Capítulo 12 - Avidez de Sobretrabalho

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Não foi o capital que inventou o sobretrabalho. Em qualquer lugar onde uma parte da sociedade possui o monopólio dos meios de produção, o operário tem de, livremente ou não, acrescentar tempo de trabalho excedentário ao tempo de trabalho necessário para a sua autoconservação, de modo a produzir os meios de vida para os donos dos meios de produção(1*), seja este proprietário o grego(3*) ateniense, o teocrata etrusco, o civis romanus(4*), o barão normando, o detentor de escravos americano, o boiardo valáquio, o landlord(5*)moderno ou o capitalista(6*). No entanto é claro que, se numa formação económica da sociedade não prevalecer o valor de troca, mas o valor de uso do produto, o sobretrabalho está limitado por um círculo mais estreito ou mais largo de necessidades, mas do carácter da própria produção não brota qualquer necessidade ilimitada de sobretrabalho. O trabalho a mais [Uberarbeit] mostra-se, pois, terrível na Antiguidade, onde se trata de ganhar o valor de troca na sua figura de dinheiro autónoma, na produção de ouro e prata. Trabalhar violentamente até à morte é aqui a forma oficial do trabalho a mais. Leia-se apenas Diodorus Siculus(8*). Isto são todavia excepções no mundo antigo. Contudo, logo que povos — cuja produção se move ainda nas formas inferiores do trabalho escravo, trabalho servil, etc. — são atraídos a um mercado mundial dominado pelo modo de produção capitalista, que desenvolve a venda dos seus produtos para o estrangeiro como interesse prevalecente, aos bárbaros horrores da escravatura, servidão, etc, é enxertado o horror civilizado do trabalho a mais. Por isso, o trabalho dos negros nos estados do Sul da União americana conservou um carácter moderadamente patriarcal enquanto a produção era principalmente dirigida para a auto-subsistência imediata. Na medida, porém, em que a exportação de algodão se tornou interesse vital daqueles estados, também o fazer o negro trabalhar a mais — por vezes, o consumo da sua vida em sete anos de trabalho — se tornou factor de um sistema calculado e calculador. Já não se tratava de obter a partir dele uma certa massa de produtos úteis. Tratava-se, sim, da produção da própria mais-valia. Algo de semelhante sucedeu com o trabalho servil, p. ex., nos principados do Danúbio.

A comparação da avidez por sobretrabalho nos principados do Danúbio com a mesma avidez em fábricas inglesas oferece um interesse particular, porque o sobretrabalho possui no trabalho servil uma forma autónoma, sensivelmente perceptível.

Admitamos que o dia de trabalho conta 6 horas de trabalho necessário e 6 horas de sobretrabalho. O operário livre fornece, assim, semanalmente ao capitalista 6 x 6 ou 36 horas de sobretrabalho. É o mesmo que se ele trabalhasse 3 dias na semana para si e 3 dias na semana de graça, para o capitalista. Mas isso não é visível. Sobretrabalho e trabalho necessário perdem-se um dentro do outro. Assim, p. ex., também posso exprimir a mesma relação dizendo que o operário em cada minuto trabalha 30 segundos para si e 30 segundos para o capitalista, etc. Passa-se de maneira diferente com o trabalho servil. O trabalho necessário que, p. ex., o camponês valáquio executa para a sua autoconservação está espacialmente separado do seu sobretrabalho para o boiardo. Um, executa-o ele no seu próprio campo, o outro, na terra senhorial. Ambas as partes do tempo de trabalho existem, portanto, autonomamente uma ao lado da outra. Na forma do trabalho servil, o sobretrabalho está rigorosamente separado do trabalho necessáro. Esta diversa forma fenoménica em nada modifica manifestamente a relação quantitativa entre sobretrabalho e trabalho necessário. Três dias de sobretrabalho na semana permanecem três dias de trabalho que não cria qualquer equivalente para o próprio operário, quer se chame trabalho servil ou trabalho assalariado. Contudo, no caso do capitalista, a avidez por sobretrabalho aparece no ímpeto de prolongar sem medida o dia de trabalho; no caso do boiardo, mais simplesmente na caça imediata a dias de trabalho servil(9*).

Nos principados do Danúbio, o trabalho servil estava ligado a rendas em géneros e outros pertences da servidão; constituía porém o tributo decisivo [pago] à classe dominante. Onde isto aconteceu, o trabalho servil raramente brotou da servidão; inversamente, foi sim a servidão que na maioria dos casos brotou do trabalho servil(10*). Aconteceu assim nas províncias romenas. O seu modo de produção originário estava fundado na propriedade comum, mas não na propriedade comum em forma eslava ou mesmo indiana. Uma parte das terras era autonomamente administrada pelos membros da comuna como propriedade privada livre, uma outra parte — o ager publicus(11*) — era lavrada por eles em comum. Os produtos deste trabalho comum serviam em parte como fundo de reserva para más colheitas e outras casualidades, em parte como tesouro de Estado para cobertura dos custos de guerra, religião e outras despesas da comuna. No decurso do tempo, dignitários guerreiros e eclesiásticos usurparam, com a propriedade comum, as prestações à mesma. O trabalho dos camponeses livres na sua terra comunal transformou-se em trabalho servil a favor dos ladrões da terra comunal. Com isso, desenvolveram-se simultaneamente relações de servidão, porém apenas de facto, não de direito, até que a Rússia, libertadora do mundo, sob o pretexto de abolir a servidão, a elevou a lei. O código do trabalho servil, que o general russo Kisselev proclamou em 1831, foi naturalmente ditado pelos próprios boiardos. A Rússia conquistou assim de uma assentada os magnatas dos principados do Danúbio e o aplauso dos cretinos liberais de toda a Europa.

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