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Capítulo 10

            Wei Wuxian

            — Um, dois, um, dois, três, quatro! — contou Cheng na garagem antes de começar a tocar baixo com Wangji e a banda.

            Fiquei sentado no piso da cozinha, gravando tudo pela porta aberta e, sempre que eles paravam para conversar, eu voltava a ler meu livro.

            Quando eu era mais novo, ler não era o que eu mais gostava de fazer, mas, à medida que os anos se passaram, a leitura se tornou a voz que perdi. Era quase como se os personagens morassem na minha cabeça e compartilhassem seus pensamentos comigo, e vice-versa.

            Nos últimos oito anos, li mais de oitocentos livros. Vivi mais de oitocentos “era uma vez”. Eu me apaixonei umas seiscentas e noventa vezes, senti desejo umas vinte, odiei alguém umas dez bilhões de vezes. Por meio daquelas páginas, fumei maconha, saltei de paraquedas e nadei pelado. Fui apunhalado pelas costas por amigos tanto física quanto emocionalmente e chorei a perda de entes queridos.

            Vivi a vida de cada personagem dentro das paredes do meu quarto.

            Meu pai trazia um livro novo para mim — ou cinco — a cada duas semanas, no dia em que recebia seu pagamento. Ele devia gastar uns vinte por cento da sua vida em livrarias, escolhendo minha próxima leitura.

            Eu adorava o momento em que os meninos chegavam da escola e iam tocar na garagem, era a minha hora preferida do dia. Sempre ficava sentado lendo e escutando as músicas. Mas quando eles começavam a discutir sobre a letra, os acordes ou a bateria de Wen Ning, eu fazia uma pausa na minha leitura.

            — Wen Zhu, só estou dizendo que você está fora do ritmo — disse o tecladista.

            Ele era um cara enorme que suava pra caramba. Todas as suas camisas tinham manchas de suor. Quando se levantava do banco do teclado, as manchas no seu traseiro eram grandes, e os outros debochavam dele por causa disso. Além do mais, estava sempre com fome — o tempo todo. Quando não estava comendo, falava sobre comida. Era um carnívoro; amava qualquer tipo de carne mais do que qualquer outra pessoa que já conheci. Além do suor excessivo e do amor por filé, Ning era o mais fofo do grupo e nunca brigava com ninguém, a não ser quando esse alguém era Zhu. Os dois brigavam por tudo. Naquele dia, a briga começou porque Ning estava fora do ritmo.

            — Você não sabe o que está falando, . Está tocando muito rápido. Precisa ir mais devagar.

            Ning era o extremo oposto de Zhu — vegetariano, magro como um palito e sempre com várias camadas de roupas, porque não importava a temperatura, ele estava sempre com frio e com o nariz vermelho.

            — Cara, tá de sacanagem comigo? Você não sabe nada. Você precisa... — começou Ning.

            Zhu o interrompeu.

            — Não, você precisa...

            — LIMPAR OS OUVIDOS — gritaram os dois ao mesmo tempo.

            Levou apenas alguns segundos até que eles se encarassem, empurrando um ao outro e gritando. Zhu passou o braço pelo pescoço de Ning e forçou o rosto dele em direção a sua axila.

            — Eca! Que nojo, cara. Fala sério, Zhu! Ninguém merece isso! — gritou Ning, e seu rosto ficou da cor do nariz. — Dá para me soltar?

— Diga, diga agora! — ordenou Zhu. — Diga que sou o melhor tecladista!

— Você é o melhor tecladista, tá, cabeção?

O silêncio das águas Onde histórias criam vida. Descubra agora