Olhei, revirei seu celular, mas não achei nada. Entreguei seu aparelho e fui até a adega. Ela me seguia com o olhar.
- A médica ligou, disse que hoje não vai ter visita. - Pego uma taça.
- Não? E por quê? - Ela se aproximou, já com receio.
- Tentei explicações, ela disse que ele estava bem, mas que não teria visitas, apenas. Tentei convencer ela no papo, mas nada adiantou. - Abro a garrafa de vinho.
Sinto ela por trás, e então seus dedos escorreram por meus braços, na intenção de afastar o álcool. Suspirei, sentindo seus lábios depositarem beijos suaves por meu ombro.
- Não volta com esse vício, por favor, meu amor. - Ela disse, com suavidade. - Nosso filho precisa de você.
- É só um pouco, eu prometo. - Digo suspirando baixo.
Sua mão tocou meus seios, que doíam pelo leite acumulado. As lágrimas desceram rapidamente pelo meu rosto.
- Você tirou leite hoje? - Sem me soltar, ela pegou na gaveta a bombinha.
Apenas neguei com a cabeça e enchi minha taça. Vencida pela dor e o vazio, virei aquela taça em poucas goladas. Ouço minha esposa suspirar pesado. O choro veio, mas eu não deixei que tomasse conta de mim. Detesto que todos vejam o estrago que aquilo me fazia.
Eu podia estar me irritando por não conseguir dormir, ou porque meu filho não me deixava nem ir ao banheiro. Poderia estar escutando seu chorinho. Eu preferia mil vezes não ter tempo de me cuidar, estar bagunçada, cansada, e todas as coisas que a maternidade nos trás, do que viver todos os dias me perguntando se eu vou poder vê-lo crescer.
Posso escutar minha filha correndo pela casa, brincando e me chamando pra brincar, mas me dói toda vez que me pergunta pelo irmão e eu não sei responder se ele vai conhecer o quartinho que fizemos com tanto amor pra ele.
Comecei a beber uma taça atrás da outra. A bebida descia e junto a minhas lágrimas. Maiara, sabendo que não poderia me conter, apenas me abraçou e deixou que eu colocasse aquela dor pra fora, seja de qual jeito fosse.
Com a visão turva, respiração ofegante e aquela dor me sufocando, eu apertei o mármore da pia, deitando minha cabeça ali fechando meus olhos. Passou pela minha cabeça tudo... Tudo que aconteceu naquele maldito dia. Automaticamente, comecei a socar a pedra, apertar tão forte que machucava minhas unhas. Maiara me gritava desesperada, tentando me tirar dali.
Foi num grito descontrolado que ela se afastou, assustada com a minha atitude. Sem forças, eu me sentei ali no chão chorando.
- Mamãe... - Ouço minha filha. - Mamãe, calma. - Ela se aproximou.
Suas mãozinhas pequenas tentaram tocar meus cabelos, talvez tentando me acalmar. Fora de mim, tirei sua mão dali num movimento bruto. Gritei mandando ela sair de perto de mim. Minha esposa tentou vir e me acalmar, mas tive a mesma atitude.
- Meu Deus! Que gritaria é essa? A Poliana até acordou. - Ouço Luísa.
- Amor... - Maraisa disse me olhando.
- Alguém me ajuda... Eu... Não sei o que fazer. - Minha esposa disse desesperada.
Continuei bebendo... Bebendo... Bebendo... Minha filha me olhava tão assustada. Quando tentavam chegar perto de mim, eu agia como uma criança indefesa, gritando e empurrando. Elas já não sabiam o que fazer. Vejo meus pais... Eu não quero ninguém. Não quero.
- Meu amor... Minha menina. - Minha mãe se aproxima.
Ela tentou me tocar, mas eu a empurrei tão forte, que ela acabou caindo. Mais pai correu pra ajudar ela. Me levantei, mesmo sem forças. Já com a terceira garrafa na mão, comecei a virar no bico mesmo. A diferença, é que era uma garrafa de whisky.
- Solta! Chega! Chega, amor! - Maiara veio pra cima, mas eu peguei seu pulso.
- NÃO ENCOSTA EM MIM! NINGUÉM! ME DEIXEM EM PAZ! ACABOU... - Grito. - Acabou... - Volto a beber.
Escorada nas paredes, eu andava a procura do quarto do meu filho. Subi aquelas escadas quase caindo, derramando bebida pela casa, mas finalmente encontrei seu quarto. Tranquei a porta e fui até seu berço, passando minha mão por seu colchão, vendo seu enchoval com seu nome...
- Acabou... - Continuo repetindo. Caio de joelhos ali, segurando nas grades de seu berço. - Por que faz isso comigo? - Torno a chorar.
A verdade é que eu não posso mais ver meu filho. Está entre a vida e a morte. Mesmo depois de ter pago um dinheiro absurdo para fazer sua cirurgia, nada adiantou.
- Me leva... Mas deixa meu filho em paz. - Suplico, apertando meus próprios cabelos. - Ele não merece pagar pelos meus erros... Ele não merece.
Ouço todos baterem na porta desesperados.
Doía tanto. Eu nunca havia sentido toda aquela dor na minha vida. Talvez seja porque eu nunca me permiti sofrer. Toda aquela bola de neve caia sobre a minha cabeça naquele momento. Tudo que eu não me permiti senti, eu sentia agora. Ao ponto de arrancar meus próprios cabelos, eu gritei tão alto... Gritei enquanto chorava ao ponto de perder minha voz.
Minha esposa conseguiu abrir a porta e correu me abraçando. Me entreguei. Me joguei em seu peito, sentindo ela desembaraçar os cabelos que estavam enrolados em meus dedos. Ela me envolveu em seus braços enquanto eu não parava de tremer, soluçar.
Olhei para a porta, e mesmo com a visão turva, pude ver Luísa segurança minha filha que estava tão assustada, mas mesmo assim, me olhando tão preocupada. Me agarrei a minha mulher e fechei meus olhos.
- Ele... Piorou.. ele não vai vir pra casa. Ele não vai ficar com a gente. Me perdoa. Me perdoa por favor por não conseguir realizar seu sonho.
- Está tudo bem... Tudo bem.. - Ela beijou minha cabeça.
Me calei. Meus olhos pesaram e eu deixei que fechassem. Tudo ficou escuro.
Acordei sentindo um peso em seu peito, os cabelinhos jogados por meu braço e os carinhos em meu rosto. Era a minha pequena ruiva.
- Mamãe... Você acordou! - Ela disse animada.
Minha cabeça doía tanto.
- Calma mamãe, eu vou chamar a mamãe ruiva. Fica aqui, eu já volto.
Fechei novamente meus olhos, mas a ouvi chamar pela mãe, que logo apareceu no quarto. Seus dedos tocaram minha bochecha, sua testa encostou na minha e seus lábios tocaram os meus.
- Meu amor, você acordou. - Sussurrou. - Você está melhor?
Apenas a olhei. Me entendendo, ela se deitou ao meu lado e eu me deitei em seu peito, sentindo seus carinhos em meus cabelos. Não foi dito uma palavra. Minha filha se deitou entre nós, mas também ficou calada.
- Mãe... - Ouço uma voz firme da porta.
Olhei. Era meu filho...