✩‧₊ quatorze.

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Henrique.

— Não me olha assim. — Baunilha, ao perceber que converso com ela, demonstra apreensão, inclinando seu corpo para frente e rangendo os dentes em uma ameaça de latido. — Eu sei que você não me conhece, mas eu 'tô' aqui, me apresentando 'pra' você.

Com uma faca de cozinha em mãos, enquanto tento cortar os legumes, também tenho que lidar com Baunilha, que estranha minha presença. Desde que cheguei na casa de Bia pela manhã ela tem me rodeado, soando desconfiada. Enquanto eu dormia com Bia, Baunilha ainda parecia pacífica, mas quando saí do quarto pouco após às onze ela começou a me seguir por todo o ambiente, ameaçando latir - exatamente como faz agora.

— Shiu! — recuo alguns passos, erguendo os braços em sinal de rendição. No entanto, Baunilha ainda rosna, em posição de ataque. — 'Tá' tudo bem. — asseguro.

Ela relaxa o suficiente para não latir, mas não deixa me rondar - quase parece orgulhosa de proteger Bia, ou seja lá o que estiver fazendo.

Eu respiro aliviado. Apesar de Baunilha me estranhando, eu tenho colocado empenho em ser o mais silencioso possível ao evitar barulhos altos, para que Bia não acorde. Ela talvez esteja dormindo por umas quatro horas a essa altura, mas eu imagino que seu corpo esteja cansado, precisando de descanso.

Termino de despejar os legumes cortados e os levo a panela, com bastante água. Daniel, na breve conversa em que tivemos, me contou que Bia acabou não comendo nada no dia anterior. Então, enquanto pensava no que poderia fazer para Bia comer, acabei me lembrando de como minha mãe costuma cuidar de mim quando estou doente; legumes cozidos e muita água.

Talvez Bia me odeie por isso, mas eu estou contando que ela pelo menos se esforce para comer e recuperar a energia que perdeu ao longo dos dois últimos dias.

Com os legumes no fogo, não me resta muito o que fazer senão esperar que eles cozinhem. Com Baunilha me rondando à distância, mas ainda atenta, eu sigo até a varanda da sala, tirando do bolso um maço de cigarro. Acendo um enquanto observo o movimento do bairro, com pessoas andando pelas calçadas e carros estacionando na avenida a todo momento.

Estou quase terminando o cigarro quando sinto meu celular vibrar. Tiro o aparelho do bolso da calça, me deparando com uma ligação da minha mãe. Até penso em não atender, porque se ela souber que não estou em casa vai me questionar sobre, mas não é como se eu pudesse evitá-la - se eu recusar ou deixar essa chamada cair na caixa postal, eu só vou estar a deixando preocupada. Decido então tentar disfarçar para que ela não perceba, já levando o aparelho à orelha.

— Filho. — dona Maria diz assim que atendo a chamada.

— Oi, mãe.

— Faz dias que você não me liga! — seu tom de advertência me faz sorrir, ainda porque logo em seguida dona Maria volta a relaxar ao me perguntar: — Tudo bem?

— Graças a Deus, e a senhora?

Dou meu último trago no cigarro, expelindo a fumaça em seguida. Piso sobre as bitucas, pensando se Bia vai fazer questão de eu ter sujado sua varanda.

— Bem também, graças a Deus. 'Tá' em casa hoje? Ou 'tá' resolvendo alguma coisa na rua?

Por mais que eu queira ser honesto com minha mãe, não sei até onde poderia ser. Se eu mencionasse Bia, teria que mencionar uma série de explicações e eu não sei como minha mãe reagiria ao saber que eu estou nesse... impasse com uma mulher comprometida - a única coisa que posso afirmar com certeza é que ela não ficaria feliz.

— Não, eu 'tô' em casa sim. — não vendo outra alternativa, acabo mentindo.

Minha mãe começa a formular uma frase quando, de forma inesperada, Baunilha se atiça por um grupo de pessoas passando na calçada e late. Eu encolho meu corpo, começando a me sentir arrependido pela mentira.

Improvável | Ricelly HenriqueOnde histórias criam vida. Descubra agora