Capítulo 15 - A luta pelo dia de trabalho normal

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O que é um dia de trabalho?» Durante quanto tempo o capital pode consumir a força de trabalho cujo valor diário paga? Até quanto pode o dia de trabalho ser prolongado acima do tempo de trabalho necessário para a reprodução da própria força de trabalho? A estas perguntas, já se viu, responde o capital: o dia de trabalho conta diariamente 24 horas completas, com dedução das poucas horas de descanso sem as quais a força de trabalho recusa absolutamente a renovação do seu serviço. É desde logo evidente que o operário, ao longo de todos os seus dias de vida, nada é senão força de trabalho; que, por isso, todo o seu tempo disponível é, por natureza e direito, tempo de trabalho e pertence, portanto, à autovalorização do capital. Tempo para formação humana, para o desenvolvimento espiritual, para o preenchimento de funções sociais, para o convívio social, para o livre jogo das forças vitais físicas e espirituais, até para a celebração do domingo — e isto na terra dos sabadeadores(1*) —: pura treta! Mas, no seu impulso desmedidamente cego, na sua avidez de lobisomem por sobretrabalho, o capital derruba as barreiras máximas do dia de trabalho, não só as morais mas também as puramente físicas. Ele usurpa o tempo para crescimento, desenvolvimento e saudável conservação do corpo. Rouba o tempo requerido para o consumo de ar livre e luz solar. Corta no tempo da refeição e incorpora-o, sempre que possível, ao próprio processo de produção, de modo que os alimentos são adicionados ao operário como a um mero meio de produção, como o carvão à caldeira e o sebo ou o óleo à maquinaria. Ele reduz o sono saudável para recobro, renovação e refrescamento da força vital àquelas tantas horas de torpor que a reanimação de um organismo absolutamente esgotado torna indispensável. Em vez de a normal conservação da força de trabalho ser aqui a barreira do dia de trabalho, inversamente, o maior dispêndio diariamente possível de força de trabalho, por muito doentiamente violento e doloroso que seja, determina a barreira para o tempo de descanso do operário. O capital não pergunta pela duração de vida da força de trabalho. O que lhe interessa é única e exclusivamente o máximo de força de trabalho que, num dia de trabalho, pode ser feito fluir. Atinge este objectivo por encurtamento da duração da força de trabalho, como um agricultor ganancioso alcança um maior rendimento do solo por roubo da fertilidade da terra.

Portanto, a produção capitalista — que é essencialmente produção de mais-valia, sucção de sobretrabalho — com o prolongamento do dia de trabalho não produz apenas o enfezamento da força de trabalho humana, que é privada das suas normais condições de desenvolvimento e actuação morais e físicas. Ela produz o esgotamento e mortificação prematuros da própria força de trabalho(5*). Prolonga o tempo de produção do operário durante um dado prazo por encurtamento do seu tempo de vida.

O valor da força de trabalho inclui, porém, o valor das mercadorias que são requeridas para a reprodução do operário ou para a propagação da classe dos operários. Portanto, se o prolongamento antinatural do dia de trabalho, a que o capital necessariamente aspira no seu impulso desmedido de autovalorização, encurta o período de vida do operário singular e, assim, a duração da sua força de trabalho, torna-se necessária uma mais rápida substituição dos operários desgastados e, portanto, a entrada de maiores custos por desgaste na reprodução da força de trabalho — tal como a parte de valor de uma máquina a reproduzir diariamente é tanto maior quanto mais depressa ela se desgasta. O capital parece ser, pois, no seu próprio interesse remetido para um dia de trabalho normal.

O detentor de escravos compra o seu trabalhador como compra o seu cavalo. Juntamente com o escravo, ele perde um capital que, mediante nova despesa, tem de ser substituído no mercado de escravos. Porém,

«os arrozais da Geórgia e os pântanos do Mississippi podem ser fatalmente prejudiciais para a constituição humana; mas o desperdício das vidas humanas que o cultivo destas regiões determina não é tão grande que não possa ser remediado pelas férteis reservas da Virgínia e do Kentucky. Para além disso, considerações económicas que [...] fornecem alguma segurança para um tratamento humano, ao identificar o interesse do dono com a preservação do escravo, uma vez praticado o comércio de escravos tornam-se razões para exagerar ao máximo a labuta do escravo; pois quando o seu lugar pode ser imediatamente substituído por reservas do exterior a duração da sua vida torna-se uma questão menos momentosa do que a sua produtividade enquanto dura. Em conformidade, é uma máxima da gestão de escravos em países importadores de escravos que a economia mais eficaz é a que tira do gado humano (human chattel) no mais curto espaço de tempo a maior quantidade de esforço que é capaz de desenvolver. É nas culturas tropicais, onde os lucros anuais com frequência igualam o capital total das plantações, que a vida de negros é mais despreocupadamente sacrificada. É a agricultura das Índias Ocidentais, desde há séculos o berço de fabulosa riqueza, que tragou milhões de pessoas de raça africana. É em Cuba, nos dias de hoje, onde os rendimentos se contam por milhões e cujos plantadores são príncipes, que vemos entre a classe servil a alimentação mais grosseira, a labuta mais esgotante e ininterrupta e mesmo a destruição absoluta de uma parte dos seus membros cada ano(6*).»(7*)

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