Henrique.
A vulnerabilidade de Bia, ao deitar a cabeça em meu ombro e se permitir chorar, me espanta. Eu levo segundos para conseguir esboçar uma reação, a acolhendo em um abraço. Logo meus dedos se encarregam de alisar seus cabelos, tentando dizer que vai ficar tudo bem – mesmo que eu não tenha certeza alguma.
Esse momento parece ser tudo o que Bia precisava. Por minutos, o único som mais do que a minha própria respiração é seu choro baixo, seguido por soluços. A cada pequeno soluço, eu aperto mais seu corpo, involuntariamente.
Com o passar dos minutos, o choro baixo cessa, até que restem apenas os soluços, cada vez mais baixos. No entanto, a tensão no corpo de Bia não relaxa – eu ainda consigo sentir seus músculos tensos nesse emaranhando que é nosso abraço, até que ela chame por mim:
— Ri?
— Uhm?
Me afasto um pouco, ainda mantendo meus braços envoltos em seus ombros, apenas para que eu consiga ver seu rosto. Há resquícios do choro em seus olhos, como os cílios molhados e as íris mais claras do que o usual, mas a feição de Bia soa mais perdida do que necessariamente chateada, a essa altura.
Com o olhar perdido e o sorriso murcho, Bia enfim releva:
— Ele deveria ter encontrando comigo e com a minha mãe hoje para almoçar.
Eu expiro o ar, sequer percebendo o momento em que prendi, concluindo:
— E ele não apareceu.
— Ao invés disso ele estava com você, bebendo e jogando truco virado depois do show, quando ele me disse que estaria em um jantar na casa dos pais dele ontem à noite.
— Puta merda! — as palavras percorrem minha boca sem que me dê conta, mas Bia parece sequer perceber.
— Eu não me importaria, sabe? — ela funga alto, parecendo segurar o choro, outra vez. Eu acaricio seu ombro, por cima do tecido da blusa, como forma de incentivá-la. — De verdade. Eu sempre respeitei o espaço privado dele, porque eu sei que isso é importante em um relacionamento e eu nunca quis que ele se sentisse sufocado com isso.
— O problema está na mentira. — suponho.
— Exatamente. Na necessidade de ele mentir, na verdade. Eu não sei Ri, eu realmente não entendo. O que aconteceu ontem à noite que eu não poderia saber?
O meu silêncio me corrói por dentro. Cada segundo abraçado a Bia, sentindo sua respiração tão próxima, faz com que um peso imensurável surja em meus ombros, Eu poderia – e deveria – falar sobre o assunto, mas como trazer algo do tipo com Bia tão vulnerável?
Olhando seu rosto agora, eu percebo que o momento não abre margem para que eu fale sobre o assunto. Eu sei talvez soe tão óbvio e contraditório, mas dar uma notícia dessa dimensão para outra pessoa?
— E o bolo que eu levei. Ainda mais na frente da minha mãe. — a voz manhosa de Bia me dispersa dos meus pensamentos, com ela voltando a enroscar em meu ombro.
Eu observo a expressão quase dolorosa no seu rosto, sem encontrar palavras.
— 'Puts', Bia. — enquanto volto a acariciar seu ombro, na tentativa de consolá-la. É quando eu percebo outra coisa que Bia acaba de dizer: — O que sua mãe estava fazendo por aqui?
— Ela veio visitar uma tia e aproveitou para me ver. Sei lá o que ela queria, talvez ela quisesse ver de perto como anda a minha vida, porque eu realmente ainda não sei qual foi a intenção dela com aquele almoço.
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Improvável | Ricelly Henrique
RomanceA essa altura, Beatriz já se conformou com o título de "corna mansa". Ela nem mesmo se importa - ou finge não se importar - quando seus amigos próximos se referem a ela dessa forma. Não que Beatriz seja de aceitar desaforo passivamente, mas em confl...