Capítulo 24 - Transformação da Força de Trabalho em Salário

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Na superfície da sociedade burguesa, o salário do operário aparece como preço do trabalho, um determinado quantum de dinheiro que é pago em troca de um determinado quantum de trabalho. Fala -se aqui de valor do trabalho e chama-se à sua expressão em dinheiro o seu preço necessário ou natural. Fala-se, por outro lado, de preços de mercado do trabalho, i. é, dos preços que oscilam acima ou abaixo do seu preço necessário.

Mas o que é o valor de uma mercadoria? Forma objectiva do trabalho social despendido na sua produção. E por que medimos a magnitude do seu valor? Pela magnitude do trabalho nela contido. Por que seria portanto determinado o valor, p. ex., de um dia de trabalho de doze horas? Pelas 12 horas de trabalho contidas num dia de trabalho de 12 horas, o que é uma tautologia absurda(1*).

Em todo o caso, para ser vendido como mercadoria no mercado, o trabalho tinha de existir antes de ser vendido. Mas se o operário pudesse dar-lhe uma existência autónoma ele venderia mercadoria e não trabalho(2*).

Abstraindo destas contradições, uma troca directa de dinheiro, i. é, de trabalho objectivado, por trabalho vivo, ou suprimiria a lei do valor, a qual precisamente se desenvolve livremente, pela primeira vez, na base da produção capitalista, ou suprimiria a própria produção capitalista, a qual repousa precisamente no trabalho assalariado. O dia de trabalho de 12 horas apresenta-se, p. ex., num valor em dinheiro de 6 sh. Ou se trocam equivalentes, e então o operário recebe 6 sh. pelo trabalho de 12 horas. O preço do seu trabalho seria igual ao preço do seu produto. Neste caso ele não produziria nenhuma mais-valia para o comprador do seu trabalho, os 6 sh. não se transformariam em capital e a base da produção capitalista desapareceria; mas precisamente nesta base ele vende o seu trabalho, e o seu trabalho é trabalho assalariado. Ou então ele recebe pelo trabalho de 12 horas menos do que 6 sh., i. é, menos do que 12 horas de trabalho. Doze horas de trabalho trocam-se por 10, 6, etc., horas de trabalho. Esta igualização de magnitudes desiguais não suprime apenas a determinação de valor. Uma contradição destas, que se suprime a si própria, não pode sequer ser expressa ou formulada como lei(3*).

Não adianta nada deduzir a troca de mais trabalho por menos trabalho a partir da diferença de forma, segundo a qual ele de uma vez está objectivado, da outra vez é vivo(5*). Isto é tanto mais absurdo quanto o valor de uma mercadoria não é determinado pelo quantum de trabalho realmente objectivado nela, mas pelo quantum de trabalho vivo necessário à sua produção. Apresente uma mercadoria 6 horas de trabalho. Se se fizerem invenções pelas quais ela possa ser produzida em 3 horas, o valor também das mercadorias já produzidas cai para metade. Ela apresenta agora 3 em vez das anteriores 6 horas de trabalho social necessário. E, por conseguinte, pelo quantum de trabalho requerido para a sua produção, não pela sua forma objectiva, que a sua magnitude de valor é determinada.

O que no mercado de mercadorias directamente enfrenta o possuidor de dinheiro é, de facto, não o trabalho, mas o operário. O que este último vende é a sua força de trabalho. Logo que o seu trabalho começa realmente já deixou de lhe pertencer, não pode portanto mais ser por ele vendido. O trabalho é a substância e a medida imanente dos valores, mas ele próprio não tem nenhum valor(7*).

Na expressão «valor do trabalho», o conceito de valor está não só completamente apagado como invertido no seu contrário. É uma expressão imaginária como, porventura, valor da terra. Estas expressões imaginárias brotam, contudo, das próprias relações de produção. São categorias para formas fenoménicas de relações essenciais. Que no fenómeno as coisas se apresentem frequentemente de modo invertido é mais ou menos conhecido em todas as ciências, excepto na economia política(8*).

A economia política clássica tomou de empréstimo da vida quotidiana, sem crítica ulterior, a categoria «preço do trabalho», para em seguida se perguntar: como é determinado este preço? Em breve reconheceu que a variação na relação de procura e oferta para o preço do trabalho, tal como para qualquer outra mercadoria, não explica nada para além da sua variação, i. é, a oscilação dos preços de mercado acima ou abaixo de uma certa magnitude. Se procura e oferta forem congruentes, a oscilação de preço, mantendo-se iguais as demais circunstâncias, cessa. Mas então procura e oferta cessam também de explicar o que quer que seja. O preço do trabalho, quando procura e oferta são congruentes, é o seu preço natural, o preço determinado independentemente da relação de procura e oferta, o qual foi assim encontrado como o objecto a propriamente analisar. Ou se toma um período mais longo das oscilações do preço do mercado, p. ex., um ano, e verifica-se então que as suas subidas e descidas se igualam numa magnitude média, mediana, numa magnitude constante. Ela tinha naturalmente de ser determinada de outro modo do que pelos desvios dela própria, que se compensam. Este preço que predomina sobre os preços de mercado do trabalho acidentais e os regula, o «preço necessário» (fisiocratas) ou «preço natural» do trabalho (Adam Smith) só pode ser, tal como para as outras mercadorias, o seu valor expresso em dinheiro. Deste modo, a economia política acreditava poder penetrar, através dos preços acidentais do trabalho, no seu valor. Tal como nas outras mercadorias, este valor seria depois determinado pelos custos de produção. Mas o que são os custos de produção — do operário, i. é, os custos para o operário se produzir a si próprio ou se reproduzir? Esta questão introduziu-se inconscientemente na economia política como a originária, porque ela andava às voltas com os custos de produção do trabalho como tal e não dava um passo. Aquilo a que portanto ela chama valor do trabalho (value of labour) é de facto o valor da força de trabalho que existe na personalidade do operário e que é tão diversa da sua função, o trabalho, como uma máquina o é das suas operações. Ocupados com a diferença entre os preços de mercado do trabalho e o seu chamado valor, com a relação deste valor com a taxa de lucro, com a relação deste valor com os valores em mercadorias produzidos por intermédio do trabalho, etc., nunca descobriram que o curso da análise não só tinha levado dos preços de mercado do trabalho ao seu pretenso valor, como também tinha levado a dissolver este próprio valor do trabalho no valor da força de trabalho. A falta de consciência acerca deste resultado da sua própria análise, a adopção acrítica das categorias «valor do trabalho», «preço natural do trabalho», etc., como expressões adequadas últimas da relação de valor tratada, enredaram a economia política clássica, como mais tarde se verá, em confusões e contradições insolúveis, proporcionando ao mesmo tempo à economia vulgar uma base de operação segura para a sua principial superficialidade que apenas preiteia a aparência.

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