01.

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quatro anos atrás.

FELIPE.

- Débora, eu não consigo entender o porquê de tudo isso!

- Felipe, eu acabei de perder meus pais. Eu não tenho nada nessa vida que me faz ficar presa aqui no Rio. - ela fecha a última mala e coloca junto das outras três que estão no canto da sala.

Respiro fundo e escoro na parede, não podendo impedir ela de fazer nada, mesmo que eu ame ela com toda minha alma. Mas eu não posso lutar contra sua vontade, mesmo eu querendo muito.

- Nosso namoro não é nada para você?

- Nosso namoro foi tudo que sempre quis, mas não é mais minha vontade de ficar aqui. - limpa as lágrimas e coloca o cabelo moreno atrás da orelha. Meu peito arde. - Meus pais não estão mais aqui, minha família não está aqui, eu não tenho ninguém aqui! Eu vou ir pra Curitiba ficar com minha avó e fazer meu curso de fotografia.

- Então tudo que vivemos vai acabar assim?

- Vai, Felipe. Eu não consigo olhar pra cada canto dessa casa e não vê-los, porque tudo está me lembrando eles.

- Vamos morar comigo, minha mãe gosta de tu, a gente dá um jeito até eu terminar a faculdade e arranjar um canto pra nós.

- De verdade, do fundo do meu coração: eu não quero ficar aqui. Entenda isso. Tá doendo muito.

- Quando você vai? - pergunto. Tento manter toda a calma pra não surtar e piorar a situação.

- Essa madrugada.

Essa é a nossa última noite juntos. Última vez que vamos ter um jantar, uma última conversa, mesmo que ruim, última vez que vou sentir teu cheiro.

- Então vamos fazer a nossa última coisa. A única possível, porque eu não vou conseguir te fazer ficar.

- Me encontra no restaurante de sempre, lá vai ter uma mesa reservada no meu nome.

Ela diz e eu concordo, mesmo que contra gosto. Vou tentar convencer que ela pode ficar aqui, superar tudo, fazer o curso de fotografia, crescer profissionalmente, tudo que ela quiser conquistar eu quero estar junto.

Ela volta a colocar algumas das suas máquinas na mochila própria de lentes e máquinas fotográficas e eu fico vendo. Quando vejo que não tem assunto, só o silêncio se faz presente, saio dali.

- Júlia, cadê teu irmão? - pergunto quando chego na casa dela.

- O Caio saiu com a Luísa, sabe como os dois são. - ela me dá espaço pra entrar. - Tá tudo bem? O que aconteceu?

- A Débora está indo embora.

- A...a Débora? - concordo. - Como assim, Felipe?

- Eu não sei, ela só disse que ia pra Curitiba por causa dos pais dela, que não tem motivo que faça ela ficar aqui.

- Certeza? Meu Deus, eu não sei nem o que falar.

- Julinha, eu vi com meus próprios olhos. E acho que ela nem falaria nada, já que cheguei na casa dela de surpresa e tinha várias coisas encaixotadas. - falo. Ela me dá um abraço forte, como se pudesse curar tudo que está dilacerado dentro de mim, mesmo odiando toques. - Porra, tá doendo tanto.

- Ela perdeu os pais, Felps. Sei que não é a justificativa mais plausível, mas ela perdeu um dos únicos apoios que tinha aqui, e arrisco dizer: os mais importantes.

- Eu sei disso, mas ela me tem! Ela tem minha família, ela tem vocês. Por que largar tudo e ir pra Curitiba? Ir para a avó dela que o contato é quase nulo.

- A mente dela tá uma bagunça, no momento isso é a coisa mais certa para se fazer. Mas ela vai voltar, vocês vão se reencontrar muitas vezes ainda.

- Eu tô indo nessa. - falo. É a única coisa que me resta fazer, ir na despedida. - A gente vai jantar antes dela ir, a última vez.

- Não faz nada que vai se arrepender depois, tenta esfriar a cabeça e resolver da melhor forma, para não saírem mais machucados.

Dou um beijo na bochecha dela e peço para ela me avisar quando o Caio chegar. Passo em casa rapidão e tomo uma ducha fria pra aliviar toda essa tensão no meu corpo.

Quando chego no lugar, o mesmo de todas as vezes, encontro ela já sentada na mesa, sempre muito bem vestida, o batom vermelho e, ao invés de ter um sorriso grande em seus lábios, mostrando suas covinhas, ela dá um sorriso contido quando me vê.

Sento na mesa e tudo parece voltar ao meu corpo; aquele medo, receio. Na mesa o vinho branco que ela gosta de beber, a luz de vela, a música baixa e que não faz estilo de nenhum de nós dois, mas ela está acostumada a ir nesses lugares de alto padrão. O que torna ela parecer ser fútil, sendo que ela é totalmente o oposto.

A pessoa mais alto astral, com a risada mais gostosa, que compartilha de loucuras, que não tem frescura. Toda lugar é lugar com ela, toda hora é hora, não importa.

- Você tá lindo, bê.

- Eu te digo pela última vez que você está linda. - respondo.

- Eu não quero fazer desse momento de despedida, mas nossa última recordação tem que ser sem rancor, mágoas.

Dou de ombros. Impossível não ser.

E, por incrível que pareça, foi leve. Mas nada como se não tivesse um término envolvido, uma distância que fode com tudo. Apenas foi Débora Fava.

- Obrigada por proporcionar os melhores momentos ao seu lado, por me mostrar o sentido real de viver.

- Débora, fica.

- Eu não posso, eu não consigo...! - uma lágrima desce do seu olho. - Te amo muito, Felipe. Mas eu não posso ficar aqui.

Colo minha boca na sua boca tingida de vermelho e sinto pela última vez seu sabor. O seu toque.

- Eu te faria a mulher da minha vida. - falo, baixo. Sentindo o vento gelado bater em nosso corpo. - Vou te esperar.

- Não espere por mim.

PODE FICAROnde histórias criam vida. Descubra agora