Capítulo 3 - A Forma do Valor (Parte 1)

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As mercadorias vêm ao mundo sob a forma de valores-de-uso ou de objectos-mercadorias, tais como ferro, tecido, lã, etc. É essa, precisamente, a sua forma natural [,vulgar]. Todavia, só são mercadorias na medida em que se apresentam sob um duplo aspecto: como objectos de uso e como suportes de valor. Só podem, portanto, entrar em circulação [ como mercadorias ou sob a forma de mercadorias], na medida em que se apresentem sob uma dupla forma: a sua forma natural e a sua forma-valor.

A realidade do valor das mercadorias distingue-se da amiga de Falstaff, a viúva Quickly, pelo facto de não sabermos onde agarrá-la. Em flagrante contraste com a materialidade palpável da mercadoria, não existe um único átomo de matéria que entre no seu valor. Podemos, pois, dar voltas e mais voltas a uma certa mercadoria: enquanto objecto de valor, ela permanecerá inapreensível. No entanto, se nos recordarmos que as mercadorias só possuem valor enquanto são expressão da mesma unidade social - trabalho humano -, que, portanto, o valor das mercadorias é uma realidade puramente social, torna-se evidente que essa realidade social também só se pode manifestar nas transacções sociais, nas relações das mercadorias umas com as outras. De facto, partimos do valor-de-troca ou da relação de troca das mercadorias para chegar ao seu valor, aí escondido. Temos agora de voltar a essa forma de manifestação do valor.

Toda a gente sabe, mesmo quando não se sabe mais nada, que as mercadorias possuem uma particular forma-valor [comum,] que contrasta da maneira mais flagrante com as suas múltiplas formas naturais - é a forma-dinheiro. Importa agora fazer o que a economia burguesa nunca tentou: fornecer a génese da forma-dinheiro, ou seja, seguir o desenvolvimento da expressão do valor contida na relação de valor das mercadorias, desde o seu esboço mais simples e menos aparente até essa forma-dinheiro que salta aos olhos de toda a gente. Com isso se resolve e se faz desaparecer ao mesmo tempo o enigma do dinheiro.

Em geral, a única relação entre as mercadorias é uma relação de valor, e a mais simples relação de valor é, evidentemente, a relação de uma mercadoria com outra qualquer mercadoria de espécie diferente. A relação de valor ou de troca de duas mercadorias fornece, portanto, a uma mercadoria, a expressão mais simples do seu valor.

A - Forma simples, [singular] ou acidental do valor
x da mercadoria A = y da mercadoria B, ou x da mercadoria A vale y da mercadoria B. (20 metros de tecido = l fato, ou 20 metros de tecido valem 1 fato).

O mistério de qualquer forma-valor esconde-se nesta forma simples. É portanto na sua análise que se encontra a dificuldade.

1. Os dois pólos da expressão do valor: a forma relativa e a forma de equivalente
Duas mercadorias diferentes, A e B (no exemplo que escolhemos: o tecido e o fato) desempenham aqui, evidentemente, dois papéis distintos. O tecido exprime o seu valor no fato e este fornece a matéria dessa expressão. A primeira mercadoria desempenha um papel activo, a segunda um papel passivo. O valor da primeira apresenta-se como valor relativo [,encontra-se sob a forma relativa do valor]. A segunda mercadoria funciona como equivalente [,encontra-se sob a forma de equivalente].

A forma relativa e a forma de equivalente são dois aspectos correlativos, inseparáveis, [ que se condicionam mutuamente,] mas ao mesmo tempo são extremos opostos, que se excluem mutuamente, isto é, pólos da mesma expressão de valor. Essas duas formas distribuem-se sempre pelas diversas mercadorias que a expressão do valor relaciona mutuamente. [Não posso, por exemplo, expressar o valor do tecido em tecido.] A equação: 20 metros de tecido = 20 metros de tecido [não é nenhuma expressão de valor], significa somente que 20 metros de tecido são precisamente a mesma coisa que 20 metros de tecido, quer dizer, não são mais que uma certa soma de um valor-de-uso: tecido. O valor do tecido só pode, portanto, exprimir-se relativamente, isto é, numa outra mercadoria. A forma-valor relativa do tecido pressupõe, portanto, que uma outra mercadoria qualquer se encontre em face dele sob forma de equivalente. Por outro lado, a mercadoria que figure como equivalente não pode encontrar-se ao mesmo tempo, sob forma-valor relativa. Não é ela que exprime o seu valor; apenas fornece a matéria para a expressão do valor da outra mercadoria.

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