Capítulo 7

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Cecília passou o dia de folga atendendo ligações dos amigos e da imprensa. Seus pais fizeram questão que ela ficasse na casa deles. Para eles e para os amigos, ela passava uma falsa serenidade e agia como se o ataque tivesse sido um acidente de percurso.
Mas para si mesma assumia como aquilo a abalara. Mais cedo, recebera uma ligação da senhora Theroux dizendo que seria visitada naquela tarde por uma terapeuta paga pela ONE.
Ela aceitou, pois sabia que não estava bem.
A mulher a encontrou assistindo vídeos do ataque. Cecília não conseguia deixar de ver a luta das Novas Espécies e como, de fato, eles pareciam sobrenaturais. Sua fascinação estava em Jaded que, mesmo ferido, enfrentara e matara um atacante. O momento da luta era chocante para ela.
— Diga-me, Cecília... - a doutora Debrèt, continuou. - Você tem medo de sofrer outros ataques?
— Eu não estava pensando nisso.
— Mas agora que aconteceu você está com medo?
Cecilia estudara a história das Novas Espécies . Ela sabia dos diversos ataques que a ONE sofrera e de como mulheres foram colocadas em perigo por se envolverem com homens Novas Espécies. Quando fora entrevistada pela assessoria do Parlamento foi esclarecida sobre todos os riscos que poderia correr.
— Eu sabia dos riscos. Foi assustador o que aconteceu ontem, mas eu pensei que algo assim poderia acontecer.
A mulher a encarou por um longo momento. Inclinou a cabeça e perguntou.
— Não sentiu medo?
— Eu... senti. Eu... - Cecília teve dúvida se deveria tocar no assunto que a incomodava.
— Diga.
Ela engoliu em seco.
— O ataque me assustou muito, mas... As Novas Espécies...
— Sim?
— Eu nunca vi nada como aquilo. Eles... eles não são humanos realmente .
— Sente-se incomodada pelo que viu?
— Você assistiu na TV?
— Sim.
— Foi... aterrador. De repente, meu patrão é um animal selvagem matando um homem apenas com... as mãos.
— As Novas Espécies têm DNA animal. Estudos mostraram que possuem características animais.
— Eu sei, mas... Vê-lo matando... Quero dizer, ele me protegeu dentro do carro e depois... Matou, entende?
— Entendo. - ajeitou os óculos no rosto. — E você entende que é da natureza deles?
— É difícil aceitar... - Cecília ficou em silêncio, enquanto ouvia a doutora Debrèt falar um pouco mais sobre as características animais das Nova Espécies. Cecilia já sabia daquilo tudo, contudo ainda estava assustada. — Eu sei que ele é educado e sempre o vi sendo gentil com a equipe da Secretaria. Eu só não consigo separá-lo daquela... fera.
- Você não tem que separá-lo. Aquele é o senhor Wild.
Cecília a olhou com alarme, lembrando-se de todas as vezes que ficara até tarde sozinha com Jaded, as vezes que almoçaram juntos, as vezes que ele a tocara... Como seria possível que ele fosse capaz de tanta selvageria?
— Você acha que o que aconteceu alterou sua percepção do senhor Wild?
— Sim.
— Tem medo dele?
— Não deveria, eu sei.
— Pelo que conheceu dele, acredita que ele possa machucá-la?
Cecilia refletiu. Havia muitas histórias sobre as Novas Espécies, mas nunca ouvira falar de uma agressão gratuita.
— Racionalmente sei que não, mas... Eu não sei.
Conversaram por quase uma hora e Cecilia percebeu que a mulher não tentou influenciá-la, entretanto a ajudou a pensar . Até o ataque, ela não sentia dificuldades em se relacionar com Novas Espécies, agora, contudo conhecia de perto uma faceta deles que não gostaria de ter sido apresentada.
Quando a doutora Debrèt saiu, já se sentia mais tranquila. A dúvida, porém surgiu. Ela conseguiria continuar a trabalhar com Jaded depois do que vira?
Passou o restante do dia vendo a repercussão do ataque na mídia. Seu nome fora citado em várias reportagens e uma foto chamou sua atenção. Ela e Jaded saiam do Parlamento cercados pelos guardas da ONE; Jaded a abraçava. Ela sabia que ele estava apenas evitando o assédio da imprensa, porém pareciam um casal numa pose íntima.
Jaded tinha uma beleza estranha. Os olhos felinos pareciam querer invadir sua mente e o rosto másculo a fazia desejar beijá-lo. Mas era apenas uma parte da equipe dele, seus momentos sozinhos eram de puro profissionalismo. Dele, confessava para si mesma. Ela mal conseguia ficar no mesmo ambiente sem se sentir excitada. Acompanhava os músculos dele ondearem debaixo das roupas justas, se perdia observando a boca de lábios cheios, aspirava o cheiro dele quando estavam perto. Até o ataque.
Desde o dia anterior, ela só conseguia vê-lo arrancando sangue daquele atacante, o corpo crispado pronto para atacar, as presas afiadas brilhando ao sol. Se ela o pintasse seria uma figura magnífica e assustadora.
A campainha tocou e ela torceu para que não fosse a imprensa furando o bloqueio do porteiro.
— Podem deixar que eu atendo! - gritou e foi até à porta.
Um arrepio percorreu seu corpo quando olhou através do olho mágico. Jaded estava lá fora e havia outros homens com ele. Hesitou antes de abrir a porta e sua boca ficou seca, nervosa por encontrá-lo.
O que Jaded fazia ali?
— Quem é, Cecília?
Ela passou a língua sobre os lábios, umedecendo-os.
— É o meu chefe. - declarou.
— O quê?
Em poucos segundos seus pais chegaram na sala.
— Jaded Wild? - perguntou seu pai.
— Sim. - ela sentiu sua garganta apertar de ansiedade.
— Abra a porta, então!
Cecília respirou fundo e abriu a porta. Parado à sua frente, Jaded deu um sorriso, sem mostrar as presas.
— Boa tarde, senhorita Santanna.
— B-boa tarde.
Ele estava lindo, os cabelos molhados como se tivesse tomado banho naquele momento e ela sentiu o seu perfume. Jaded estava com o braço esquerdo na tipoia e tinha um grande curativo na têmpora direita.
— Permita-me apresentar Justice North. - ele disse e só naquele momento ela percebeu que um dos homens não era um oficial.
Cecília abriu a boca perplexa, reconhecendo o grande líder da ONE.
— Boa tarde, senhorita. - Justice falou e ela percebeu que seus olhos pareciam mais escuros.
— Oh... Boa tarde. - Fight e Steel acenaram para ela. — Olá.
— Podemos entrar?
— Claro que podem!- Cecília ouviu sua mãe exclamar.
Jaded olhou para dentro da sala, seguindo a voz.
— Senhor... - Cecília apontou para os pais. — Estes são meus pais, Heliodora e Rubens.
— Boa tarde, sou Jaded. - ele deu um passo para dentro da sala e estendeu a mão; Heliodora foi a primeira a aceitá-la. Depois, Rubens fez o mesmo. — É uma honra conhecê-los.
— A honra é nossa. - falou seu pai.
Jaded apontou para o companheiro.
— Este é Justice North.
O Justice North? - Rubens perguntou.
— Em pessoa. - Justice sorriu, apertando as mãos dos dois.
Fez-se um silêncio na sala. Heliodora balançou as mãos.
— Por favor, sentem-se, sentem-se!
Cecilia se afastou para dar passagem aos homens. Fight segurou a maçaneta.
— Com licença.- pediu e fechou a porta.
Cecilia esperou que os dois homens se sentassem no sofá e sentou-se numa poltrona. Seu pai sentou-se na outra poltrona e a mãe se ajeitou no braço do estofado.
Notou que Jaded parecia muito constrangido. Ela sabia que ele não era tímido, pois fizera há alguns anos um ensaio fotográfico... nu. A revista precisara de uma impressão extra. Cecília ainda se lembrava das colegas de trabalho alvoroçadas  com os músculos do gigante Nova Espécie e lamentaram que a nudez não era explícita. Na época, os cabelos dele ainda eram escuros e nunca viera à Europa.
— Como você está? - Jaded perguntou.
— Eu... estou me recuperando.
Ele ficou novamente em silêncio . Justice deu um sorriso.
— Senhorita Santanna, poderia nos acompanhar num passeio?
— Como?
— A última vez que estive na França vi pouco do lugar. Estrasburgo parece encantadora. Gostaria de visitá-la com a sua companhia.
Cecilia ficou momentaneamente sem palavras. Olhou para Jaded que a encarava. Eles vieram para visitá-la ou não?
Justice North mostrava um rosto ameno, entretanto seu olhar fixava-se nela. Olhou novamente para Jaded que inclinou a cabeça , como se fizesse um pedido.
— Bem... - ela olhou para os pais. — Acompanharei o senhor North.
— Claro, filha. - a mãe falou, mas o pai apenas a olhou com gravidade.
— Só um momento. - pediu e foi até o quarto. Trocou a calça de moleton e a blusa de malha e colocou um vestido folgado. Calçou sandálias e passou um pente nos cabelos.
Quando voltou para a sala a mãe mostrava uma pequena escultura de um leopardo num salto; a mãe trouxera a estatueta de Moçambique como um tesouro.
— Meu pai fez quando era jovem. - Heliodora explicou.
— Parece tão real. - disse Justice, segurando a madeira avermelhada.
— É feita com baobá.
— Realmente? Isso a torna mais fascinante. - acariciou a peça. — Possuo DNA de leopardo, senhora Santanna. - a mãe arregalou os olhos, espantada. Justice devolveu a escultura e se levantou. Jaded o imitou. — Obrigado pela recepção, senhor e senhora Santanna.- olhou para Cecília. — Podemos ir?
— Claro.
Jaded se despediu dos seus pais e saíram do apartamento. Fight e Steel se mantiveram alertas até a hora que entraram no SUV. Storm, no volante, a cumprimentou. Jaded sentou -se no banco do carona, ainda estranhamente silencioso.
O carro saiu e Cecilia viu a transformação no rosto de Justice. A expressão amena deu lugar a uma bastante séria.
— Desculpe-me tirá-la de casa, porém o assunto que pretendo tratar é sigiloso.
— Pois não? - respondeu, disfarçando a curiosidade.
— Precisamos de sua ajuda, senhorita. O que pretendemos aqui na Europa depende grande parte do que preciso lhe pedir.
Cecília o encarou, mas antes seus olhos cruzaram com os de Jaded no espelho. Ele estava muito, muito sério.
— Gostaria que aceitasse tornar-se noiva de Jaded.
Ela arregalou os olhos.
— C-como é?
— Estou pedindo a você, Cecília Santanna, que se torne noiva de Jaded Wild.

Jaded: Uma história Novas Espécies 3Onde histórias criam vida. Descubra agora