Capítulo 32 - A Expropriação do Povo do Campo

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Em Inglaterra a servidão tinha facticamente desaparecido na última parte do século XIV. A maioria imensa da população(190) consistia então, e ainda mais no século XV, em camponeses livres trabalhando para si, fosse qual fosse o título feudal atrás do qual se escondia a sua propriedade. Nos domínios senhoriais maiores, o bailiff (mordomo), anteriormente ele mesmo servo, foi desalojado pelo rendeiro livre. Os operários assalariados da agricultura consistiam em parte em camponeses, que valorizavam o seu tempo de ócio trabalhando para grandes proprietários fundiários, em parte numa classe autónoma, pouco numerosa em termos relativos e absolutos, de operários assalariados propriamente ditos. Mesmo estes últimos eram de facto, simultaneamente, camponeses que trabalhavam para si, já que além do seu salário recebiam terra arável, no montante de 4 e mais acres, juntamente com as cottages. Além disso, gozavam, com os camponeses propriamente ditos, do usufruto da terra comunal, na qual pastava o seu gado e que simultaneamente lhes oferecia os meios de calefacção, lenha, turfa, etc.(191) Em todos os países da Europa a produção feudal é caracterizada pela divisão da terra pelo maior número possível de subfeudatários. O poder do senhor feudal, como o de todo o soberano, assentava não no comprimento do seu registo de rendas mas no número dos seus súbditos, e este dependia do número de camponeses trabalhando para si(192). Embora o solo inglês depois da conquista normanda tenha por isso sido repartido em baronias gigantescas, das quais uma única muitas vezes incluía 900 das velhas senhorias anglo-saxónicas, ele estava semeado de pequenas explorações camponesas apenas aqui e além interrompidas por domínios senhoriais maiores. Foram essas relações, com o florescimento simultâneo do sistema de cidades, característico do século XV, que permitiram aquela riqueza popular que o chanceler Fortescue pintou com tanta eloquência no seu Laudibus Legum Angliae, mas elas excluíam a riqueza de capital.

O prelúdio do revolucionamento que criou a base do modo de produção capitalista ocorreu no último terço do século XV e nos primeiros decénios do século XVI. Foi lançada para o mercado de trabalho uma massa de proletários fora-da-lei pela dissolução dos séquitos feudais, os quais, como Sir James Steuart correctamente observa, «por toda a parte inutilmente enchiam casa e castelo»[N196]. Embora o poder real, ele próprio um produto do desenvolvimento burguês, tivesse, na sua ânsia de soberania absoluta, acelerado violentamente a dissolução destes séquitos, não foi de modo nenhum a única causa desta. Na mais arrogante oposição ao rei e ao Parlamento, também o grande senhor feudal criou um proletariado incomparavelmente maior, por expulsão violenta do campesinato da terra, sobre a qual este possuía o mesmo título de direito feudal que ele próprio, e por usurpação da sua terra comunal. O impulso imediato neste sentido foi dado, em Inglaterra, nomeadamente pelo florescimento da manufactura flamenga da lã e a correspondente subida dos preços da lã. As grandes guerras feudais tinham devorado a velha nobreza feudal, e a nova era filha do seu tempo, sendo para ela o dinheiro o poder de todos os poderes. Transformação da terra arável em pastagem de ovelhas tomou-se, portanto, a sua consigna. Harrison na sua Description of England. Prefixed to Holinshed’s Chronicles, descreve como a expropriação dos pequenos camponeses arruinou o campo. «What care our great incroachers!» («Que se interessam os nossos grandes usurpadores!») As habitações dos camponeses e as cottages dos operários foram violentamente arrasadas ou abandonadas à ruína.

«Se procurarmos», diz Harrison, «os velhos registos de todos os senhorios feudais [...] depressa se evidenciará que em algum senhorio feudal desapareceram dezassete, dezoito ou vinte casas [...] que a Inglaterra nunca esteve menos fornecida de povo do que no presente [...]. De cidades e vilas ou completamente arruinadas ou reduzidas a menos de um quarto ou metade; de vilas arrasadas para caminhos de ovelhas, e nada nelas se erguendo agora senão as casas senhoriais [...] algo poderia eu dizer.»

As queixas dessas velhas crónicas são sempre exageradas, mas assinalam com exactidão a impressão causada sobre os próprios contemporâneos pela revolução nas relações de produção. Uma comparação entre os escritos do chanceler Fortescue e de Thomas Morus toma visível o abismo entre os séculos xv e xvi. Da sua idade de ouro, como Thornton correctamente diz(3*) , a classe operária inglesa precipita-se sem quaisquer transições na de ferro.

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