Capítulo 22 - A Fábrica

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No início deste capítulo considerámos o corpo da fábrica, a articulação do sistema de máquinas. Vimos, então, como a maquinaria multiplica o material humano de exploração do capital pela apropriação do trabalho feminino e infantil, como ela confisca todo o tempo de vida do operário pela extensão desmedida do dia de trabalho, e como o seu progresso, que permite fornecer um produto em enorme crescimento num tempo sempre mais curto, serve por fim de meio sistemático para fazer fluir mais trabalho em cada momento do tempo ou explorar cada vez mais intensivamente a força de trabalho. Viramo-nos agora para a fábrica no seu todo, e precisamente na sua figura mais desenvolvida.

O Dr. Ure, o Píndaro da fábrica automática, descreve-a, por um lado, como

«cooperação combinada de muitas ordens de gente trabalhadora, adulta e jovem, para assistir com destreza diligente um sistema de máquinas produtivas, continuamente impelido por uma força central» (o primeiro motor),

e por outro lado, como

«um vasto autómato, composto de vários órgãos mecânicos e intelectuais, agindo em ininterrupto concerto para a produção de um objecto comum — estão todos eles subordinados a uma força motriz auto-regulada».

Estas duas expressões não são de maneira nenhuma idênticas. Numa, o operário total combinado ou corpo social do trabalho aparece como sujeito predominante e o autómato mecânico como objecto; na outra, o sujeito é o próprio autómato e os operários, enquanto órgãos conscientes, estão apenas coordenados com os seus órgãos desprovidos de consciência e, com estes, subordinados à força central de movimento. A primeira expressão vale para toda a aplicação possível da maquinaria em grande; a outra caracteriza a sua aplicação capitalista e, por isso, o sistema fabril moderno. Ure gosta por isso também de expor a máquina central, da qual parte o movimento, não só como autómato, mas como autocrata.

«Nestes espaçosos salões a força benigna do vapor convoca para redor de si as suas miríades de servidores prontos.»(1*)

Com a ferramenta de trabalho, também a virtuosidade no seu manejo passa do operário para a máquina. A capacidade de rendimento da ferramenta é emancipada das barreiras pessoais da força de trabalho humana. Com isso é suprimida a base técnica em que assenta a divisão do trabalho na manufactura. Para o lugar da hierarquia de operários especializados que a caracteriza entra, portanto, na fábrica automática, a tendência para a igualização ou nivelamento dos trabalhos que os ajudantes da maquinaria têm de executar(2*), para o lugar das diferenças artificialmente criadas entre os operários parcelares entram predominantemente as diferenças naturais de idade e sexo.

Na medida em que a divisão do trabalho reaparece na fábrica automática, é antes de mais repartição de operários pelas máquinas especializadas e de massas de operários, que não formam ainda quaisquer grupos articulados, pelos diferentes departamentos da fábrica, onde trabalham em máquinas-ferramentas similares, alinhadas em filas ao lado umas das outras, havendo entre eles portanto apenas cooperação simples. O grupo articulado da manufactura é substituído pela conexão do operário principal com poucos ajudantes. A cisão essencial é a de operários que estão ocupados realmente com as máquinas-ferramentas (incluem-se aqui alguns operários para vigilância e ou alimentação da máquina motriz) e de meros serventes (quase exclusivamente crianças) desses operários com máquinas. Entre os serventes encontram-se mais ou menos todos os «feeders» (os que estendem meramente às máquinas material de trabalho). Além destas classes principais surge um pessoal, numericamente insignificante, que se ocupa do controlo de toda a maquinaria e da sua constante reparação, como engenheiros, mecânicos, carpinteiros, etc. Esta é uma classe operária superior, em parte cientificamente cultivada, em parte de ofício [handwerksmqfiige] fora do círculo dos operários fabris e a eles apenas agregada(4*). Esta divisão do trabalho é puramente técnica.

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