Coração fora do peito

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O processo de se entender, a busca pelo autoconhecimento ainda era a realidade de Clara, que trazia as marcas de mais de vinte anos em uma relação abusiva.

Durante algum tempo em sua vida, viveu em dúvida se teria odiado a maternidade por conta de Theo e sua falta de apoio ou se, de fato, era pessoal e ela não gostava da ideia de ser a mãe de alguém. Isto levou menos tempo para entender, acabou concluindo que apesar das mudanças no corpo e a falta de liberdade em sua rotina, Clara detestou a maternidade por culpa de Theo, sua irresponsabilidade e falta de comprometimento. Seu marido nunca trocou uma fralda, não perdeu nenhum minuto de seu sono e, ainda em seu puerpério, quando um buraco de dez centímetros dentro dela estava em processo de regeneração, Theo abriu outro ainda maior em seu coração, a traindo inúmeras vezes, sem fazer questão de esconder vestígios de outras mulheres. Todo nervoso ao qual foi submetida, fez com que Clara conseguisse amamentar Rafael apenas até seu quarto mês de vida. Quando passou a ter de introduzir fórmula como uma alternativa para alimentar seu bebê, Clara sentiu uma culpa ainda maior a corroer.

Agora que Rafael era um homem feito, olhar para trás fazia Clara sentir saudades de cada noite mal dormida e fase difícil em seu crescimento. Ela sentia falta do cheirinho de bebê, da sensação de tê-lo nos braços, como se estivesse segurando o mundo todo nas mãos. Sentia falta de ver os primeiros passinhos, os dentinhos nascendo. Tudo. Se pegou a imaginar se a maternidade seria um desejo futuro de Helena. Helena gostaria de ter um filho com ela algum dia?

"Ei, tá bem aí, mãe?" Rafael estalou os dedos em frente os olhos da mãe, trazendo-na de volta a órbita gravitacional da terra. Como havia divagado! "Eu disse que nós estamos indo e perguntei se você gostaria de ir com a gente"

Clara observou Kate ajeitar a bolsa no ombro e esperar por sua resposta, parecendo ansiosa.

"Onde vocês vão mesmo?"

"A gente tá indo almoçar no restaurante da minha mãe, sogrinha" Kate riu, pensando em como Clara era distraída as vezes. Isso a lembrava de Rafael, certamente. "Você e a Helena estão mais que convidadas"

Clara olhou as horas em seu telefone e lembrou de Laura. Infelizmente, teria que negar o convite.

"Não posso, meus amores. A sobrinha da Helena já deve tá chegando, e eu prometi que cuidaria dela hoje" sorriu minimamente.

"Ué, traz a menina, ela pode brincar com a Dudinha" Kate insistiu.

"Melhor não, ela tá doente, bem resfriada" Clara se levantou, acompanhando os dois até a porta.

"Melhoras pra ela, então" sorriu. "A Helena não quer vir com a gente?"

"Ela vai trabalhar daqui a pouco" esclareceu Clara.

Helena surgiu do quarto, já vestida para o trabalho, checando as horas em seu smartwatch. Seus olhos se voltaram à namorada, que mexia em seu telefone, deitada no sofá.

"Amor, já vou indo, ok?" sorriu e lhe deu um breve beijo. "O Fernando vai trazer a Laura daqui pouco. Confere na bolsa dela, se aquele maluco não esqueceu os remédios, tá bom?"

"Ei, espera aí..." ao ver como Helena estava vestida, Clara saltou do sofá e foi como um verdadeiro despertar naquela manhã.

Helena usava um conjunto de treino cinza, top e shorts, sem o corta vento habitual por cima. Apenas a bolsa esportiva rosa no ombro.

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