direito era completamente vago, sem vida e sem refletir nenhuma luz. Dostoyevski olhou para seus olhos, sorrindo para a cicatriz de seu olho esquerdo, que era pálido, mas desmonstrava alguma emoção. De fato, seu novo amigo não era tão bobo quanto parecia, porém revelar aquele tão estimado segredo não estava em seus planos. Ele deixou o palhaço ganhar o jogo.

— Sinto lhe informar que não posso revelar a resposta para sua pergunta — ele se levantou do tronco e passou por Nikolai, que agora colocava a carta de volta no lugar. — Eu vou anular todos que restringirem sua liberdade, começando com aquela miséria de circo.

Nikolai não pode ver que toda a serenidade da expressão de Fyodor tinha se esvaido, ele agora encarava a tenda com seu típico olhar sem emoção. O artista riu baixinho, assistindo Fyodor se dirigir até a construção colorida. Não demorou muito tempo até que ele voltasse, com uma mancha de sangue em sua bochecha e uma mala roxa nas mãos.

— Nada mal! — Riu o acrobata, checando se todos os seus pertences realmente estavam dentro dela. — Onde será o próximo show?

Dentro da mala se encontravam seus tecidos. Ele sorriu ao reencontrar os trajes e cartas. Esse tal de Fyodor certamente estava o espionando por todo esse tempo, o que era interessante aos olhos do acrobata.

— Moscow — Fyodor contou, limpando o sangue de sua bochecha com um sorriso paciente. — Deixe eles de boca aberta.


[Revisado 18/2]

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