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Capítulo 37

Wangji

Você prometeu.

A voz dele. Suas primeiras palavras em muitos anos foram ditas para mim, motivadas por sua frustração. A verdade por trás daquelas palavras me mantiveram acordado a noite inteira.

Juntamente com o som da sua voz. Eu odiava o fato de a voz dele ter finalmente voltado quando ele estava com raiva e sofrendo. Odiava ter sido a pessoa a fazê-lo chegar àquele ponto.

No que eu me transformei?

— Wuxian — sussurrei às cinco da manhã. Cutuquei seu ombro de leve enquanto ele dormia na cama.
— Wuxian, acorde.

Ele se mexeu antes de bocejar e esfregar os olhos. Pareceu intrigado.

— Sei que é cedo, mas posso te mostrar uma coisa?

Ele assentiu, e fiquei pensando se eu havia imaginado o som da sua voz. Ele se levantou, e eu o levei até a doca, onde me sentei. Ele se juntou a mim, acomodando-se ao meu lado.

Inclinando a cabeça, ele semicerrou os olhos, confuso.

— Número sessenta e sete da sua lista de coisas para fazer. Assistir ao nascer do sol sobre a água.

Um pequeno suspiro escapou dos seus lábios, e ele olhou para o céu escuro que estava começando a despertar para um novo dia.

— Você se revira muito durante o sono — comentou ele.

— É, eu sei.

— Você também acorda suando frio? Às vezes, você se sente como se estivesse se afogando e, mesmo sabendo que não é verdade, parece que está lá, vivendo tudo aquilo de novo?

— Sim, sim. É exatamente isso. É difícil descrever o que está se passando na minha cabeça. Todo mundo fica me dizendo que vou me reerguer, mas as lembranças, as vozes…

— Elas são reais. As vozes. Os flashes. Tudo isso é real, Wangji, e não importa o quanto tente descrevê-los para uma pessoa que nunca passou por um trauma, ela nunca vai entender.

O que aconteceu com você deve ter sido horrível. Sei muito bem como é se revirar durante o sono. Sei o que é suar frio. Sei qual é a sensação de achar que tudo está acontecendo de novo, a cada instante do dia, todos os dias.

Baixei a cabeça.

— É assim com você desde que tinha dez anos?

— É. E é por isso que eu não podia te deixar sozinho. Sei como é ter medo de começar de novo.

— Eu me sinto um idiota por ter agido como agi... fui egoísta. Você está lidando com isso tudo a vida inteira e nunca foi frio. Você nunca se voltou contra ninguém. E eu fui um babaca com você, Wuxian. Sinto muito.

Ele deu de ombros.

— Cada pessoa lida com o trauma de uma forma diferente. Só porque reagi aos meus problemas de um jeito, isso não significa que você tenha que reagir da mesma forma. O que aconteceu com você foi traumático, e entendo perfeitamente o fato de você ficar com medo da música por causa disso. Você se sente traído. É a coisa que mais ama e que ainda não pode ter. Mas você vai chegar lá, Wangji. Vai encontrar o seu caminho.

— Peguei o violão outro dia. Ele estava lá, no canto do quarto, e, por hábito, eu o peguei. Então, me lembrei de que não conseguia mais tocá-lo. Em vez de ficar triste, fiquei com raiva. Enchi a cara para acabar com o sofrimento. Mas depois que a bebedeira passou, o sofrimento ainda estava lá.

— O sofrimento vai continuar. É doloroso, difícil, dói muito mesmo. Dói por tanto tempo que, às vezes, você acha que a dor nunca vai passar. Mas essa é a beleza do sofrimento.

O silêncio das águas Onde histórias criam vida. Descubra agora