Sem pequenos espaçamentos por onde a luz do dia pudesse entrar, Clara apenas acordou, por acaso, às 8:30h. E no breu, tendo unicamente a luz do visor de seu celular para se guiar pelo ambiente, pensou em como Helena estaria e se em sua cela haveria mais iluminação que ali. Claro, obviamente a pequena janela serviria para trazer luz, já que não havia motivos para ela estar em uma solitária, completamente escura. Pensou que talvez Helena se sentisse sozinha, por aguardar julgamento em uma cela especial, por outro lado, pensou que era bom Helena não estar dividindo cela. Sentiu-se egoísta e se culpou logo que o pensamento a atingiu.
Clara fechou todos os aplicativos em segundo plano e deixou o celular sobre o criado mudo. Caminhou descalça pela casa. Ao sair do quarto e ser bombardeada pela luminosidade intensa do sol, sentiu-se uma vampira e correu para fechar todas cortinas. Na cozinha, deixou as janelas abertas, adaptando seus olhos à luz novamente. Sua cabeça doía, e era culpa da garrafa de vinho da noite passada. Clara bebeu vendo fotos de Helena e se recordando dos momentos vividos ao lado dela, encerrando a noite em sua cama, tonta e triste. Mas nada se comparava às vertigens daquela manhã. Olhou para a garrafa vazia em cima da pia e pensou que deveria beber outra. Mesmo sendo a manhã de uma segunda-feira. Todos os dias pareciam iguais, não saberia se situar, não fosse o calendário.
Clara pegou suco de uva na geladeira e sentou à mesa sozinha, com o silêncio do ambiente a seu redor e o barulho incessante de seus pensamentos e dores da ressaca. Quando abriu a garrafa, ouviu passos e risadas. Rafael e Kate entraram e se sentaram à mesa. Seu filho sorriu, observando que havia apenas uma garrafa de suco ali. Levantou e pegou torradas no armário e geleias na geladeira.
"Tá com medo, mãe?" ele perguntou, sentando-se ao lado dela após dispor os alimentos sobre a mesa.
Clara não entendeu. "O que? Medo de que?"
"Hoje é dia 13. Começa o julgamento da Helena"
O coração de Clara disparou no mesmo minuto. Ela estava em choque e aflita. As palavras de Rafael tiraram até as dores de sua ressaca, milagrosamente. Clara sentiu que estava além da sobriedade, mas à beira do desespero.
"Eu tinha me esquecido completamente. Bebi demais ontem. Meu Deus!" ela se colocou de pé, sem saber para onde iria e o que faria.
Kate riu alto e disse, encarando a garrafa vazia na pia, atrás de Clara: "quem fica bêbado com uma garrafa, gente?" pegou outra torrada e mordeu.
"Eu" Clara disse, saindo da sozinha como um furacão.
No quarto, ligou para Lumiar.
"Eu tô atrasada? Que horas são?"
"Clara, se você está falando da audiência, não. Está marcada pra 14h." a loira pode ouvir o suspiro de alívio da amiga.
"Eu preciso voltar pra casa" era a voz de Solange.
Clara deixou a curiosidade completamente de lado e encerrou a chamada, após dizer: "Obrigada, te vejo às 14h. Me mande a Localização daqui a pouco."
Voltou à cozinha e se deparou com Rafael e Kate terminando o café da manhã. Rafa se levantou, levando a louça suja para a pia e começando a lavá-la. Kate ficou apostos para secar, com um pano de prato jogado por cima do ombro. Clara abriu um sorriso, inevitavelmente lembrando-se de Helena e como era quando eram as duas se apoiando em pequenas tarefas do cotidiano, como aquela.
***
Sol calçou os sapatos, vestiu as próprias roupas novamente, deixando as de Lumiar sobre a cama e arrumou o cabelo como pôde, prendendo em um rabo improvisado, sendo observada pela loira enquanto fazia todas essas coisas. Havia um desconforto sutil em ser observada tão de perto, não fisicamente perto, porém de perto, com intimidade e proximidade. O mais inacreditável de tudo era que não haviam feito nada de mais. Elas assistiram O massacre da serra elétrica no apartamento de Lumiar, com pizza e vinho. E em vários momentos do filme, Lumiar precisou cobrir os olhos de Sol, para que não sentisse o horror gráfico das cenas. Quando o filme havia terminado, era tarde e a loira sugeriu que Solange passasse a noite. Sol aceitou e pegou as roupas de Lumiar emprestadas para dormir.
Desde o dia no cinema, quando Sol chorou durante a exibição de barbie, um elo começou a se formar entre elas. Lumiar não conseguia ver tão claramente os motivos de querer estar perto da mulher cada vez mais, o fato de admirá-lá era uma boa desculpa, para não ter que pensar a respeito e encontrar outras respostas. Respostas que temia.
E Sol se pegava fazendo coisas surpreendentes. Como faltar ao culto de domingo para estar ali, com a ex de um ex amor. E depois passar a noite com ela. Não fizera nada de selvagem naquela cama enorme, em vez disso, dormira abraçada a mulher, sentindo o nariz dela tocar a pele de seu pescoço e o corpo reagir com arrepios inexplicáveis. Mas acima de tudo, Solange se sentiu segura.
"Eu tenho que ir agora, você me leva?" pediu a mulher de belos cachos.
"Me desculpa, eu preciso me preparar pro início do julgamento da Helena." a loira fez careta, claramente desconfortável por não poder deixá-la em casa. "Vou chamar um carro de aplicativo pra você, tudo bem? E vou acompanhar a rota de perto, pra me certificar de que ele não vai te sequestrar."
"Espero que tudo corra bem pra Helena, ela merece ser feliz ao lado da Clara." E Sol riu sobre a última afirmação de Lumiar. "E por que ele iria querer me sequestrar?" era possível imaginar algumas razões, mas Solange queria dar abertura para a mente fértil de Lumiar.
"Porque você é linda" Sol sentiu as bochechas queimarem de vergonha, como se ela fosse alguma adolescente boba. "Precisa de mais? Acho que para os homens, não."
"E se for uma mulher?"
Lumiar foi pega de surpresa. Não tinha parado para pensar na possibilidade.
Não sabendo exatamente de onde arrancara tanta coragem, ela se aproximou do rosto de Sol.
"Algumas mulheres também podem se interessar por você." disse baixinho.
Surpreendendo a Lumiar e a si mesma, Solange a beijou. Segurou seu rosto e uniu seus lábios, como se fosse uma vontade secreta, guardada por muito tempo. O beijo tinha gosto de bala de morango e logo Sol entendeu porque, quando sentiu a própria bala tocando sua língua. Do quarto onde estavam, ouviram o interfone e se soltaram.
Lumiar abriu a porta, com receio e deu de cara com Benjamin. Sol passou por ele como um furacão, anunciando que ela mesma chamaria seu carro de aplicativo assim que chegasse ao térreo.
"O que a Sol tava fazendo aqui?" Ben perguntou, surpreso. "E por que agora preciso interfonar pra subir?"
"Nós passamos a noite juntas. E você precisa interfonar porque agora esse apartamento pertence só a mim."
Ben parecia perplexo. "Como assim passaram a noite juntas?!"
"Como pessoas adultas fazem. Mas isso não é da sua conta. Agora me diz qual o motivo da sua visita"
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Invisible String
FanfictionClara havia se esquecido de como era ser cuidada por alguém, há muito tempo não haviam borboletas em seu estômago e menos ainda, entusiasmo para estar em casa. Poderia Helena a lembrar de como era? Como era estar apaixonada e totalmente rendida por...