Capítulo 4- O Peso das Expectativas

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Apesar de estar acostumado à rotina de exercícios físicos, Luan havia exagerado pela manhã. As primeiras horas foram dedicadas apenas a assinaturas de aprovações de compras, projetos e liberação de verbas, entre outras tarefas, deixando sua mente à beira da exaustão. Os olhos começaram a se fechar, e os músculos do corpo estavam completamente exaustos; ele necessitava de um momento de descanso.

Por sorte, seu escritório estava equipado com tudo o que pudesse precisar. Era uma ampla sala com uma mesa em formato de L, uma poltrona confortável, uma estante repleta de livros de consulta e um quadro recentemente adquirido em um leilão restrito. Dois sofás de couro preto com uma mesa central estavam rodeados por flores decorativas. Logo na entrada, havia outra mesa com um mini frigobar abaixo e, em cima, uma cafeteira gourmet e um filtro de água, além de outros itens como recipientes de doces exóticos e biscoitos.

Ele se levantou com dificuldade. Naquele dia, seu circuito de exercícios era mais voltado para aeróbicos, envolvendo todo o corpo. Normalmente, esse treino levava de uma a duas horas, mas não naquela manhã, na qual ele passou mais de 3 horas treinando até atingir a exaustão. Seu corpo estava quente, e sua mente fervilhava. Luan preparou um copo de café preto, ciente de que não podia se dar ao luxo de cochilar ou ser desatento com assinaturas importantes. Ele o tomou com tanta pressa que acabou queimando a língua.

"Merda!", praguejou consigo mesmo.

Era crucial manter-se acordado e focado. Ele pegou também um copo de água fresca para acompanhar o analgésico, enquanto caminhava de volta à sua mesa, mancando com sua perna esquerda, que parecia mais afetada por algum motivo. A cada passo, sentia os músculos contraírem involuntariamente. A porta de sua sala se abriu sem qualquer cerimônia. Apenas uma pessoa teria a audácia. Ele olhou para o teto, buscando forças para enfrentar o teatro que estava prestes a se desenrolar. A expressão de dor se transformou em um rosto frio, demonstrando domínio sobre a situação. Como alguém que estava perfeitamente bem, ele apressou os passos para se sentar, enquanto seu pai o ignorava e servia-se da máquina de café.

-Eu marquei uma reunião para alguns investimentos de combustível na Nigéria. Quero que você pesquise sobre as pessoas envolvidas.- Declarou o mais velho, como se isso substituísse um "bom dia".

A família Garcia nunca fora muito unida, amorosa ou qualquer coisa que definisse uma família normal. Para Luan, tudo se tratava de negócios. A empresa havia se solidificado ao longo de três gerações, começando com o bisavô da família, que havia feito várias apostas arriscadas e saído vitorioso em todas elas. Luan não compreendia bem as circunstâncias dessas apostas nem por que seu ele havia se arriscado tanto; ele também nunca tivera a oportunidade de perguntar, pois o homem faleceu muito antes de seu nascimento.

Em resumo, a família tinha um histórico de sucessos e riquezas marcantes. Nunca precisaram se preocupar com salários ou pagamentos ao fim do mês. Seu pai, Bernardo Garcia, assumiu a empresa junto com seu tio, Heitor Garcia, quando tinham 20 e 21 anos, respectivamente. Isso ocorreu após a morte prematura de seu avô. Desde então, eles lideraram o grupo com grande sabedoria por quase 45 anos, não atoa, com auxilio das melhores mentes do país. Os jovens haviam herdado a visão empresarial, assim como Luan também herdara, mas ele frequentemente sentia a necessidade de provar seu valor. Seu pai e tio testemunharam a evolução da economia do país, acompanhando as mudanças de presidente e enfrentando crises. Sobreviveram ao boom da internet, sendo pioneiros na adoção de novas tecnologias. Com o tempo, Bernardo comprou as ações de Heitor, tornando-se o acionista majoritário. Heitor, por sua vez, não demonstrava muito interesse nos negócios, preocupando-se mais com a riqueza e uma vida despreocupada, repleta de viagens, relacionamentos, casamentos e divórcios.

Luan teve a sorte, ou azar, de ser o único filho de Bernardo. Desde a infância, foi criado com a compreensão de que seria responsável pelos negócios familiares. Não era uma questão de escolha, mas sim de dever a ser cumprido. Em contraste, seu tio teve três filhos homens e uma filha. Um dos filhos, Diego, optou por seguir a carreira de pintor, levando um estilo de vida controverso. O outro gêmeo, Diogo, seguiu a carreira médica, abdicando da influência da família mas usando do dinheiro para se tornar sócio- diretor de uma clínica médica muito conhecida. Os outros dois filhos mantiveram um interesse genuíno pelos negócios da família. A prima Mariana era a que mais preocupava Luan. Seu interesse em liderar os domínios da empresa era evidente, e ela era a única qualificada para tal, uma vez que seu irmão, Victor, era facilmente manipulado pelo pai e pela irmã.

-Eu farei isso. Mas achei que o senhor não se envolveria mais nesses assuntos-. declarou Luan. Ele assumiu a presidência da sede quando seu pai completou 45 anos no cargo. Embora a justificativa fosse que o pai estava cansado pela idade e planejava se aposentar, a verdade era que ele ainda tomava as principais decisões.

Pessoas gananciosas nunca se aposentam. Com um conselho com direito a voto, Luan não tinha muita escolha senão se submeter às correntes que o envolviam. No fim das contas, todos eram como bonecos manipulados por um jogo de cordas, mas ninguém sabia ao certo quem estava manipulando quem.

-Bom, a decisão final  que é sua, garoto. Mas sozinho você não faz nada, vimos o que aconteceu no último ano. Os números tomaram esse rumo, e estou apenas te guiando pelo caminho certo.

Desde que Luan assumira, houve uma queda na bolsa. Outros grupos de investimento receavam que alguém tão jovem fosse inexperiente e o medo de arriscar seu dinheiro, diante da reação em cadeia que se seguiu, quase tornou realidade os medos iniciais.

No mundo corporativo, um boato tinha poder destrutivo. Uma série de adversidades tirou muitas noites de sono da família, mas enquanto empresa recuava, o nome do Luan também crescia.

-O senhor sabe melhor do que ninguém que eu não tive culpa- Defendeu-se Luan, um pouco exaltado, inclinando-se na cadeira. Esse movimento fez suas costas gritarem por um analgésico, e até sua respiração parecia trazer brasas, queimando toda a sua coluna. Seu semblante devia estar horrível.

-De fato. Mas o que importa é como o mercado enxerga. E eles viram um garoto que quase levou uma multinacional à falência!

A frieza nas palavras de seu pai era impulso para Luan sempre querer provar o contrario, e mesmo o maior dos boatos ou a crise mais profunda não derrubaria o grupo consolidado e diversificado que possuíam. Luan havia acabado de entrar na lista dos mais ricos por seu próprio nome e não mais a sombra da herança do seu pai. No entanto, ele continuou:

-Você ainda tem tempo para mudar sua imagem, fez bem em criar seus próprios investimentos e, por isso, votamos para que continue em sua função. Mas tome cuidado, meu filho, você não é o único que deseja esse trono.

Luan concentrou completamente sua atenção nos papéis em sua mesa. A visão turva de raiva não se fixava em nada específico. Mesmo assim, ele pegou uma pasta qualquer e a abriu em uma folha aleatória.

-Agradeço pelos seus conselhos, mas no momento estou ocupado, como pode ver. Conversaremos em outra ocasião.

Seu pai se levantou, mas surpreendeu Luan ao virar o copo em que havia bebido café sobre os papéis na mesa. Algumas gotas caíram, manchando a imensidão de branco e preto.

Luan fechou as mãos e apertou os punhos, até que seus dedos ficassem brancos.

-Eu administrei isso aqui por anos. Você deveria ser grato por eu te ensinar. Ainda assim, você continua manchando nossa imagem.

Seu pai saiu com a mesma tranquilidade com a qual havia chegado. A família era como um iceberg, com uma geleira oculta por trás das aparências.

Após tomar um remédio para dor e beber água, Luan retomou a leitura dos papéis, buscando aonde havia parado.

SUBLIME- A Caminho Da MesaOnde histórias criam vida. Descubra agora