Tudo que restou

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Na fria e sombria paisagem da tragédia, meu marido encontrou seu fim como um herói, o alicerce da família que me foi dado como uma bênção e que foi cruelmente roubado de mim no dia fatídico do apocalipse. Mesmo diante da devastação, precisei me manter firme, pela sobrevivência do Alex e por minha própria sanidade. Mas estar tão perto daquele que tirou tudo de mim tornou-se uma luta árdua para conter minha dor e raiva.

Nada na vida é imutável, tudo inevitavelmente se transforma ao longo dos milhares, centenas e dezenas de anos. A mudança é uma força irresistível, e desta vez, a Terra foi o alvo. Sobrevivi, um verdadeiro mistério, diante da colossal e catastrófica explosão que dizimou a fauna, flora e infraestruturas, ceifando vidas. Ainda assim, o ser humano, de alguma forma, conseguiu se adaptar às condições desoladoras que restaram.

Três dias se arrastaram agonizantemente, apenas três dias foram suficientes para nossos suprimentos se esgotarem, forçando-nos a enfrentar o mundo lá fora.

Era o fim, uma palavra que ressoava como um eco ameaçador para tudo o que já vivemos e ainda enfrentávamos. Ao emergirmos pela escotilha, o cenário era apocalíptico. O cheiro de queimado, corpos inertes, explosões e fumaça invadiram minhas narinas, tornando o ar tóxico e uma sentença de morte para quem ousasse respirar ali.

Éramos cerca de mil pessoas saindo à superfície, mas logo o ar traiçoeiro se revelou como nosso adversário, fazendo-nos correr desesperadamente para encontrar e colocar as máscaras. No entanto, menos de 700 delas estavam disponíveis.

A disparidade criou um imediato descontentamento, levando à batalha pela sobrevivência, dividindo-se entre aqueles que tinham e os que não tinham máscaras. Os que não tinham tentavam compartilhar com os outros, mas era uma batalha impossível. E assim, esses dois grupos entraram em confronto desesperado.

Foligem chovia como uma praga, a fumaça engolindo tudo ao redor, tornando difícil enxergar a mais de 100 metros. Eu gritava por ajuda, desesperadamente tentando proteger o pequeno Alex, cobrindo seu rosto com um pedaço de pano para impedir que ele inalasse a foligem mortal.

"Alguém, por favor, socorro! Meu filho vai morrer!" Chorei e gritei em meio àquela luta violenta pela sobrevivência. Sentia-me impotente, fraca e inútil, incapaz de fazer algo por mim mesma, apenas capaz de gritar em meio à cacofonia ensurdecedora da atmosfera hostil.

Um minuto parecia uma eternidade, e as pessoas mais fracas começaram a cair inconscientes por falta de oxigênio. Eu também já estava zonza, prestes a desabar no chão, quando alguém me segurou.

-Toma usa essa mascara e coloca essa na crianca. -Diz um amigo do meu marido que tinha me mantido viva ate aquele momento nos dando mascaras com filtro de ar tornando muito mais facil respirar.. Eu era uma mulher submissa, uma mulher que dependia do marido, e naquele exacto momento vendo os escombros eu me sentia como uma garota de 12 anos assustada carregando um bebe com um futuro incerto. Se meu marido estivesse vivo, tudo seria mais facil. 

Em poucos minutos, o número de sobreviventes diminuiu drasticamente de mil para cerca de 500. Eu permanecia atordoada e agradecida por Leon, que me protegeu durante todo o ocorrido, evitando que eu sucumbisse ao conflito que nos cercava.

Enquanto o major dava ordens e informações como se nada tivesse acontecido, meu grupo recebeu a missão de procurar por sobreviventes. Parecia uma tentativa estúpida, e eu percebia que a culpa o consumia, tornando-se sua tentativa de redenção. Mas milhões morreram por causa de sua decisão de trancar os portões, incluindo meu marido, e por isso, jamais o perdoaria.

As pessoas saíram em busca de comida, suprimentos e sobreviventes. O frio era intenso, mas eu me mantive parada como uma estátua, lamentando e chorando em meio a tantos corpos espalhados. A visão era horripilante, com cadáveres desfigurados, estrangulados e desmembrados.

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