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três anos atrás...

DÉBORA.

Há sete dias atrás eu estava fazendo minha última prova do vestido. Hoje é minha despedida, faltam menos de vinte e quatro horas para que meu sobrenome passe de Fava para D'angelo, para que eu carregue um Fava D'angelo, onde o meu nome será esquecido. Sendo que quem irá trazer toda a popularidade para a família de Tomás será eu. 

E por que de eu ser a esquecida? 

No mesmo dia que peguei meu vestido já saí direto pro estúdio e depois encontrei toda minha família que estava em Curitiba no aeroporto para embarcamos rumo à Itália. Elas estavam tão eufóricas por um casamento arranjado, elas estavam tão felizes de ver a garota que elas dizem amar largar tudo para trás. 

Largar tudo para trás de novo. Mais uma história se repetindo. 

No primeiro dia aqui após nossa chegada teve um almoço com toda a família, sem exceção de falta. Absolutamente todos e nonno estava tão feliz de me ver aqui, sorrindo e dizendo aos quatro cantos que a neta dele casará.

Os pais do meu noivo também estavam presente, esbanjando-se no dinheiro que nem deles ainda é. Felizes por carregar a honra de ter uma ligação com a vinícola. Felizes por ter uma herdeira como nora. Felizes...felizes por verem minha a infelicidade.

E agora eu me pergunto, por que todos aqui riem, se divertem enquanto eu sinto um rebuliço a cada vez que emano: grazie, sposarsi è un onore (casar é uma honra) e distribuo um sorriso falso. Tanto aos convidados que mal conheço quanto a mim mesmo, para enganar esse sentimentos de obrigação.

- Preparada para abrir os presentes? - uma prima pergunta e eu suspiro concordando. - Irei chamar o Tomás, espera um minuto.

Sento na cadeira que tem, ficando de frente a todos que prestam atenção em mim, bebo da taça com água e meu noivo caminha até mim, meio bêbado, com a camisa social aberta os primeiros botões, cabelos que estavam penteados com gel estão meio revoltados em seu rosto marcado. Ele para frente à mim e da um sorriso, retribuo esperando que ele se sente, mas ele me chama e eu levanto, ficando ao seu lado.

Ele me gira e paro colada em seu corpo, consigo ouvir as palmas e os gritos, mas o meu foco está totalmente na pequena mancha rosa em seu pescoço, além do cheiro extremamente doce.

Tudo bem, respira, Débora... Vocês nem são casados.

Ele tenta beijar e eu desvio, me soltando e segurando o choro que tenta vir a todo custo. Posso não gostar dele, mas é tão humilhante saber que nas vésperas do casamento você tenha que lidar com isso.

Enquanto eu estava longe, tudo bem, eu não ficava sabendo, assim como ele também não sabe que eu ficava com outros. Mas agora que viverei aqui? Não, é muito desrespeito.

- Voltei, estava no banheiro. - minha prima chega e eu sento de volta na lugar que estava. - Podemos começar?

Todos batem na mesa e eu pego a primeira coisa que me entrega. Ela olha bem no meu rosto e eu desvio o olhar para sua boca vendo um tom de rosa igual ao do pescoço. Faço um olhar em triângulo, ela, pescoço, ela.

Precisa ser tão descarado assim?

- Vuoi aiuto, principessa? (quer uma ajuda, princesa?)

- Non va bene. Con te. ( não, tudo bem. Eu consigo.)

A primeira coisa é uma lingerie branca, rendada, bonita ao extremo. Ouço os gritos e fecho a caixa, o homem me cutuca e eu nego com a cabeça.

- Il mio piccolo non lo usa! Chi ha dato mi vedrà. (minha pequena não usa isso! Quem deu se verá comigo.) - meu avô exclama e eu solto uma risada em meio às outras. A primeira risada sincera desde que cheguei. - Cazzo, dico sul serio.

- Nonno, fique tranquillo, eu não usarei isso...

- Cadê o próximo? - meu quase marido pergunta e minha tia dá a ele uma outra caixa. - Dobbiamo aprire tutto questo? (temos que abrir tudo isso?)

- Sim, é o certo, mas vamos abrir só mais alguns e depois abriremos em casa. - respondo e bebo mais da minha água. - Abre, quero saber o que é isso.

Ele abre e se revela um jogo de taças, das mais belas junto com um envelope cheio de dinheiro. Não que nos falte, mas sempre bom...

Abrimos mais alguns e depois veio a tradição de sempre: receber algo novo que representa mudança de ciclo, algo velho para relembrar o passado que jamais deve ser esquecido, algo emprestado que representa afeto e algo azul que significa pureza aqui na Itália.

Uma priminha minha caminhou até mim e entregou uma sandália de salto, salto agulha e todo branco. Depois veio vovó com um colar que é passado para todas que se casam, é de família, e a última pessoa quem usou ele foi minha mãe. Ela entrega para Tomás e ele coloca em meu pescoço.

Depois veio minha tia com um brinco para mim e uma gravata para meu noivo, logo após, meu avô caminha até mim com um anel azul. A coisa mais perfeita do mundo.

- Oltre a farti un regalo, questo anello ti ricorda la tua purezza, la tua origine, chi rappresenta: te. (além de te dar um presente, esse anel te lembra da sua pureza, da sua origem, de quem ele representa: você.) - limpo a lágrima que desce e recebo um beijo em minha testa, logo em seguida ele coloca em meu dedo que está com a aliança.

Se lembrar de quem sou. Não perder minha essência.

Não sei mais quantas horas durou esse show patético, mas quando eu vi a última pessoa ir embora agradeci aos céus. Poder não me preocupar em mater a pose de uma noiva feliz que se casará em breve e se tornará mamãe.

Até Tomás foi embora, porque aqui a partir das meia noite é proibido o noivo e a noiva se verem, e minha família segue esse detalhe à risca. Só que eu não posso deixar isso assim, não quando em horas estarei no altar.

Não ligo para essa regra maldita e boba que insistem dizer que gera azar e toda aquela palhaçada, então caminho até a casa dele e bato na porta esperando ele abrir. Verifico meu celular se está tudo certo e quando vou bater novamente ele aparece.

- Cosa stai facendo qui? (fazendo o que aqui?) - pergunta. - Sai che non puoi fare tutto questo. (sabe que não pode nada disso)

- Eu sei, eu sei... mas nem ligo para essa regra. - respondo. Ele entende português bem, nem irei me desgastar em falar italiano. - Eu só quero que confesse uma coisa, uma suspeita. E eu nem vou me importar de você falar a verdade, ok?

- O que queres saber? - mistura um pouco as línguas, ficando um portunhol.

- Beijou a Ana? - pergunto. - Não minta, de verdade, não ligo se sim ou não. Mas eu vi uma pequena mancha em seu pescoço.

Ele passa a mão e bufa.

- Perché pensi che? (por que acha isso?)

- Só quero saber. - ele nega com a cabeça. - Conta para mim, eu não vou surtar, dar uma de maluca.

- Débora...

- Per favore.

- Ok, sono rimasto con lei sì. (tudo bem, eu fiquei com ela sim)

- Só uma vez?

- No, a volte già ( não, algumas vezes .) - Non combatterai, vero?

- Não, não vou brigar. Eu só queria saber mesmo.

- Achou ruim? - pergunta. - Por que você sabe, nós não noi baciamo.

- Entendi, vou indo nessa...!

- Já? - concordo e me levanto. - Débora, me desculpe.

- Boa noite, Tomás. E relaxe, nosso casamento não será cancelada por causa disso, seus pais não saberão.

Não agora.

Porra...

PODE FICAROnde histórias criam vida. Descubra agora