Capítulo 20 - Desenvolvimento da Maquinária

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John Stuart Mill nos  seus Princípios de Economia Política diz:

«É questionável se todas as invenções mecânicas já feitas aliviaram a labuta diária de algum ser humano.»(1*)

Esse também não é, de modo algum, o objectivo da maquinaria empregue de modo capitalista. Tal como qualquer outro desenvolvimento da força produtiva do trabalho, ela há-de embaratecer mercadorias e encurtar a parte do dia de trabalho de que o operário precisa para si mesmo, para prolongar aquela outra parte do seu dia de trabalho que ele dá gratuitamente ao capitalista. Ela é meio para a produção de mais-valia.

O revolucionamento do modo de produção tem como ponto de partida, na manufactura, a força de trabalho; na grande indústria, o meio de trabalho. Há, pois, primeiramente que investigar através do quê o meio de trabalho se transforma de uma ferramenta em uma máquina ou através do quê a máquina se distingue do instrumento artesanal. Trata-se aqui apenas de grandes traços característicos gerais, pois linhas fronteiriças, abstractamente rigorosas, separam tão pouco as épocas da história da sociedade como as da história da Terra.

Matemáticos e mecânicos — e isto acha-se repetido, aqui e ali, por economistas ingleses — definem a ferramenta como uma máquina simples e a máquina como uma ferramenta composta. Eles não vêem aqui qualquer diferença essencial e até chamam máquinas(3*) às potências mecânicas simples, como alavanca, plano inclinado, parafuso, cunha, etc. De facto, toda a máquina consiste naquelas potências simples, estejam elas disfarçadas e combinadas como estiverem. Todavia, do ponto de vista económico, a definição não colhe, pois falta-lhe o elemento histórico. Por outro lado, procura-se a diferença entre ferramenta e máquina no facto de, na ferramenta, ser o homem a força de movimento, na máquina, uma força natural, diversa da humana, como animal, água, vento, etc.(4*) De acordo com isto, um arado atrelado a bois, que pertence às mais diversas épocas de produção, seria uma máquina; o circular loom(5*) de Claussen, que é movido pela mão de um único operário e faz 96 000 malhas em um minuto, uma mera ferramenta. Sim, o mesmo loom seria ferramenta se movido com a mão e máquina se movido a vapor. Uma vez que o emprego de força animal é uma das mais antigas invenções da humanidade, a produção com máquinas precederia, de facto, a produção artesanal. Quando John Wyatt em 1735 anunciou a sua máquina de fiar e, com ela, a revolução industrial do século XVIII, não disse palavra acerca de que em vez de um homem seria um burro a fazer andar a máquina; e, no entanto, coube ao burro esse papel. Uma máquina «para fiar sem dedos», assim rezava o seu programa(6*).

Toda a maquinaria desenvolvida consiste em três partes essencialmente diversas, a máquina de movimento, o mecanismo de transmisssão, por fim a máquina-ferramenta ou máquina de trabalho. A máquina de movimento opera como força impulsionadora de todo o mecanismo. Ela gera a sua própria força de movimento, como a máquina a vapor, a máquina calórica[N129], a máquina electromagnética, etc, ou recebe o impulso de uma força natural já pronta, fora dela, como a roda hidráulica o recebe da queda de água, a asa do moinho do vento, etc. O mecanismo de transmissão, composto de volantes, árvores de transmissão, rodas dentadas, tambores, cabos, cordas, correias, pinhão e engrenagens da mais diversa espécie, regula o movimento, transforma — onde é preciso — a sua forma, p. ex., de uma perpendicular em uma circular, reparte-o e transfere-o para a maquinaria-ferramenta. Ambas as partes do mecanismo estão apenas presentes para comunicar à máquina-ferramenta o movimento pelo qual ela ataca o objecto de trabalho e o modifica em conformidade a um fim. Desta parte da maquinaria, da máquina-ferramenta, é donde parte a revolução industrial no século XVIII. Ela forma ainda, de novo cada dia, o ponto de partida, sempre que funcionamento artesanal ou manufactureiro passam a funcionamento com máquinas.

Se virmos agora mais de perto a máquina-ferramenta ou máquina de trabalho propriamente dita, voltam a aparecer-nos genericamente, ainda que frequentemente em forma muito modificada, os aparelhos e as ferramentas com que trabalha o artesão e o operário manufactureiro, mas em vez de aparecerem como ferramentas do homem aparecem agora como ferramentas de um mecanismo ou como ferramentas mecânicas. Ou a máquina toda é apenas uma edição mecânica, mais ou menos modificada, do antigo instrumento artesanal, como no caso do tear mecânico(7*), ou os órgãos activos empregues na armação da máquina de trabalho são velhos conhecidos nossos, como fusos na máquina de fiar, agulhas no tear do fabricante de meias, folhas de serra na máquina de serrar, facas na máquina de cortar, etc. A diferença entre estas ferramentas e o corpo propriamente dito da máquina de trabalho estende-se até ao seu nascimento. É que continuam ainda a ser produzidos em grande parte artesanal ou manufactureiramente e só mais tarde são fixados no corpo, produzido à máquina, da máquina de trabalho(8*). A máquina-ferramenta é, pois, um mecanismo que, após comunicação do movimento correspondente, executa com as suas ferramentas as mesmas operações que dantes o operário executava com ferramentas semelhantes. Se a força motriz parte agora do homem ou mesmo por sua vez de uma máquina, isso em nada altera a essência da coisa. Após transferência da ferramenta propriamente dita do homem para um mecanismo, uma máquina passa para o lugar de uma mera ferramenta. A diferença salta logo à vista, mesmo se o próprio homem continua a ser ainda o primeiro motor. A quantidade de instrumentos de trabalho com que ele pode simultaneamente operar está limitada pela quantidade dos seus instrumentos naturais de produção, os seus órgãos corpóreos próprios. Na Alemanha tentou-se pela primeira vez fazer um fiandeiro accionar duas rodas de fiar, portanto, trabalhar simultaneamente com duas mãos e dois pés. Isto era demasiado cansativo. Mais tarde, inventou-se uma roda de fiar a pedal com dois fusos, mas os virtuosos da fiação, que podiam fiar duas linhas simultaneamente, eram quase tão raros como homens com duas cabeças. A jenny[N130], pelo contrário, fia desde o princípio com 12-18 fusos, o tear do fabricante de meias tricota com muitas 1000 agulhas duma vez, etc. A quantidade das ferramentas com que a mesma máquina-ferramenta simultaneamente funciona está desde o princípio emancipada das barreiras orgânicas que restringem o utensílio artesanal de um operário.

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