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Capítulo 4

            Wei Wuxian

            Pisquei.

            As luzes já eram fortes, e a enfermeira ainda ficava passando a lanterna diante dos meus olhos. No nariz. Na boca.

            Pisquei.

            Meu pai tinha lágrimas nos olhos, mas elas não caíam. Ele estava encostado na parede. Seu punho cerrado pressionava a boca, em silêncio.

          

Pisquei.

            Mamãe chorou quando a enfermeira mencionou um exame de corpo de delito. Eu não sabia o que era.

            Pisquei.

            A enfermeira me limpou. Meus lábios, meu rosto, minha coxa, meu...

          

Pisquei.

            Ela penteou meu cabelo. Folhas caíram. Ela encontrou sangue. Papai começou a chorar baixinho.

            Pisquei.

            Ela cortou o meu short e o sacudiu fez o mesmo com a minha camiseta. Havia terra. Minha roupa estava  suja. Eu estava sujo. Em todos os lugares. Minha papoula tinha sumido. Onde tinha ido parar? Ela cortou minhas unhas. As unhas estavam destruídas. Assim como eu.

            Pisquei.

            Eles me carregaram até o carro. Eu me encolhi em posição fetal. Os semáforos acendiam luzes vermelhas e verdes. O amarelo ficava borrado. Eu via o rosto dele na minha cabeça.

            Pisquei.

            Cheng e Yanli estavam na varanda quando cheguei em casa. Eles não falaram nada. Eu também não.

            Pisquei.

            Meus pais me levaram para o quarto deles, e eu chorei em meio aos lençóis, tremendo, me sentindo sujo, em pedaços, usado. Com medo. Muito medo.

            Shhh...

            Shhh...

            Será que a enfermeira conseguiu? Será que ela conseguiu extrair o gosto dele dos meus lábios? Será que ela conseguiu tirar a pele dele da minha pele? Será que ela...?

            Pisquei.

            Fechei os olhos. Eu não queria sentir. Eu não queria ser. Eu não queria mais piscar. Mantive os olhos fechados. Eu não queria ver, mas ainda o via. Eu o via. Eu o sentia. Eu sentia o gosto dele.

            Tudo ficou sombrio.

            Tudo virou sombras.

            Tudo virou escuridão.

(...)

O silêncio das águas Onde histórias criam vida. Descubra agora